“O
diabo é sábio por ser velho”
Peça 1 – as peças
iniciais do jogo
É
curioso a rapidez do tempo histórico nesses tempos de Internet e redes sociais.
Há o lado da desestruturação das informações, pela quantidade e rapidez com que
se sucedem os eventos. Mas há o lado da enorme rapidez dos diagnósticos em cima
de eventos históricos ainda em andamento.
É
o caso da nova estratégia da geopolítica norte-americana, montada a partir do
advento da Internet e das redes sociais.
Ao
longo dos últimos anos, foi possível acompanhar passo a passo esse jogo. No
início, dada a aparente volatilidade dos fatos, íamos registrando o
passo-a-passo, mas ainda mantendo dúvidas sobre as formas de organização: havia
uma lógica, algum conhecimento sistematizado, ou apenas um ou dois eventos
planejados e o resto se sucedendo de forma aleatória?
Afinal,
a cooperação internacional – a troca de informações entre os órgãos de
segurança de vários países - é praticada
há anos em várias instâncias, desde a cobrança de pensão alimentícia até
extradição de criminosos. Era de conhecimento público a cooperação entre FBI e
a Polícia Federal. E, desde a constituição da Sistema Brasileiro de
Inteligência (Sisbin) a prática da integração dos diversos órgãos de
fiscalização em forças tarefas.
A
maneira como a Lava Jato investiu contra a Petrobras e as empreiteiras, como
destruiu sistematicamente a cadeia do petróleo e gás e a indústria naval,
parecia, no início, apenas esbirros de um país atrasado, de instituições
frágeis, de uma mídia subdesenvolvida, que não conseguiram avaliar a relevância
das empresas para a geração de impostos, emprego, tecnologia.
Jogava-se
já no golpe do impeachment e todos os prejuízos ao país eram lançados na conta
do golpe.
Com
o tempo, percebeu-se que havia método no trabalho.
Peça 2 – os
primeiros indícios do jogo antinacional
A
ida do Procurador Geral da República Rodrigo Janot aos Estados Unidos, no
início de fevereiro de 2015, chefiando uma equipe de procuradores, levando
informações contra a Petrobras, despertou o primeiro alerta: a cooperação
internacional se dava de forma estranha, não seguindo as formalidades.
No
dia 2 de fevereiro de 2015, nosso colunista André Araújo, do alto de sua
experiência, antecipava os pontos centrais de questionamento
(https://goo.gl/V2Wrhv):
1. Como um agente do Estado brasileiro vai
aos EUA levando informações contra uma empresa controlada pelo Estado
brasileiro? Quem deveria ter ido era a AGU (Advocacia Geral da União).
2. Nenhum país minimamente consciente de sua
soberania permite que suas empresas e cidadãos sejam processados no exterior.
No caso brasileiro, não apenas se permitia como se alimentava a Justiça
norte-americana.
3. Cooperação internacional só pode se dar
através do Ministério da Justiça. A tropa de procuradores, comandada por Janot,
não apenas atropelava o Ministério da Justiça como o próprio Ministério das
Relações Exteriores, assumindo o controle completo da cooperação.
André
estranhava, principalmente, a visita de Janot ao Departamento de Justiça: “A
única coisa sobre Petrobras que existe no Departamento de Justiça é uma
investigação criminal contra a empresa Petrobras, os procuradores vão lá
reforçar a acusação? É a única coisa que podem fazer, defesa não é com eles, é
com a AGU”.
No
dia 9 de fevereiro, a Procuradoria respondeu às indagações formuladas
(https://goo.gl/Vs6lqz). Foi a única vez que se dignou a dar informações para
uma cobertura que não fosse chapa branca.
Na nota, duas informações
significativas.
A
primeira, a relação de instituições públicas que acompanharam o PGR: CVM
(Comissão de Valores Mobiliários) e CGU (Controladoria Geral da União), apenas
instituições públicas fiscalizadoras, e não a AGU (Advocacia Geral da União) a
quem caberia defender a Petrobrás. Não foi um pecado solitário da PGR, mas a
prova mais evidente da forma totalmente despreparada com que o governo Dilma
Rousseff encarou a Lava Jato.
Não
faltaram alertas para que ela entrasse em contato direto com Barack Obama,
visando impedir ações contra a Petrobras – vítima da corrupção, e não autora.
A
segunda, a informação de que o Ministério da Justiça não era a autoridade
central exclusiva nos acordos de cooperação. Dizia a nota:
“A
obtenção de provas por meio de auxílio direto ou rogatórias e a transmissão de
documentos entre os Estados é feita pela autoridade central, papel que, no
Brasil, é desempenhado pelo Ministério da Justiça OU pela PGR”.
De
nada adiantaram os alertas de que seria suicídio o Ministério da Justiça deixar
o controle total da cooperação nas mãos da PGR, que era peça da conspiração. O
Ministro José Eduardo Cardozo jamais quis correr o menor risco em defesa da
legalidade e do seu governo.
