Vivi
minha juventude sob a égide de uma ditadura militar no Brasil que perseguiu,
torturou e tolheu a liberdade de todos aqueles que arriscavam sonhar com um
mundo melhor. No plano internacional, pairava sobre nossas cabeças a chamada
“guerra fria” com uma corrida armamentista tão acentuada, principalmente no que
tange às armas atômicas, que, se viesse um dia a se concretizar, iria
determinar o fim do planeta Terra.
Estas
circunstâncias foram determinantes para os membros de minha geração, fazendo
com que passássemos a viver cada dia como se fosse o último e ultrapassássemos
todos os limites que tentavam nos impor. Afinal, se o nosso amanhã era uma
grande incerteza, por que não arriscar?
Resolvi
então que não iria abrir mão de meus sonhos por mais malucos que pudessem
parecer à época. E o primeiro deles foi o de ser músico, sempre embalado pelas
canções dos Beatles, Rolling Stones, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e tantos
outros. Para apreensão de meus familiares, peguei a estrada ainda adolescente e
com apenas um violão nas costas e duas mudas de roupa na mochila fui à luta.
Adepto fervoroso do movimento hippie, sonhando em realizar a utopia de um mundo
de paz e amor, toquei em praças, viajei de carona, pendurado em trens de carga,
comecei a tocar em grupos musicais, atuei em casas noturnas e quando me dei
conta, já haviam se passado trinta e três anos, tempo durante o qual eu
constitui uma família que acabou servindo como o meu porto seguro para todas as
minhas idas e vindas.
Dizem
os astrólogos que quem nasce sob o signo de Libra, tem uma tendência para o
amor, as artes e a justiça. Bem, o amor eu encontrei, a arte foi minha
profissão durante muito tempo. Faltava apenas a justiça. Assim, quando comecei
a criar raízes na cidade de Santa Maria, RS e pensei em voltar a estudar,
resolvi fazer vestibular para direito. Tendo passado na UFSM logo na primeira
tentativa, acabei me apaixonando também por esta profissão e, tão logo me
formei, passei a exercê-la paralelamente com a minha atividade de músico. Isso
apenas até o dia em que tive que optar por uma delas, já que ambas são amantes
exigentes que demandam dedicação exclusiva. Até mesmo pela questão da idade, já
que eu já não tinha a mesma resistência física para continuar atuando durante
cinco horas por noite nos bailes, acabei escolhendo seguir apenas com a
profissão de advogado, e isso já está durando vinte e sete anos.
Hoje
estou atingindo a idade de sessenta e cinco anos e evidentemente, ela já não me permite mais sonhar sonhos a longo prazo. Diminuíram para mim as
esperanças de realizar as utopias de minha juventude, já que pelo andar da
carruagem, eu não viverei para vê-las concretizadas. Atualmente eu me contento
em traçar objetivos que eu possa realizar logo ali adiante.
De qualquer maneira, eu ainda posso, nestes anos que me
restam, ir colocando tijolos na construção dos sonhos que as novas gerações
poderão vir a ter a respeito de um futuro mais luminoso. E é justamente isso
que me dá alento para escrever e disseminar minhas ideias sem precisar prestar
contas a quem quer que seja. Como não pertenço a partidos e não faço parte de
nenhum clube fechado que imponha limites às minhas palavras, sou totalmente
livre para falar sobre qualquer pessoa ou circunstância sem necessidade de
dourar a pílula. Uma espécie de franco-atirador das palavras, eu diria. Como
nunca tive e continuo não tendo sonhos de riqueza ou de consumo, sou pessoa
impossível de ser manipulada através de promessas de benesses ou de perdas
futuras.
Pois
é. Para uma pessoa que pela intensidade com que viveu a vida, achava que não
iria passar dos trinta anos, já estou no lucro. De qualquer forma, meu espírito
continua indomável e com coragem bastante para continuar brigando contra o
capitalismo e o consumismo que infelizmente hoje é o grande inimigo do planeta
e que se não for parado a tempo, irá acabar destruindo-o.
Na
verdade, acredito ainda que os sonhos não acabaram e a minha luta continua,
hoje não mais com canções e ações, mas sim, com a arma mais poderosa que
conheço: a palavra.
Jorge
André Irion Jobim
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