A
Constituição brasileira sofre um ataque em duas frentes, uma deliberada e outra,
não. No primeiro caso, trata-se de uma
ação de setores que não concordam que o texto constitucional tenha um caráter
de compromisso com a erradicação da pobreza e com a justiça social. O outro tem
origem em operadores do Direito, que atacam a Constituição "por dentro do
sistema", por não acreditarem na autonomia que o Direito deve ter.
É
o que analisa o jurista Lenio Streck, advogado e professor de Processo Penal e
ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul. Ele falou sobre o estado do
Direito no Brasil e questões pontuais como a operação “lava jato”em entrevista
para a Revista da Caasp, da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo
(clique aqui para ler).
“O
Brasil deve erradicar a pobreza e fazer justiça social. Isso é lei, isso vale,
e portanto nós queremos que isso seja cumprido, pelo menos na minha linha
ortodoxa constitucional, jurássica. E há setores que nunca concordaram com
isso, que sempre disseram que a Constituição é uma carta de intenções e que,
portanto, não é uma norma, é longa demais etc. Setores da sociedade dizem que a
Constituição é dirigente quando lhes interessa para receber fundos públicos. A
esses setores a Constituição interessa quando serve para defender monopólios
etc., mas para promover distribuição de renda, fazer justiça social, a
Constituição deixa de ser dirigente”, disse Streck.
Por
outro lado, o ataque não consciente à Constituição vem de uma cultura interna
dos operadores do Direito. “Há um movimento que desde o início da Constituição
procura minar o Direito por dentro. Isso não acontece de forma deliberada, mas
porque faz parte do modo de proceder do jurista médio brasileiro. Faz parte da
tradição jurídica brasileira, que nunca apostou num grau de autonomia que o
Direito pudesse ter, porque os setores dominantes sempre fizeram o Direito como
queriam”, afirmou o jurista.
Ativismo no
Supremo
Streck
criticou o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Disse que Luis Roberto
Barroso é o mais representativo exemplo de ativista judicial e que na decisão
que passou a permitir prisão antes do trânsito em julgado, o STF teve uma visão
política e moral. “Não é uma visão jurídica. O que nós vamos dizer para os
nossos alunos nas faculdades de Direito quando alguém perguntar qual o
significado de determinados termos? O Direito tem limites na interpretação”,
argumentou.
O
hábito de muitos ministros darem entrevista também foi alvo de críticas: “É
importante sempre lembrar o ministro Paulo Brossard, para quem o juiz fala nos
autos: quando o juiz fala fora dos autos, ele está tentando politizar ou
moralizar o Direito, pois se lhe interessasse só o Direito, os autos lhe
bastariam. No fundo, esse hábito fragiliza o Direito, por uma razão simples:
quando o cidadão vai ao Judiciário, ele não pergunta o que o juiz pensa sobre aquela
causa, ele pergunta o que o Direito diz. A gente só quer saber o que o juiz
pensa na estrutura do Direito; aquilo que o juiz pensa pessoalmente sobre a
causa não é do interesse de ninguém, só dele mesmo”.
Eugenia
cívica
As
medidas elaboradas pelo Ministério Público Federal chamadas pelos procuradores
de anticorrupção também foram criticas, principalmente a que previa teste de
integridade. Streck provocou: “Eu posso até concordar com a proposta de eugenia
cívica, como eu a chamo, de querer saber de antemão se você tem propensão a
delinquir, desde que ela seja aplicada para deputados, senadores, ministros do
Supremo, ministros do STJ, procuradores-gerais de Justiça, governadores,
prefeitos, presidentes da República. Ou isso seria só para a patuleia?”.
Legado da
“lava jato”
Questionado
sobre qual seria o legado da “lava jato”, Streck disse que não será bom. “Não
sou só eu que digo: nós estamos produzindo um déficit democrático em termos de
garantias processuais. Por exemplo, a própria decisão do Tribunal do Rio Grande
do Sul que, ao arquivar um procedimento administrativo contra o juiz Sérgio
Moro, disse que vivíamos numa espécie jurisprudência de exceção. Nenhuma
democracia convive com Estado de exceção”.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/272135/Para-jurista-constitui%C3%A7%C3%A3o-sofre-ataque-e-legado-da-Lava-Jato-ser%C3%A1-ruim.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário