A
exposição excessiva do Judiciário é prejudicial, pois se antes a sociedade não
sabia praticamente nada sobre a capacidade dos seus integrantes, agora ela tem
certeza de seus defeitos. A opinião é do professor, diplomata, ex-ministro da
Fazenda e do Meio Ambiente do governo Itamar Franco (1992-1994), Rubens
Ricupero. "É como a nudez. À nudez, pouca gente resiste", sentencia.
Em
entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Ricupero criticou duramente
o Supremo Tribunal Federal. Os membros da corte, diz ele, se expõem demais, o
que acaba diminuindo-os frente à população. “A imensa maioria é formada de
pessoas que se pavoneiam com uma vaidade absurda e não são capazes de manter um
comportamento como um magistrado deveria ter, de discrição.”
E
os juristas do país, segundo o professor, pararam no tempo, tornando-se “figuras intelectualmente anacrônicas”, que
prejudicaram o Direito brasileiro, tornando-o obsoleto. “Enquanto o Direito
anglo-saxônico olha o resultado, a efetividade, o nosso é muito formalista,
envelhecido, sem ideias.”
E
a influência do Direito anglo-saxônico fica visível na operação "lava
jato", que investiga corrupção envolvendo a Petrobras e partidos
políticos. Para Ricupero, a investigação "só se viabilizou porque os
homens que a conduzem conhecem o Direito americano. E muitos estudaram lá. Por
exemplo, a delação premiada que, finalmente, foi incorporada ao direito
brasileiro, é uma instituição que existe há décadas nos Estados Unidos”.
Mesmo
elogiando a inovação trazida pelos envolvidos na "lava jato", Rubens
Ricupero não se furta de apontar problemas no caso que deu fama ao juiz Sergio
Moro. O uso seguido de prisões preventivas, apontadas por advogados como uma
forma de forçar delações premiadas, diz ele, contamina a operação.
Leia a entrevista:
ConJur
— Desde a Ação Penal 470, o processo do mensalão, e agora com a operação
"lava jato", o Judiciário tem ocupado lugar de destaque no noticiário
e nas rodas de conversa. Essa exposição é boa ou ruim?
Rubens
Ricupero — Acho que é muito negativa, porque a exposição excessiva revela
muito. É como a nudez. À nudez, pouca gente resiste. Porque, no fundo, a roupa
foi uma invenção que, além de todos os outros benefícios, tem um benefício
estético muito grande. Só pessoas que têm um corpo perfeito aguentam serem
expostas a nu. A mesma reflexão se aplica ao caráter, à personalidade das
pessoas. Pessoas que se expõem, como esses ministros — falando, gesticulando,
mostrando egos superdimensionados—, na verdade, se diminuem aos olhos da
população. O Supremo Tribunal Federal pode ser que não tenha sido melhor no
passado, mas as pessoas não sabiam. Hoje em dia elas sabem.
O
que tem por aí, em geral, é triste. A imensa maioria é formada de pessoas que
se pavoneiam com uma vaidade absurda e não são capazes de manter um
comportamento como um magistrado deveria ter, de discrição. O contraste com a
Suprema Corte americana é chocante. Não garanto que os juízes da Suprema Corte
americana sejam melhores do que os nossos, mas ninguém sabe. Porque eles se
portam publicamente com muita discrição. É raríssimo alguém dar uma opinião.
Recentemente, uma juíza da suprema corte fez uma declaração sobre o Trump, que
era correta, mas ela logo depois pediu desculpas, dizendo que não era apropriado,
que ela não deveria ter falado aquilo. Aqui eles falam sobre tudo, inclusive,
questões que estão sendo julgadas. O Judiciário brasileiro, hoje, — incluindo
aí os procuradores e promotores públicos — tem uma imagem melhor, sobretudo a
nova geração. É o caso do juiz Moro, dos procuradores em Curitiba. Não só por
causa da “lava jato”. São pessoas mais atualizadas.