Em
2 de abril de 2015, dois meses após a visita de Janot aos EUA, saiu a denúncia
contra o almirante Othon Luiz Pereira da Silva, figura chave no desenvolvimento
nuclear brasileiro (https://goo.gl/AVPiw8).
A
maneira como chegaram em Othon foi apertar o presidente da Andrade Gutierrez
Dalton Avancini, que já havia feito uma delação. Providenciaram uma segunda
delação onde o induziram a denunciar a Eletronuclear, com base nas informações
conseguidas junto às autoridades norte-americanas.
A
partir da reformulação de sua delação, deflagrou-se a Operação Radioatividade,
para investigar suspeitas na área nuclear.
Indagamos
da PGR se trouxera da visita as informações contra a Eletronuclear. A resposta,
dúbia, foi de que “nós não saímos do Brasil com essa intenção”, uma maneira de
dizer que voltaram com a informação. O indiciamento do Almirante se deu em
tempo recorde.
No
dia 2 de agosto de 2015, quando já estavam mais nítidos os sinais da
articulação entre a PGR e as autoridades norte-americanas, o GGN resolveu
investigar a trajetória do PGR Janot nos Estados Unidos. E descobriu que ele se
encontrou com Leslie Caldwell, procuradora-adjunta encarregada da Divisão
Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (http://migre.me/qZSvO)
e, até um ano antes, advogada de um grande escritório de advocacia que atendia à
indústria eletronuclear norte-americana.
A
partir desse episódio, ficou nítido que havia uma estreita cooperação entre
autoridades de ambos os países e o que parecia uma aparente ignorância do PGR e
do Ministério Público em relação aos interesses nacionais em jogo, era uma
articulação pensada e antinacional.
Peça 3 – o
confronto com o que ocorreu em outros países
Gradativamente,
começaram a aparecer detalhes de casos envolvendo líderes socialdemocratas em
outros países do mundo, sempre tendo o Ministério Público e a Justiça como
elementos centrais de desestabilização.
Em
Portugal e Argentina ocorreu o mesmo processo (https://goo.gl/dJZHHZ). Em
Portugal, uma campanha sistemática contra o ex-primeiro ministro socialista
José Sócrates, um ano de campanha, 9
meses de prisão preventiva. No final, nenhum elemento capaz de condená-lo, mas
Sócrates estava politicamente destruído.
Na
Argentina, o mesmo procedimento do MPF brasileiro. Pega-se uma decisão de
política econômica, identificam-se ganhadores genéricos e amarra-se com algum
financiamento de campanha para criminalizar Cristina Kirchner que foi indiciada
e precisou depor perante um juiz (https://goo.gl/no1iaC).
No
dia 20 de fevereiro de 2016, uma entrevista extremamente elucidativa de Jamil
Chade (https://goo.gl/Bk2qJq),
correspondente do Estadão em Genebra. Autor de um livro sobre o escândalo da
FIFA, com fontes no FBI, Chade contava que foram as manifestações de junho de
2013 que convenceram o FBI que o Brasil estaria preparado para enfrentar dois
mega-escândalos. Um, foi a Lava Jato, com foco na Petrobras. O segundo, a FIFA,
visando romper os acordos esportivos que asseguram às empresas nacionais
blindagens de audiência contra a entrada de competidores estrangeiros.
Ora,
FIFA é um escândalo brasileiro, que tem na Globo seu principal formulador. Os
agentes do FBI diziam que o MPF brasileiro era o menos colaborativo no caso
FIFA, ao contrário da Lava Jato, onde as informações fluíam torrencialmente.
Justamente
nas manifestações de junho de 2013 houve o pacto entre a Globo e o MPF no
combate à PEC 37, que restringiria a capacidade de investigação do MPF.
No
dia 10 de março de 2016, GGN entrevistou o cientista político Moniz Bandeira,
que explicou de forma detalhada a nova estratégia norte-americana, abdicando
das parcerias militares em benefício dos pactos com o Judiciário e o Ministério
Público. Sob o título “Da Primavera Árabe ao Brasil, como os EUA atuam na
geopolítica” (https://goo.gl/u1ISQ8) Moniz disseca o novo modo operacional da
geopolítica norte-americana.
No
dia 20 de maio de 2016 participei de um debate na Fundação Escola de Sociologia
e Política com o acadêmico alemão Thomas Meyer, autor do livro “Democracia
midiática: como a mídia coloniza a política”.
Meyer é intelectual de peso, membro do Grupo Consultivo da União
Europeia para a área de Ciências Sociais e Humanas e vice-presidente do Comitê
de Princípios Fundamentais do Partido Socialdemocrata da Alemanha
No
debate, contou em detalhes como se deu a campanha que levou à renúncia do
presidente socialdemocrata Christian Wullf. Durante quatro anos, houve uma
campanha de mídia na Alemanha que utilizava informações inventadas, absurdas,
segundo ele. Todos os veículos montaram um fluxo único de informações,
massacrando o presidente até renunciar.
