A
leitura do texto abaixo é altamente aconselhável aos magistrados da república
de Curitiba, e outros mais
Considerando
que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos
bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo
em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade, foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum,
Considerando
essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para
que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania
e a opressão.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 17 de dezembro de
1948)
Em
2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos vai completar 70 anos. A
quase septuagenária insiste em sobreviver em um mundo estilhaçado pela
reemergência das mesmas forças que levaram as sociedades às desgraças dos anos
20 e 30 do século passado. Os mais velhos sabem que aqueles tempos
testemunharam o massacre humano generalizado e a tragédia do Holocausto.
A
trágica experiência do inumano não deixou outro caminho aos sobreviventes senão
o da reafirmação e atualização da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
promulgada em 1789. Os princípios exarados nas declarações estão em franco
declínio, a despeito da retórica democrática, como bem observou o filósofo
Luciano Cânfora.
Selecionei
para uma exposição livre os artigos XI, XII, XIX, XXV, XXVI da Declaração de
1948. Lá vai: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser
presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a
lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa.
Ninguém
poderá ser inculpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não
constituiam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta
pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato
delituoso.
É
considerada intolerável a interferências na sua vida privada, na sua família,
no seu lar ou na sua correspondência, (e atenção!) nem a ataques à sua honra e
reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências
ou ataques.
O
cidadão (note o leitor, o cidadão) tem direito à liberdade de opinião e de
expressão; este direito inclui a liberdade de ter, sem interferência, opiniões
e de procurar, receber e transmitir informações por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras.
Todos
têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência fora de seu controle.
A
maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistências especiais. Todas
as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção
social. A instrução é um direito e de todos e ela será gratuita pelo menos nos
graus elementares e fundamentais”.
Hillary
Clinton e Donald Trump
'Toda pessoa terá direito a uma ordem
social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na
presente Declaraçāo possam ser plenamente realizados.' (Paul J. Richards/AFP)
Termino
com o artigo XVII, especialmente dedicado a Hillary Clinton e Donald Trump:
“Toda a pessoa terá direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser
plenamente realizados.”
Transcorridos
quase 70 anos da promulgação desse cardápio de boas intenções, a sociedade de
massas contemporânea ressuscita o menosprezo às formalidades da lei. Exige uma
solução mais rápida e drástica para a realização da Justiça, ainda que à custa
de tropelias ilegais.
Vou
me valer de um texto de Paul Veyne sobre Michel Foucault, um dos estudiosos das
formas históricas assumidas pelas instituições encarregadas de vigiar e punir.
As metamorfoses do direito penal ao longo da história, diz Michel Foucault,
revelam que não é suficiente dizer que sob o Antigo Regime as punições atrozes refletiam
a “rudeza dos costumes”.
Nos
suplícios terríveis dessa época, a soberania real se abatia com toda a sua força sobre o
indivíduo rebelde. As cerimônias cruéis tinham o propósito de mostrar a todos a
desproporção de forças entre o rebelde e o rei.
Agora,
as cerimônias cruéis são exibidas no palco das promiscuidades entre as
autoridades e a mídia. As garantias da publicidade do procedimento legal são,
na verdade, uma defesa do cidadão acusado – e ainda inocente – contra os
arcanos do poder.
Essas
conquistas da humanidade são pisoteadas por quem deveria defendê-las. O Estado
se transforma num aparato administrativo desgovernado e despótico, numa
caricatura de si mesmo, num butim a ser dilapidado por ocupantes eventuais.
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