domingo, 25 de dezembro de 2016

A UNIÃO ESTÁVEL E A CAPACIDADE CIVIL. Por José Carlos Teixeira Giorgis, desembargador aposentado do TJRS e advogado

Há quinze anos tive oportunidade de decidir processo que sob a ótica de legislação recente pode ser considerada como inovadora ou pioneira, por sua originalidade.

Uma viúva se aproximara de cidadão que necessitava de cuidados, segundo o juiz, por interesse e não por afeto, pois ela vivia de discreta pensão. A convivência durou dez anos, sob o mesmo teto e notoriedade, só findando com a morte do varão.

A desconfiança judicial se ancorou em que o parceiro tinha alguns bens que eram administrados por parentes, sendo portador de debilidade mental bastante acentuada, estando desprovido de capacidade para gerir seus negócios, autodeterminar-se ou entender a real natureza e efeitos de suas atitudes.

Ou seja, era um homem idoso, doente, igual a uma criança; tinha, segundo testemunhas, alguma falha, “não era bem normal”, “meio bobo”, não escrevia, não conhecia dinheiro, nem condições de viver só; para familiares possuía uma “mente fraca”, e não podia constituir descendência, tanto pela idade como por sua fraqueza.

O veredito fora de improcedência, na origem.

Assim não entendeu o TJRS que declarou a existência de união estável, eis que os requisitos estavam bem cumpridos (duração, publicidade, coabitação), atribuindo à autora do recurso também a condição de única herdeira do acervo. (Proc. nº 70002174340).

Quando as pessoas resolvem unir-se necessariamente não trazem o propósito de formar uma união estável, o que vem com o tempo, podendo-se afirmar que a vontade inicial das partes não é aferida, até desprezada pelo legislador, surgindo os desdobramentos protegidos pelo código depois que o convívio se distende.

A mera existência de alguns efeitos derivados da união, contudo, não a eleva à categoria de ato jurídico, onde as partes manifestam, conscientemente, a intenção de produzir imediatamente determinados direitos e obrigações; e, mais ainda, de se vincularem aos termos de sua vontade, manifestada tácita ou expressamente, segundo Tabosa Pessoa.

Ou seja, a união estável é um fato jurídico e não um ato ou negócio jurídico, para o que se exija, segundo o direito material, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (CC/1916, art. 82).

Diversamente do casamento, que exige prévia formalização (contrato), a relação estável se vai instituindo com o tempo daí nascendo, como dito, os efeitos que a lei estabelece, sendo suficiente para o reconhecimento o preenchimento dos pressupostos que, como acima dito, derivam de sua sequência temporal. E se a companheira já tinha direito aos aquestos (Lei nº 9.278/96, vigente para o caso), a inexistência de ascendentes e descendentes a tornou herdeira necessária para a totalidade do patrimônio existente.

Acrescente-se que não houvera pedido de interdição, nem prova da incapacidade civil absoluta do falecido, tanto que um mês antes do óbito ele outorgara procuração por instrumento público a seus familiares para administrar seu acervo.

O inusitado do caso para àquela época, hoje não causaria qualquer admiração ou surpresa ante o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Dita legislação afirma peremptoriamente que a deficiência “não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para casar-se e constituir união estável (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, artigo 6º, I)”.

http://espacovital.com.br/publicacao-34399-a-uniao-estavel-e-a-capacidade-civil



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