Peça 4 – a
explicitação da metodologia do “lawfare”
Nos
embates contra a Lava Jato, os advogados de Lula decidiram levar a perseguição
ao Acnudh (Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos). No levantamento
das práticas de abusos, houve uma discussão com especialistas na Universidade
de Harvard, que detalharam a tática conhecida como “lawfare”, ou guerra
jurídica (https://goo.gl/28knxn).
Ali
se percebeu que o fenômeno, global, já havia sido detectado pela academia dos
países centrais, que conseguiram sistematizar seu modo de operação.
Consiste
em uma parceria entre Ministério Público e mídia visando gerar uma enorme
quantidade de notícias e denúncias, mesmo sem maiores fundamentos. O objetivo é
sufocar a defesa, destruir a imagem do réu perante à opinião pública, atingindo
seus objetivos de anulá-lo para a política – seja pela destruição da imagem ou
pelo comprometimento de grande parte do tempo com a defesa.
Trata-se,
portanto, de um recurso utilizado em várias partes com propósitos eminentemente
políticos. A mesma coisa que ocorreu em Portugal, Alemanha, na Espanha, com o
primeiro-ministro Felipe Gonzáles.
E,
aí, se junta a última peça para a explicitação da metodologia de atuação: quem
comanda o circo
No
começo de tudo estão os interesses geopolíticos norte-americanos, fundados em
alguns objetivos:
1. Impedir o desenvolvimento autônomo de
potências regionais e de modelos de socialdemocracia. Não é coincidência, a
crise atual da Coréia do Sul, os ataques aos líderes socialdemocratas em vários
países.
2. Atuar firmemente contra os BRICs. Brasil
já é fato consumado. Tenta-se, agora, a Índia.
3. Consolidar o livre fluxo de capitais já
que, hoje em dia, a hegemonia norte-americana se dá fundamentalmente no campo
financeiro.
O
governo dispõe basicamente de três estruturas.
Em
azul escuro, no topo, o Departamento de Estado (na época dirigido por Hillary
Clinton, estreitamente ligada ao establishment norte-americano), em cooperação
com o Departamento de Justiça. Como braços operacionais, o FBI – e suas
parcerias com as polícias federais – e a NSA – a organização que se
especializou em espionagem eletrônica, responsável pelos grampos nos telefones
de Dilma Rousseff e Ângela Merkel.
O
Departamento de Estado dispõe de três ambientes de disseminação da estratégia:
as redes sociais, a cooperação internacional e o mercado.
Há
anos, o Departamento de Estado atua nas redes sociais de vários países.
Recentemente, a Wikileaks revelou a atuação do homem de Hillary nas redes
sociais atuando junto a comunicadores brasileiros.
A
cooperação internacional é uma estrutura antiga, de troca de informações entre
Ministérios Públicos e Policias Federais de vários países. Após o atentado às
Torres Gêmeas, tornou-se peça central de colaboração contra o crime organizado.
Nela, o FBI desempenha papel central, por ser o órgão mais bem aparelhado para
o rastreamento de dinheiro em paraísos fiscais – onde se misturam dinheiro do
narcotráfico, caixa dois, dinheiro de corrupção política. Com o controle das
informações, disponibiliza aquelas que são de interesse direto da geopolítica
norte-americana.
Finalmente,
o mercado, com sua extensa rede de entrelaçamento com instituições financeiras,
empresas e mídia nacionais, é o terceiro canal de influência.
Nos
círculos vermelhos, os três fenômenos que chacoalham as democracias modernas.
O
primeiro, a informação caótica, fato que aumenta com as redes sociais e,
especialmente, com os grupos de mídia praticando a chamada pós-verdade – a
invenção de notícias com propósitos políticos.
O
desalento com a economia – após a crise de 2008 – gerou dois novos sentimentos
de massa: o desânimo com a democracia e a busca de saídas autoritárias; e a exploração
do mito do inimigo externo, que pode ser um membro do Islã, um imigrante
indefeso ou um perigoso agente da socialdemocracia.
A
falência do estado de bem-estar social, a falta de alternativas, promoveu um
quarto sentimento, que é o do desmonte do Estado através do enfraquecimento da
política em favor do mercado.
Em
verde, finalmente, os agentes nacionais desse golpe: a Lava Jato e a PGR,
firmemente empenhados na destruição da estrutura atual de grandes empresas
brasileiras; a mídia e o mercado.
Com
essas ferramentas à mão, monta-se o “lawfare”, visando exclusivamente os
adversários do sistema. E, no bojo das operações, o conjunto de ideias
econômicas que, no caso brasileiro, foi batizado de “Ponte para o Futuro”:
desmonte do Estado social, livre fluxo de capitais, privatização selvagem.
No
futuro, assim que se sair do estado de exceção atual, não haverá como não
denunciar o Procurador Geral Janot, o juiz Moro e os procuradores da Lava Jato
por crime contra o país. E, aí, haverá ampla documentação devidamente
registrada e que possivelmente será requisitada pelo primeiro governo
democrático brasileiro, pós-golpe, junto à cooperação internacional.
http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-assassinato-politico-e-o-papel-do-mpf
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