Quando
veio a Nova York em 1960 para a reunião das Nações Unidas, Castro se irritou
com a gerência do hotel em que ele estava se hospedando, o Shelburne, arrumou
suas malas e levou sua comitiva para o Hotel Theresa no Harlem, onde ele
celebremente apareceu na janela e acenou para os moradores negros da
comunidade. Milhares de moradores do Harlem gritaram seu nome em uma conexão
com o poder com o qual eles estavam totalmente desacostumados.
Por Ronald
Howell, em Dezembro em 2014
Tradução:
Tomaz Amorim Izabel, para este Blog.
Quando
se trata de comparar palavras com feitos no tema da igualdade racial, o líder
mais fiel do hemisfério ocidental, durante o século XX, foi Fidel Castro.
Eu
digo isso como um estadunidense negro que se conectou com muita proximidade à
América Latina quando adulto, vivendo no México por quase dois anos,
trabalhando e ficando com famílias na República Dominicana e fazendo mais do
que meia dúzia de visitas a Cuba, onde eu vaguei por suas cidades encantadoras
e dirigi até os limites mais distantes do interior, forjando relações com seu
povo, especialmente aqueles de matiz mais escura.
Nós
estamos sentindo agora o calor deste assunto incandescente, o homem que abrigou
estadunidenses negros em sua ilha no Caribe. Sim, é Fidel Castro quem – mesmo
sem poder e agora já há anos – está irritando tanto os estadunidenses,
especialmente policiais, por causa de uma ação de governo sua de três décadas
atrás.
Foi
Fidel quem garantiu anistia a Joanne Chesimard, conhecida agora como Assata
Shakur, ainda procurada em 1973 pelo assassinato de um policial estadual de
Nova Jersey, Werner Foerster, em um tiroteio na estrada. Shakur foi condenada,
mas conseguiu escapar da prisão em 1979 com a ajuda de camaradas. Como uma das
lideranças da Black Liberation Army (Exército da Libertação Negra), que tomou
ações mais duras até que o Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party),
não apenas entrando em tiroteios com policiais, mas também assaltando banco,
Shakur se tornou uma lenda no seu tempo, uma Robin Hood das massas negras.
Em
um momento histórico, o presidente Barack Obama anunciou que procuraria
normalizar as relações com Cuba. No mesmo dia, policiais federais e de Nova
Jersey repetiram sua oferta de 2 milhões de dólares por informações que
levassem à captura de Shakur. No último ano, os federais colocaram Shakur como
única mulher na lista do FBI de pessoas mais procuradas.
Foi
Fidel quem garantiu anistia a Joanne Chesimard, conhecida agora como Assata
Shakur, ainda procurada em 1973 pelo assassinato de um policial estadual de
Nova Jersey
Vocês
podem ter certeza que em sites e jornais negros será dada atenção aos chamados
cada vez mais intensos pela captura ou retorno negociado de Shakur. Aquela
atenção virá com uma história.
Castro
não apenas forneceu um refúgio para revolucionários fugitivos, com o argumento,
aceito talvez pela maioria dos cubanos sob o governo de Fidel Castro, que os
negros eram um povo oprimido lutando por tratamento justo e pelo fim de abusos
policiais em suas comunidades.
Não,
ele foi um tipo de Martin Luther King com poder. Por exemplo, antes que os
revolucionários cubanos liderados por Castro tomassem o poder em Cuba em 1959,
havia uma segregação racial extremamente rígida no país, incluindo, por
exemplo, Santa Clara, no interior de Cuba.
Quando
eu estive em Santa Clara no começo de 2001, uma mulher lá me contou como negros
e brancos cubanos na década de 1950 e antes andavam por caminhos separados no
belo Parque Vidal no centro da cidade. (Tudo o que se precisava em Cuba para
ser branco era ter cabelo liso, ter uma tez clara e não querer ser chamado de
“negro”).
Esta
divisão racial em sua maior parte terminou no governo de Fidel Castro. Mais do
que isto, Castro fez um esforço para alcançar os negros nos EUA.
Quando veio a Nova York em 1960 para a
reunião das Nações Unidas, Castro se irritou com a gerência do hotel em que ele
estava se hospedando, o Shelburne, arrumou suas malas e levou sua comitiva para
o Hotel Theresa no Harlem, onde ele celebremente apareceu na janela e acenou
para os moradores negros da comunidade. Milhares de moradores do Harlem
gritaram seu nome em uma conexão com o poder com o qual eles estavam totalmente
desacostumados.
E
não parou aí.
Nos
anos oitenta, antes do fim da Guerra Fria, Fidel enviou aproximadamente 25 mil
tropas para lutar em Angola ao lado dos opositores do então governo do
apartheid na África do Sul. Este aspecto do tempo de Castro no poder foi pouco
noticiado pela mídia dos EUA. Fidel se opôs de forma militante à África do Sul
racista em um momento em que os Estados Unidos a estavam apoiando
diplomaticamente.
Eu
fui o primeiro a reportar em 1987 que Shakur tinha escapado para Cuba e estava
morando lá, sob proteção de Castro. Eu passei vários dias com Shakur em seu
apartamento e caminhando pelo Malecón. Meu colega do Newsday, o fotógrafo Ozier
Muhammad, a fotografou quando ela posava provocativamente do lado de fora do
escritório para interesses dos EUA, com as mãos para o alto, vitoriosa.