O
problema dos juristas brasileiros é que eles são, quase todos, figuras
intelectualmente anacrônicas. O Direito brasileiro é um Direito muito
envelhecido. E eu sou bacharel em Direito, e por isso posso falar disso. E meus
dois irmãos eram magistrados, se aposentaram como desembargadores do Tribunal
de Justiça de São Paulo. O Direito brasileiro sempre foi de segunda mão. Sempre
inspirado pela Itália, pela Alemanha, pela França. No passado ainda havia,
aqui, juristas que se equiparavam, de certa forma, aos grandes juristas
mundiais. Hoje, não há mais. O que impera é uma certa mediania.
E
é um Direito que não acompanhou a evolução do tempo. Por isso é que, no caso do
Direito Empresarial, nós temos coisas absurdas. Mesmo a reforma da Lei de
Falência e os esforços que se fizeram são muito insuficientes. O número de
recursos... Os casos não terminam. Nos Estados Unidos, quando houve a mega falência
da Enron, aquela grande companhia de energia, em um ano, a falência estava
liquidada. Era uma falência gigantesca.
ConJur
— Algumas levam décadas, não?
Rubens
Ricupero — Levam. Enquanto que o Direito anglo-saxônico olha o resultado, a
efetividade; o nosso é muito formalista, envelhecido, sem ideias. Tanto assim
que a operação “lava jato” só se viabilizou porque os homens que a conduzem
conhecem o Direito americano. E muitos estudaram lá. Por exemplo, a delação
premiada que, finalmente, foi incorporada ao direito brasileiro, é uma
instituição que existe há décadas nos Estados Unidos.
É
a chamada plea bargaining, a negociação da sentença. Nos Estados Unidos, em
Direito Penal, a maioria dos casos nunca vai a julgamento. Eles são negociados.
Porque eles estão mais interessados na rapidez e na efetividade, do que na
suposta perfeição da Justiça. O que está funcionando é por causa dessa gente
que está em contato com os procuradores americanos e da Suíça. O resto, o que
depende desse pessoal mais velho, se arrasta.
ConJur
— A “lava jato” é muito criticada pela dobradinha “prisão preventiva-delação
premiada”. Os advogados de defesa, e outros tantos juristas, dizem que as
prisões decretadas pelo juiz Moro são um incentivador para as delações. O
senhor concorda com isso?
Rubens
Ricupero — A meu ver há um elemento de verdade nessa acusação. Eu não me sinto
satisfeito nem com o excesso de prisões preventivas que se prolongam por meses
e meses; nem, justamente, por essa prisão psicológica que se faz para a
delação. Eu tenho a impressão de que essas coisas, de fato, contaminam a “lava
jato”.
ConJur
— Assim como o senhor falou do Supremo, os procuradores da “lava jato” também
têm aparecido muito, por exemplo, encampando as 10 medidas do MPF. Essa
exposição excessiva do Ministério Público também não é prejudicial?
Rubens
Ricupero — Em tese, eu distingo as duas coisas. Eu acho que mesmo em um regime
com instituições muito melhores do que as brasileiras, a Suprema Corte e os
juízes, de uma maneira geral, têm que ser discretos. Não sou favorável à
transmissão ao vivo de julgamento — salvo exceções muito excepcionais. Eu creio
que é um princípio basilar da magistratura que o juiz se mantenha com uma certa
circunspecção. Então, não comparo uma coisa com a outra.
No
segundo caso, eu diria a você que, se nós tivéssemos instituições melhores,
seria estranho que houvesse campanha pública de procuradores. Infelizmente, nas
circunstâncias brasileiras, é inevitável. Porque é óbvio que a mudança das leis
penais e leis processuais penais não virá do Congresso. Porque há tanta gente
no Congresso que está ameaçada, inclusive, no caso da operação [“lava jato”]...
O que nós temos visto no Brasil é uma tendência sempre a aguar a legislação
penal.
