Este
texto foi publicado originalmente no blog do jurista Bruno Azevedo.
A
peça “As Vespas” (Σφῆκες Sphēkes), de Aristófanes, foi escrita em 422 BC.
Qualquer
semelhança com personagens atuais será mera coincidencia. :)
***
A
comédia começa com um diálogo entre Sósias e Xantias, escravos de Filoclêon.
Incumbidos de guardar o velho, não deixando com que ele vá para o Tribunal, os
dois personagens explicam aos espectadores a doença que ataca Filoclêon.
Diz
Xantias:
“Se
vocês estão curiosos por saber, façam silêncio: vou dizer qual é mesmo a doença
do meu senhor: é a paixão pelos tribunais. A paixão dele é julgar; ele fica
desesperado se não consegue ocupar o primeiro banco dos juízes. À noite ele não
goza um instante de sono. Se por acaso fecha os olhos, o próprio espírito fica
olhando para a clepsidra. A paixão dele pelo voto no tribunal é tão grande que
faz ele acordar apertando três de seus dedos, como se oferecesse incenso aos
deuses, em dia de lua nova. (…) Logo depois do jantar ele pedia as sandálias,
corria para o tribunal em plena noite e adormecia lá, colado a uma coluna como
uma ostra à concha. (…) Com receio de não ter a pedrinha para o voto, ele tinha
no jardim de sua casa um canteiro de pedrinhas, que renovava sem parar. Este
era a sua loucura”[2]
O
texto traz um personagem de comportamento patológico. Sua obsessão com o
tribunal, com o poder de julgar, sugere algo não revelado. Sutilmente,
Aristófanes nos questiona acerca dos motivos determinantes que levam o julgador
à corte. Na visão do teatrólogo grego, certamente não é o amor à justiça… Mais
à frente, Filoclêon exige que possa sair:
“Que
é que vocês estão querendo fazer? Vocês não vão mesmo me deixar julgar?
Dracontidas vai ser absolvido!”[3]
Fica
claro que, mesmo sem ouvir as partes, Filoclêon já pensara em condenar o réu.
Filoclêon tinha ganas de condenar, sempre.
(…)
Aristófanes
nos indica que seu personagem julgador nada julgava. Ele apenas condenava. E as
condenações indicam certo prazer, sem o qual Filoclêon não poderia viver.
Discutindo com o filho, que queria prendê-lo em casa, mais uma vez Filoclêon
manifesta seus desvios patológicos:
“Sou
mesmo um infeliz! Se eu pudesse matar você! … Mas, com quê? Depressa! Uma
espada ou uma sentença condenatória!”[5]
O
conceito que Filoclêon fazia da justiça é diverso do externado pelos filósofos
clássicos, exceto pelos cínicos, embora a visão do personagem de Aristófanes
seja ainda mais pessimista. Se para um pensamento mais rebelde a justiça
poderia ser a lei do mais forte, para Filoclêon a justiça era palco para seu
prazer ou para suas arengas pessoais. Quanto a esse último aspecto, Filoclêon
desafia seu filho: “Se vocês ao me deixarem em paz, vamos brigar na
justiça.”[6]
(…)
Filoclêon
insiste, ainda com mais veemência:
“Que
criatura é mais feliz, mais afortunada do que um juiz? Que vida é mais gostosa
do que a dele? Que animal é mais temível, principalmente na velhice?”[23]
Filoclêon
está seguro do sua missão . Diz:
“E
este salário me serve de proteção contra todos os males, e de armadura contra
todos os projéteis; (…) Isto não é uma verdadeira soberania, igual à de Zeus?
Falam de nós como do próprio Zeus. Se fazemos barulho em nosso tribunal, todos
os parentes gritam: ‘Ah! Zeus! Que tempestade desaba sobre o tribunal!’”[24]
(…)
Finalmente,
filho e pai chegam a um acordo. Bdeliclêon deixará o pai em casa, julgando os
escravos. Diz:
“Está
bem! Está bem! Se você gosta tanto de ser juiz, não é necessário sair de casa para
isto; fique aqui e julgue seus escravos.” [26]
Filoclêon
julgará um cachorro acusado de roubar pedaço de queijo. O cachorro foi
absolvido… É que Filoclêon estava indisposto, nem ele mesmo acreditava na
absolvição, dizendo: “Me diga: ele foi mesmo absolvido?”[30]
Ele
não aceitou o que fez. Perguntava:
“Como
vou suportar a ideia de ter absolvido um acusado? Que será de mim? Deuses
veneráveis! Me perdoem! Fiz isso tudo sem querer; este não é o meu hábito”.[31]
***
(O resumo
acima é de BRUNO AZEVEDO, Juiz de Direito, Professor de Direito – UEPB.
Especialista, Mestre em Direito Constitucional. Doutor em Direito da Cidade na
UERJ.)
Por :
Diario do Centro do Mundo
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/sua-paixao-era-condenar-sempre-a-incrivel-semelhanca-entre-moro-e-um-personagem-de-uma-tragedia-grega-por-bruno-azevedo/
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