Conflitos
envolvendo indígenas e ruralistas são antigos e conhecidos no mundo. Para
Imperatriz, sustentabilidade também dá samba.
O
secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira
dos Santos, o Giba, afirmou nesta sexta-feira (13) que a perseguição de
lideranças do agronegócio à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, do Rio de
Janeiro, é reação exagerada. E que demonstra a contrariedade de um setor que
investe pesado em propaganda para construir e vender uma imagem ameaçada pelo
samba-enredo deste ano – Xingu, O Clamor Que Vem da Floresta –, que expõe os
conflitos agrários e a produção baseada no uso de agrotóxicos. Para o Cimi,
órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o
estardalhaço encontra terreno fértil devido à atual situação política do país.
Em
nota, a diretoria da Imperatriz afirma que vai manter o enredo escolhido.
Lembra que o homem do campo é presença e a contribuição da agricultura para a
economia já foram temas da escola. “No ano passado, adentramos no universo
rural, trouxemos algumas riquezas do estado de Goiás e dedicamos um setor
inteiro de nosso desfile à agricultura, por entendemos a importância deste
segmento para nossa economia”, afirma o texto assinado pelo presidente da
agremiação, Luiz Pacheco Drumond.
“Comprometida
em dar voz à diversidade, a Imperatriz Leopoldinense (…) decidiu levar para a
Marquês de Sapucaí em 2017 o enredo Xingu – O Clamor Que Vem da Floresta (…) A
produção muitas vezes sem controle, as derrubadas, as queimadas e outros feitos
desenfreados em nome do progresso e do desenvolvimento afetam de forma drástica
o meio ambiente e comprometem o futuro de gerações (…)”, diz a mensagem da
Imperatriz, observando que carnaval e samba também têm um compromisso com o
social e o desenvolvimento sustentável.
“Essa
questão que está sendo abordada pela escola de samba já é bem conhecida no
mundo todo. Não é novidade. Mas os ruralistas, que se sentem ‘imexíveis”,
aproveitam desse momento atual, com a democracia ferida de morte, para criticar
e ameaçar o que vem contra os seus interesses”, disse.
Giba
destacou que, ao contrário do que afirma a propaganda do agronegócio, o setor
não é responsável pela produção de alimentos para o mundo, e sim pela
monocultura visando a produção de grãos para ração animal e obtenção de
combustíveis. Atualmente, conforme lembrou, em muitas regiões brasileiras está
sendo cultivado milho destinado à produção de etanol nos Estados Unidos para
abastecimento da sua frota.
“E
em meio a tudo isso está a questão da terra, da demarcação de terras indígenas
que não ocorre por pressão da bancada ruralista. Essa disputa está por trás das
causas da violência no campo e por ações contra setores que defendem as nações
indígenas”, disse, mencionando a CPI da Funai e do Incra, que segundo ele é
mais um palanque para o setor.
Em
novembro passado, foi criada uma nova CPI para apurar possíveis irregularidades
na demarcação de terras originárias dos povos tradicionais. Uma comissão
formada no final de 2015 havia sido paralisada sem a edição de um relatório
final.
Giba
acredita ainda que o episódio sinalize que este ano será difícil para as
populações indígenas e outras tradicionais, já que a bancada ruralista apoia
projetos que avançam no Congresso, como o PL 3.200 – o “PL do Veneno” – que
visa a revogar a atual Lei de Agrotóxicos e instituir a Lei de Defensivos
Fitossanitários, e a PEC 215, que retira do Executivo federal, e transfere para
o Legislativo, o poder de demarcar de terras indígenas. Atualmente, as terras
são demarcadas mediante um histórico das áreas e elaboração de pareceres
técnicos por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), subordinada ao
Ministério da Justiça.
A
julgar pela histórica aliança entre a Rede Globo, que transmite os desfiles de
Carnaval, e os interesses do agronegócio, Giba receia que a emissora boicote o
desfile da Imperatriz. No ano passado, a escola de samba Vila Isabel, que
homenageou Miguel Arraes (1916-2005), foi prejudicada com a decisão de atraso
na transmissão. Primeira a desfilar naquela noite, a Vila teve trechos de seu
desfile excluídos do compacto exibido nos noticiários.
Samba-enredo
será mantido
À
tarde, a Imperatriz Leopoldinense soltou nota em que expressa seu compromisso
com o social e o desenvolvimento sustentável apesar da campanha difamatória
empreendida desde que veio a público que no desfile a escola denunciará o uso
irresponsável de agrotóxicos.
A
RBA procurou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que ainda não se
manifestou.
Leia a nota da
Imperatriz Leopoldinense:
O
carnaval é uma festa popular e o desfile das escolas de samba na Marquês de
Sapucaí, considerado o maior espetáculo a céu aberto do mundo, é um patrimônio
da cultura brasileira. Um dos principais atrativos turísticos da cidade do Rio
de Janeiro, o carnaval carioca atrai visitantes de diversas regiões do Brasil e do mundo inteiro.
A
festa emprega milhares de trabalhadores nos mais diversos setores, gerando desenvolvimento e oportunidades de
negócio, além de injetar dinheiro em
nossa economia. Só no carnaval de 2016 foram arrecadados mais de 3 bilhões de
reais, segundo dados da Empresa de Turismo do Rio de Janeiro – Riotur.
Seja
nos ranchos, nos blocos, nos salões ou na avenida, o carnaval, mesmo terminando
na quarta-feira de Cinzas, desperta sonhos e paixões nos foliões. As escolas de
samba são um capítulo à parte, um espaço democrático que liga os todos os
cantos da cidade e celebra a diversidade. E falar de diversidade é falar da
Imperatriz Leopoldinense.