O
Brasil é um país que tem uma legislação penal e de cumprimento de pena
extremamente indulgente. É um país que tem uma violência enorme. Níveis de
violência fantásticos. E vai ter uma legislação penal, de processo penal como
se fosse a Dinamarca. É completamente contraditório. Então, a meu ver, eu penso
que eles têm razão de fazer essa campanha porque é uma maneira, talvez, de
esclarecer a opinião pública e criar uma pressão para uma reforma das leis
penais. Não que eu pense que apenas a dureza das leis penais resolva. Não. Eu
acho que as leis penais e de processo penal têm que ser justas. Elas têm que
ser, sem dúvida nenhuma, sentidas. Mas, têm que ser cumpridas. Eu acho um
absurdo, por exemplo, essas saídas periódicas que todo mundo já viu e uma boa
porcentagem não volta.
É
óbvio que não se deve ir nem a um extremo nem a outro. Eu não sou favorável,
por exemplo, à legislação penal de alguns estados americanos, que são absurdas,
nas quais a pessoa que comete uma terceira violação, mesmo que seja apenas a
posse de um cigarro de maconha, pode ser condenada à prisão perpétua. E lá é
perpétua mesmo, a pessoa morre na prisão. Acho isso um absurdo. É um atentado.
Tem
que se encontrar um ponto de equilíbrio. Mas, o ponto de equilíbrio, às vezes,
tem que ser duro. Eu vou lhe dar o exemplo da Itália. A Itália é um país que
tem um direito penal brilhante. A maior parte dos penalistas brasileiros até se
formaram estudando os livros de penalistas italianos. No entanto, a Itália tem
uma espécie de pena que é prisão perpétua de verdade. Os líderes da Cosa Nostra
não saem nunca. Morrem na prisão. Por quê? Porque eles compreendem que em
alguns casos não há recuperação possível. Para um grande líder da Cosa Nostra
que vive daquele poder, daquela riqueza, a prisão tem que ser definitiva.
Porque
ele solto causa ainda muito mais danos. O Brasil não tem essa possibilidade,
fica jogando com teorias que já não são aplicadas nem onde elas nasceram.
Porque foi na Itália que começou o movimento de humanização do Direito Penal,
com o marquês de Beccaria. Mas o Brasil é o país que fica preso a conceitos de
cem anos atrás.
ConJur
— O senhor é a favor da prisão depois de condenação em segunda instância?
Rubens
Ricupero — Em muitos casos, sim. Não em todos os casos porque o Brasil tem uma
qualidade de Justiça muito diferente conforme os estados. E há estados por aí
em que não se pode colocar a mão no fogo pela qualidade da segunda instância.
Então, haveria esse risco. Mas creio que os tribunais têm competência para
julgar caso por caso, como aquele episódio que houve aqui, da construção do
fórum [Trabalhista de São Paulo]. Um dos empresários desse caso da construção
do Fórum, que foi condenado a mais de 30 anos, já tinha acionado 33 recursos
para não cumprir a pena. Isso, obviamente, é demais, em qualquer lugar. E aí
cai mesmo naquela questão: o sujeito que tem dinheiro, que tem bons advogados,
não vai preso nunca.
ConJur
— O Supremo tem invadido competência do Legislativo?
Rubens
Ricupero — O Supremo tem ido muito longe. Nós deveríamos ter, a meu ver, quando
houvesse uma grande reforma, um sistema diferente, uma corte apenas
constitucional. Como há na Itália, na França e em outros lugares. E uma Suprema
Corte para a maioria dos outros processos. E a corte constitucional deveria ter
diretrizes que limitassem essa capacidade de legislar em lugar do legislador.
Isso tem acontecido no Brasil porque cria-se um vácuo. Aquela famosa regra: o
poder odeia o vácuo. Quando há um vácuo, alguém ocupa. No caso, tem sido a
corte, porque os legisladores não são capazes de votar, às vezes, em coisas
relativas a eles.
ConJur
— O Supremo acertou ao proibir as doações para empresas para candidatos?