Como
vocês sabem, as coisas mudaram desde então.
Os
soviéticos pararam de apoiar Cuba e, então, a própria União Soviética entrou em
colapso total. Por duas décadas, tem havido especulações de que um dia um
presidente estadunidense liberal poderia acabar com o embargo de meio século
que proíbe trocas com Cuba e permitir aos estadunidenses viajar livremente para
lá.
Republicanos
e muitos democratas ficaram muito ofendidos com o que chamaram de uma concessão
de Obama ao comunismo que Cuba – através de Raul, irmão do Fidel aposentado –
ainda representa.
Abafados
na discussão em canais de televisão pagos, estão os sentimentos de
pertencimento e apreciação que os estadunidenses negros mantêm por Fidel
Castro.
Muitos
daqueles que mantêm sentimentos de afeição em relação ao barbudo não gritam
isto aos quatro ventos porque eles não querem ser acusados de antiamericanismo.
Mas simpatia a Fidel pode ser vista em décadas de voto negro no Congresso. O
congressista Charles Rangel, do Harlem, por exemplo, tem estado entre os mais
progressistas de todos os representantes quando se trata de políticas em
relação a Cuba, tendo proposto na virada do ano (2013-2014) um afrouxamento do
embargo. E poucos na cena nacional têm sido mais militantes em se opor ao
embargo do que a congressista negra da Califórnia Maxine Waters.
Nos
próximos dias, Assata Shakur será mencionada mais frequentemente nas notícias
sobre Cuba, especialmente no Nordeste. Há reivindicações crescentes de que os
Estados Unidos encontrem uma maneira de trazê-la de volta e colocá-la na
cadeia. E nestas histórias, jornais de Nova Jersey estão percebendo o quanto
Assata Shakur está sendo tratada como uma heroína em muitas comunidades negras
nos Estados Unidos.
Policiais
federais e outros estão cientes do quanto Shakur tem se tornado um tipo de
heroína popular entre negros estadunidenses e mesmo negros no Caribe, inclusive
com um número crescente de pais nos últimos 25 anos que estão nomeando suas
filhas de Assata.
Somado
ao apelo com os negros, está a ligação de Assata Shakur com o rapper Tupac
Shakur, que é ligado a Assata através de seus ancestrais masculinos (não por
sangue) e é considerado um sobrinho.
Quando
eu escrevi sobre Tupac Shakur para um jornal semanal negro agora defunto (o
City Sun), eu falei com um chefe da polícia federal em Nova York, Ken Walton,
que disse que Assata Shakur tinha que ficar esperta com cada movimento dela –
então, em 1996, e enquanto o coração dela continuasse batendo.
Eu
escrevi então sobre Walton: “Ele me disse em palavras medidas e irritadas que
ele ‘ou alguém como ele’ iria capturar Assata um dia e trazê-la aos EUA”.
Isto
eu sei que é verdade: toda vez que um punho foi levantado por Assata Shakur,
simpatia também foi dirigida ao agora antigo líder de Cuba Fidel Castro.
Aliás,
Assata não é a única revolucionária recebida por Fidel de braços abertos. Ele
também garantiu asilo a Nehanda Obiodun (antes Cheri Laverne Dalton), a única
pessoa ainda procurada pelo assalto de 1,5 milhão de dólares a um carro forte
no começo de 1981 em Nanuet, Nova York, em que dois policiais foram mortos.
Nos
dias de hoje não é difícil localizar onde Assata Shakur e Nehanda Obiodun estão
ou mesmo o que eles estão pensando. Eu encontrei Obiodun e escrevi sobre ela em
Cuba em 1990, mas fui proibido quando tentei marcar um encontro com ela, Shakur
e um grupo de estudantes da Universidade de Stony Brook que levei a Cuba em
Janeiro de 2012.
Obiodun
tem estado cada vez mais fora do radar nos últimos anos, mas Assata Shakur não.
“Nova Jersey espera que o descongelamento das relações entre Cuba e os EUA
ajudem a extraditar a ex-Pantera Negra”, gritava uma manchete do Atlantic City
News em 18 de Dezembro.
Então,
dado todo este pano de fundo, negros estadunidenses não estão apenas refletindo
nostalgicamente sobre Fidel Castro, eles estão preocupados com a situação
difícil de Assata Shakur.
Alguns,
talvez muitos, policiais negros declararam publicamente seu desejo de que
Shakur seja capturada e devolvida à cadeia nos EUA. Mas outros negros têm
respeito pela coragem que ela mostrou ao viver no exílio por 30 anos,
carregando em seu peito os restos de uma bala que ela tomou durante um tiroteio
em 1973.
Mais
do que tudo, podem apostar, há um acordo amplo com Barack Obama: de que o tempo
de hostilidade entre o governo cubano, não mais liderado por Fidel Castro, mas
por seu irmão Raul, deve terminar.
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/por-que-os-estadunidenses-negros-amam-fidel-castro/
Nenhum comentário:
Postar um comentário