segunda-feira, 10 de outubro de 2016

OS SONHOS NÃO ACABARAM

Vivi minha juventude sob a égide de uma ditadura militar no Brasil que perseguiu, torturou e tolheu a liberdade de todos aqueles que arriscavam sonhar com um mundo melhor. No plano internacional, pairava sobre nossas cabeças a chamada “guerra fria” com uma corrida armamentista tão acentuada, principalmente no que tange às armas atômicas, que, se viesse um dia a se concretizar, iria determinar o fim do planeta Terra.

Estas circunstâncias foram determinantes para os membros de minha geração, fazendo com que passássemos a viver cada dia como se fosse o último e ultrapassássemos todos os limites que tentavam nos impor. Afinal, se o nosso amanhã era uma grande incerteza, por que não arriscar?

Resolvi então que não iria abrir mão de meus sonhos por mais malucos que pudessem parecer à época. E o primeiro deles foi o de ser músico, sempre embalado pelas canções dos Beatles, Rolling Stones, Janis Joplin, Jimmy Hendrix e tantos outros. Para apreensão de meus familiares, peguei a estrada ainda adolescente e com apenas um violão nas costas e duas mudas de roupa na mochila fui à luta. Adepto fervoroso do movimento hippie, sonhando em realizar a utopia de um mundo de paz e amor, toquei em praças, viajei de carona, pendurado em trens de carga, comecei a tocar em grupos musicais, atuei em casas noturnas e quando me dei conta, já haviam se passado trinta e três anos, tempo durante o qual eu constitui uma família que acabou servindo como o meu porto seguro para todas as minhas idas e vindas.

Dizem os astrólogos que quem nasce sob o signo de Libra, tem uma tendência para o amor, as artes e a justiça. Bem, o amor eu encontrei, a arte foi minha profissão durante muito tempo. Faltava apenas a justiça. Assim, quando comecei a criar raízes na cidade de Santa Maria, RS e pensei em voltar a estudar, resolvi fazer vestibular para direito. Tendo passado na UFSM logo na primeira tentativa, acabei me apaixonando também por esta profissão e, tão logo me formei, passei a exercê-la paralelamente com a minha atividade de músico. Isso apenas até o dia em que tive que optar por uma delas, já que ambas são amantes exigentes que demandam dedicação exclusiva. Até mesmo pela questão da idade, já que eu já não tinha a mesma resistência física para continuar atuando durante cinco horas por noite nos bailes, acabei escolhendo seguir apenas com a profissão de advogado, e isso já está durando vinte e sete anos.

Hoje estou atingindo a idade de sessenta e cinco anos e evidentemente, ela já não me permite mais sonhar sonhos a longo prazo. Diminuíram para mim as esperanças de realizar as utopias de minha juventude, já que pelo andar da carruagem, eu não viverei para vê-las concretizadas. Atualmente eu me contento em traçar objetivos que eu possa realizar logo ali adiante.

De qualquer maneira, eu ainda posso, nestes anos que me restam, ir colocando tijolos na construção dos sonhos que as novas gerações poderão vir a ter a respeito de um futuro mais luminoso. E é justamente isso que me dá alento para escrever e disseminar minhas ideias sem precisar prestar contas a quem quer que seja. Como não pertenço a partidos e não faço parte de nenhum clube fechado que imponha limites às minhas palavras, sou totalmente livre para falar sobre qualquer pessoa ou circunstância sem necessidade de dourar a pílula. Uma espécie de franco-atirador das palavras, eu diria. Como nunca tive e continuo não tendo sonhos de riqueza ou de consumo, sou pessoa impossível de ser manipulada através de promessas de benesses ou de perdas futuras.

Pois é. Para uma pessoa que pela intensidade com que viveu a vida, achava que não iria passar dos trinta anos, já estou no lucro. De qualquer forma, meu espírito continua indomável e com coragem bastante para continuar brigando contra o capitalismo e o consumismo que infelizmente hoje é o grande inimigo do planeta e que se não for parado a tempo, irá acabar destruindo-o.

Na verdade, acredito ainda que os sonhos não acabaram e a minha luta continua, hoje não mais com canções e ações, mas sim, com a arma mais poderosa que conheço: a palavra.

Jorge André Irion Jobim



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