Rubens
Ricupero — Sou favorável à proibição das doações das empresas. Mas acho que não
basta, porque é preciso impor limites grandes ao quanto se pode gastar. É
preciso adotar normas impedindo que as eleições se transformem em programas,
como se fossem filmes, e sejam mais de debates de ideias. Eu creio que mesmo as
doações individuais deveriam ser policiadas e observadas de perto. Porque pode
acontecer, por exemplo, que uma empresa seja proibida de doar, mas que os
políticos façam pressão sobre os diretores das empresas para fazerem doações a
título de individual. E aí isso burlaria a lei. É preciso verificar isso com
muito cuidado, porque a violação das leis de financiamento de campanha existe
em todos os países. Até na Inglaterra, que tem leis muito mais aperfeiçoadas e
onde se gasta muito menos do que aqui. É preciso ter um cuidado muito grande
para que essas coisas não escapem ao controle.
ConJur
— Qual é o modelo de voto que mais lhe agrada?
Rubens
Ricupero — Distrital misto. Creio que deve haver um caráter de distrito, com
algumas correções. Como é que você vai se candidatar em um estado inteiro como
São Paulo, com mais de quinhentos municípios. O dinheiro que isso exige.
ConJur
— O senhor é a favor de adiantar as eleições para presidente?
Rubens
Ricupero — Não. Eu sou a favor do parlamentarismo. Sempre fui. Eu fui um dos
votos minoritários em janeiro de 1963. Sempre fui favorável ao regime
parlamentar. Sou contra o regime presidencial. Acho que se nós tivéssemos um
regime parlamentar — é claro, não com 35 partidos, mas com um número menor —,
episódios como o do impeachment não existiriam.
Porque o governo cairia. O gabinete cai e forma um novo gabinete. Como a
Angela Merkel disse quando veio o Brasil, né. No regime parlamentar, a mudança
do governo não é uma crise, mas uma solução da crise.
ConJur
— E por que no presidencialismo essa mudança é tão traumática, enquanto no
parlamentarismo é mais aceita?
Rubens
Ricupero — É que o presidencialismo é muito rígido. É um sistema em que,
praticamente, durante o mandato que se conferiu à pessoa eleita, não há como
interferir se ele não se provar à altura da confiança depositada. A
racionalidade deveria aconselhar a que se mudasse o governo quando este se
mostra incapaz de encaminhar soluções dos problemas.
No
presidencialismo se espera uma data. No caso brasileiro, daí o impasse, o
dilema em que nós estávamos. Ela não deveria ter sido reeleita. Já a reeleição
foi um engano, foi um engano obtido graças ao uso maciço de recursos econômicos
e ao poder do governo. A atitude do partido, no poder, de não aceitar a
transição, de não aceitar a alternância no poder. A verdade é que o PT tem uma
tendência que não é democrática. A tendência do PT é muito avessa à alternância
do poder. O PT tentou se manter no poder a qualquer custo. Não sou eu que estou
dizendo. Eles disseram. Ela [Dilma Rousseff] mesmo declarou que iria fazer o
diabo. O Lula disse: “agora vocês vão ver do que nós somos capazes”. Eles são capazes de tudo e foi o que se viu.
Conseguiram
a reeleição, embora por pouca diferença. Esse é que foi o erro. O erro de onde
nasce essa crise é a reeleição de uma pessoa que era manifestamente inepta. Que
tinha provado isso há quatro anos. Por exemplo, os argentinos, que nós
costumamos criticar, não cometeram esse erro. É verdade que lá não poderia mais
reeleger. Mas não reelegeram a pessoa que representaria a continuação do
governo da Cristina Kirchner. Aqui se elegeu a continuação de um sistema que já
estava mergulhado numa profunda crise a partir de 2013. Outra instituição
contra a qual eu me pronuncio é a reeleição. Foi um grande erro do Fernando
Henrique ter patrocinado essa emenda da reeleição.
Por
Brenno Grillo
http://www.conjur.com.br/2016-nov-13/entrevista-rubens-ricupero-diplomata-ex-ministro-fazenda
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