Considerada
uma das escolas de samba mais tradicionais do carnaval carioca e uma das maiores
campeãs da Era Sambódromo, a Rainha de Ramos – como é carinhosamente chamada
por seus torcedores e comunidade –, tem na sua essência um compromisso com a
cultura. Os enredos sobre a formação do povo brasileiro estão enraizados em
nossa história. Aliás, gostamos muito de contar boas histórias.
Orgulhamo-nos
de nossa trajetória de grandes enredos com temática cultural, inclusive fomos a
primeira agremiação a fundar um departamento cultural, prática posteriormente
adotada por todas as nossas co-irmãs, cujo propósito é preservar nossas raízes
e memórias. Colecionamos desfiles inesquecíveis e sambas que são considerados
verdadeiros clássicos do carnaval, que nos renderam prestígio, reconhecimento
de importantes setores da sociedade e, claro, muitos campeonatos.
Temos
a marca do pioneirismo em nosso pavilhão, conquistamos oito vezes o título de
campeã do carnaval carioca no Grupo Especial, além de importantes prêmios
nacionais e internacionais. Nestes quase 60 anos de fundação e de bons serviços
prestados à cultura brasileira, a Imperatriz Leopoldinense teve em seu quadro
grandes mestres do carnaval, já celebrou importantes vultos de nossa rica
Literatura, juntou o erudito com o popular, uniu o sagrado e o profano, cantou
a nossa mestiçagem e a fé de nossa brava gente brasileira espalhada por todos
os rincões deste país de dimensões
continentais.
O
homem do campo é presença constante em nossos desfiles e exaltamos por muitas
vezes na Avenida o solo brasileiro, este chão abençoado por Deus onde tudo que
se planta, dá. No carnaval de 2016, ano em que, vencendo preconceitos,
homenageamos a dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, adentramos no
universo rural, trouxemos algumas riquezas do estado de Goiás e dedicamos um
setor inteiro de nosso desfile à agricultura, por entendemos a importância
deste segmento para nossa economia .
Comprometida
em dar voz à diversidade, a Imperatriz Leopoldinense, que já cantou em
carnavais anteriores o descobrimento do Brasil e celebrou as raízes africanas
através da figura e do legado de Mandela, decidiu levar para a Marquês de
Sapucaí em 2017 o enredo “Xingu – o clamor que vem da Floresta”, de autoria do
carnavalesco Cahe Rodrigues.
Vamos
falar da rica contribuição dos povos indígenas do Xingu à cultura brasileira e
ao mesmo tempo construir uma mensagem de preservação e respeito à natureza e à
biodiversidade.
Segundo
relato da própria população que vive ali, a região do Xingu ainda é alvo de
disputas e constantes conflitos. A produção muitas vezes sem controle, as
derrubadas, as queimadas e outros feitos desenfreados em nome do progresso e do
desenvolvimento afetam de forma drástica o meio ambiente e comprometem o futuro
de gerações vindouras. Os resultados, como sabemos, são devastadores e na
maioria das vezes irreversíveis.
Acreditamos
que, para além do entretenimento, o carnaval e a escola de samba – levando em
consideração que os olhos do mundo se voltam para nossa festa – têm um
compromisso com o social e o desenvolvimento sustentável.
Após
a divulgação de nossas fantasias, algumas delas denunciando o uso irresponsável
de agrotóxicos, fomos alvo de uma intensa campanha difamatória. Embora não seja
nossa intenção generalizar, importantes pesquisas científicas apontam os
diversos males que o agrotóxico traz para o solo, para o alimento e
consequentemente para a saúde de quem o consome. Este é apenas um aspecto do
nosso rico e imenso enredo, mas desde então temos recebido críticas e inúmeras
notas de repúdio dos mais diversos setores do agronegócio.
Até
em função de certa confusão registrada em algumas dessas falas, ressaltamos e
esclarecemos que no trecho de nosso samba “o Belo Monstrorouba a terra de seus
filhos, destrói a mata e seca os rios” estamos nos juntando às populações
ribeirinhas, às etnias indígenas ameaçadas, aos
ambientalistas e importantes setores da sociedade que se
posicionaram contra a construção da
usina hidrelétrica de Belo Monte. Não é uma referência, portanto, ao agronegócio,
como alguns difundiram. Os impactos negativos desta obra ao meio ambiente serão
imensuráveis, estão constantemente nas pautas de debates, são temas de
discussões recorrentes em audiências públicas e foram amplamente divulgados
pela imprensa nacional e estrangeira.
Em
nenhum momento atacamos o setor do agronegócio e seus trabalhadores. A sinopse de nosso enredo está disponível
para consulta pública em nossos canais oficiais de comunicação. Mesmo depois de
todos os esclarecimentos prestados por nosso carnavalesco aos mais diversos
veículos de comunicação, temos sido atacados com críticas injustas e até com
ofensas ao samba, importante matriz de nossa cultura, e ao carnaval, a maior
festa popular do planeta.
Por
fim reforçamos que o nosso enredo não versa contra esta importante cadeia
produtiva de nossa economia nem desqualifica os seus incansáveis trabalhadores.
Como poderíamos exaltá-los de forma grandiosa num carnaval para em seguida
criticá-los no outro?
A
nossa mensagem é de preservação, respeito, tolerância e paz. Todos os que acreditam nesses valores estão convidados
a celebrar conosco.
Salve
o verde do Xingu, viva o carnaval, a Imperatriz Leopoldinense e todos os
trabalhadores do Brasil!
Luiz Pacheco Drumond
Presidente
http://www.sul21.com.br/jornal/ataque-a-samba-enredo-da-imperatriz-e-mais-uma-face-do-golpe-diz-cimi/
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