Há
quinze anos tive oportunidade de decidir processo que sob a ótica de legislação
recente pode ser considerada como inovadora ou pioneira, por sua originalidade.
Uma
viúva se aproximara de cidadão que necessitava de cuidados, segundo o juiz, por
interesse e não por afeto, pois ela vivia de discreta pensão. A convivência
durou dez anos, sob o mesmo teto e notoriedade, só findando com a morte do
varão.
A
desconfiança judicial se ancorou em que o parceiro tinha alguns bens que eram
administrados por parentes, sendo portador de debilidade mental bastante
acentuada, estando desprovido de capacidade para gerir seus negócios,
autodeterminar-se ou entender a real natureza e efeitos de suas atitudes.
Ou
seja, era um homem idoso, doente, igual a uma criança; tinha, segundo
testemunhas, alguma falha, “não era bem normal”, “meio bobo”, não escrevia, não
conhecia dinheiro, nem condições de viver só; para familiares possuía uma
“mente fraca”, e não podia constituir descendência, tanto pela idade como por
sua fraqueza.
O
veredito fora de improcedência, na origem.
Assim
não entendeu o TJRS que declarou a existência de união estável, eis que os
requisitos estavam bem cumpridos (duração, publicidade, coabitação), atribuindo
à autora do recurso também a condição de única herdeira do acervo. (Proc. nº
70002174340).
Quando
as pessoas resolvem unir-se necessariamente não trazem o propósito de formar
uma união estável, o que vem com o tempo, podendo-se afirmar que a vontade
inicial das partes não é aferida, até desprezada pelo legislador, surgindo os
desdobramentos protegidos pelo código depois que o convívio se distende.
A
mera existência de alguns efeitos derivados da união, contudo, não a eleva à
categoria de ato jurídico, onde as partes manifestam, conscientemente, a intenção
de produzir imediatamente determinados direitos e obrigações; e, mais ainda, de
se vincularem aos termos de sua vontade, manifestada tácita ou expressamente,
segundo Tabosa Pessoa.
Ou
seja, a união estável é um fato jurídico e não um ato ou negócio jurídico, para
o que se exija, segundo o direito material, agente capaz, objeto lícito e forma
prescrita ou não defesa em lei (CC/1916, art. 82).
Diversamente
do casamento, que exige prévia formalização (contrato), a relação estável se
vai instituindo com o tempo daí nascendo, como dito, os efeitos que a lei
estabelece, sendo suficiente para o reconhecimento o preenchimento dos
pressupostos que, como acima dito, derivam de sua sequência temporal. E se a
companheira já tinha direito aos aquestos (Lei nº 9.278/96, vigente para o
caso), a inexistência de ascendentes e descendentes a tornou herdeira
necessária para a totalidade do patrimônio existente.
Acrescente-se
que não houvera pedido de interdição, nem prova da incapacidade civil absoluta
do falecido, tanto que um mês antes do óbito ele outorgara procuração por
instrumento público a seus familiares para administrar seu acervo.
O
inusitado do caso para àquela época, hoje não causaria qualquer admiração ou
surpresa ante o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Dita legislação afirma
peremptoriamente que a deficiência “não afeta a plena capacidade civil da
pessoa, inclusive para casar-se e constituir união estável (Lei nº 13.146, de
06 de julho de 2015, artigo 6º, I)”.
http://espacovital.com.br/publicacao-34399-a-uniao-estavel-e-a-capacidade-civil
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