A
doutrina constitucional trata do princípio da “proibição da insuficiência”,
cuja finalidade é auxiliar no acompanhamento da concretização dos direitos
sociais, quando se define, a partir da Constituição, um conteúdo mínimo de
direitos fundamentais, ao qual o legislador estaria vinculado e proibido de
suprimir sem uma compensação adequada (QUEIROZ, 2006, p. 105-110).
Destarte,
em tese, seria o caso de os poderes públicos assegurarem o respeito por um
núcleo essencial, um patamar de conteúdo mínimo, com ações e projetos
definidos, desde logo, no orçamento do governo. Tal patamar proibiria a
insuficiência de direitos fundamentais básicos, a fim de garantir a dignidade
humana. Suzana Tavares da Silva chega a se referir a uma “mochila da dignidade
humana”, a ser garantida a cada indivíduo pelos governantes (SILVA, 2010, p.
129).
Esse
patamar de conteúdo mínimo, visando garantir a qualidade de vida população,
deve ter por referência o artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos da ONU
de 1948, o qual assegura que todo ser humano e seus familiares têm direito a
uma qualidade de vida tal que lhes sejam assegurados saúde, alimentação,
habitação, vestuário e serviços de previdência social os quais garantam
proteção contra o desemprego, a viuvez e a velhice, dentre outras providências.
Acrescentaríamos,
ainda, a educação como um direito social básico a ser garantido pelos poderes
constituídos. Nesse sentido, como norma internacional complementar à declaração
de direitos humanos, a ONU editou a Resolução 2.200-A (XXI), em 16/12/1966, que
trata do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(Pidesc). Deveras, o referido pacto internacional, expressamente, consagra a
proteção contra a fome (artigo 11, parágrafo 2º) e a educação (artigo 13,
parágrafo 1º) como direitos fundamentais sociais a serem assegurados pelos
Estados signatários.
Eis
a ideia de garantir a todo ser humano uma “segurança básica”, consistente em um
mínimo existencial que lhe deve ser garantido, através da proteção da sua
integridade física e psíquica em todas as suas dimensões, mediante a oferta de
uma assistência social, permitindo que qualquer indivíduo possa viver a sua
vida de forma digna, autodeterminada e livre (GOSEPATH, 2013, p. 79-80).
De
fato, o mínimo existencial não trata apenas de garantir ao ser humano um
“mínimo vital”, mas um mínimo de qualidade vida, o qual lhe permita viver com
dignidade, tendo a oportunidade de exercer a sua liberdade no plano individual
(perante si mesmo) e social (perante a comunidade onde se encontra inserido).
O
mínimo existencial possui, assim, uma relação com a dignidade humana e com o
próprio Estado Democrático de Direito, no comprometimento que este deve ter
pela concretização da ideia de justiça social (Häberle, 2003, p. 356-362).
Todavia,
a defesa de um mínimo existencial, fundamentado em uma ideia de proibição de
insuficiência, não pode reduzir os direitos sociais a padrões mínimos de
existência, tendo por corolário a acomodação dos gestores públicos e decisores
políticos. E, nesse ponto, os membros do Ministério Público e demais agentes
públicos responsáveis pelo controle da administração pública precisam estar
bastante atentos.
Ora,
a proibição da insuficiência tem que ser interpretada como um conceito
dinâmico, como um verdadeiro ponto de partida, e não como um local de chegada.
A partir dela, a efetivação dos direitos fundamentais em sua perspectiva
social, não se entendendo que a efetivação de tais direitos termine com ela e
nem que tal postulado trate apenas de garantir um mínimo vital.
Logo,
a perspectiva social dos direitos fundamentais possui um horizonte de
realização progressiva, o qual aponta não para a ideia de mínimo de bem-estar
social, mas de máximo. Porém, trata-se de um máximo possível, à luz das
riquezas do país em questão e do comprometimento do governo/sociedade em
realizá-lo (CLÈVE, 2006, p. 239-252).
A
propósito, o Tribunal Constitucional alemão, ao tratar do tema, através do
acórdão BVerfGE 40, 121, em 18/6/1975, entendeu que o Estado, ao assegurar
pressupostos mínimos de existência condigna para os hipossuficientes, ao mesmo
tempo, também precisa inseri-los (ou reinseri-los) gradativamente na sociedade,
além de criar a estrutura administrativa necessária para lhes dar a devida
assistência.
Por
conseguinte, o cânone do mínimo existencial não tem, em sua matriz, uma
proposta estática ou de acomodação, havendo de ser interpretado como um marco
inicial, tendo por meta o estabelecimento de políticas públicas no sentido de,
progressivamente, tornar cada vez mais digna e feliz a vida daqueles que vivem
em um Estado de Direito que se propõe a ser Democrático e Social.
Referências
CLÈVE,
Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de
Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, 54/28, p. 239-252, jan./mar.
2006.
GOSEPATH,
Stefan. Uma pretensão de direito humano à proteção fundamental. Tradução de
Cláudia Toledo e Bráulio Borges Barreiros. In: TOLEDO, Cláudia (Org.). Direitos
Sociais em debate. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
Häberle,
Peter. El Estado Constitucional. Tradução de Héctor Fix-Fierro. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2003.
QUEIROZ,
Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais:
princípios dogmáticos e prática jurisprudencial. Coimbra: Coimbra Editora,
2006.
SILVA,
Suzana Tavares da. Revisitando a garantia da tutela jurisdicional efectiva dos
administrados. Revista de Direito Público e Regulação. Coimbra, Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, n. 5, p. 129, mar-2010.
Salomão
Ismail Filho é promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. MBA em
Gestão do Ministério Público pela UPE. Especialista e mestre em Direito pela
UFPE. Doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa e membro do Movimento
Ministério Público Democrático.
http://www.conjur.com.br/2016-dez-05/mp-debate-minimo-existencial-conceito-dinamico-prol-dignidade-humana
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