Simplesmente
assustador
Hoje,
qualquer opinião que se emita sobre a operação Lava Jato – seja a favor seja
contra, seja de crítica seja de apoio –, será sempre entendida e julgada pelo
viés ideológico. Não adianta negar – o país ficou dividido entre os que aprovam
e os que reprovam essa operação, na mesma medida que se dividiu entre os que
apoiavam e os que reprovavam o governo petista.
Mas,
sejam lá quais forem as ideologias e as preferências políticas de cada um,
algumas coisas na operação Lava Jato são muito polêmicas, tanto do ponto de
vista político quanto jurídico – e algumas constituem verdadeiros absurdos.
Se
não, vejamos.
É
polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que as delações premiadas no
âmbito da Lava Jato sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão. A
essência desse instituto, e o que o faz tolerável, é a espontaneidade do
delator. Quando a delação é obtida mediante tortura física e psicológica – e
decerto que a prisão e a ameaça de prisão constituem suplício físico e
psicológico – ela deixa de ser espontânea e se transforma numa prova ilícita –
expressamente vedada pela Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, outro absurdo – que os advogados dos réus na Lava Jato
só tenham acesso ao conteúdo das delações feitas contra seus clientes na
véspera das audiências, dificultando-lhes a articulação e o exercício do
direito de defesa; e isso quando a Lei Maior assegura exatamente o contrário,
isto é, assegura a todos os réus o direito ao contraditório, a publicidade dos
atos processuais, e a ampla defesa – tal como exige o “devido processo legal”
consagrado na Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, autêntico absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha
mandado conduzir coercitivamente um ex-presidente da república até uma
repartição policial, sem intimar previamente o conduzido para que ele
comparecesse perante a autoridade de polícia. Essa condução constrangedora só
tem lugar quando o conduzido teima em não atender à intimação da autoridade –
do contrário, como no caso do ex-presidente, é uma medida que ofende o direito
de ir e vir consagrado na Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, mais um absurdo – que esse mesmo juiz tenha determinado
a interceptação ilegal de uma conversa telefônica entre uma presidenta e um
ex-presidente da república, e, depois, tenha revelado através da mídia o
conteúdo dessa conversa, com o claro propósito de influenciar no delicado jogo
político por que passava o país às vésperas de um processo de impeachment –
essa divulgação é crime e ofende o sigilo das comunicações telefônicas
consagrado na Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, um rematado absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha
mandado “grampear” o telefone dos advogados de réus, e do defensor de um
ex-presidente da república, malferindo assim a inviolabilidade dos escritórios
de advocacia, o direito de defesa, o direito de ampla defesa, o direito ao
livre exercício da profissão de advogado e o princípio da lealdade processual –
tudo isso configura afronta à lei e aos ditames da Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, outro absurdo – que esse juiz tenha cometido essas
arbitrariedades todas, tenha reconhecido publicamente que as cometeu, e, em
seguida tenha sido “perdoado” pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo depois de o
ministro relator do processo da Lava Jato no STF ter afirmado, nos autos e por
escrito, que a atitude do juiz “comprometia um direito fundamental” de dois
ex-presidentes da república – aliás, um direito fundamental consagrado na
Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, um flagrante absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha
mandado prender um ex-ministro de estado do governo petista, e, menos de cinco
horas depois, porque descobriu que a mulher do ex-ministro estava sendo
internada com câncer, tenha revogado essa prisão por considerá-la desnecessária
– isso viola o direito constitucional de liberdade, a dignidade humana, e a
presunção de inocência consagrados na Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, absurdo também – que o juiz da Lava Jato tenha feito
aliança com a mídia empresarial para exercer melhor suas funções de magistrado,
e, por força dessa aliança fizesse “vazar” informações ao mais poderoso grupo
de mídia do país, com o insofismável propósito de predispor a opinião pública
contra os réus que ele (juiz) mandava prender – isso viola o sigilo das
delações, o direito à privacidade e o princípio da presunção de inocência
inscritos na Constituição Federal.
É
polêmico – e, para mim, outro injustificável absurdo – que um juiz de direito,
no exercício de suas funções públicas, faça alianças com a mídia privada. E,
além disso, aceite premiação concedida publicamente por essa mídia, mesmo
sabendo que ela é adversária dos réus da Lava Jato, que ela não se cansa de
manipular informações, e que no passado até já apoiou ditadura militar – isso
fere mortalmente o princípio republicano e a independência do Judiciário
consagrada na Constituição Federal.
Porém,
o mais polêmico (e absurdo) é ver agora um Tribunal Regional Federal (4ª Região
Sul) render-se ao óbvio e reconhecer que as práticas do juiz da Lava Jato são
realmente ilegais, pois “escapam ao regramento” do direito. Mas, segundo esse
mesmo tribunal, apesar de ilegais, trata-se de “soluções inéditas” que devem
ser toleradas porque o processo da Lava Jato é também um “processo inédito”. Em
suma, o tribunal afirma, por escrito, que o direito aplica-se aos “casos
comuns” em geral; mas, à Lava Jato aplicam-se, não a Constituição e o direito,
e sim as “soluções inéditas”, ou seja, as soluções buscadas fora do direito, ou
fora do “regramento comum” – com essa retórica canhestra, esse tribunal federal
acaba de proclamar que a lei e a Constituição não valem para o processo da Lava
Jato, ou, noutros termos, admite expressamente que esse processo tramita mesmo
perante uma lei e um juízo de exceção.
Nem
no tempo da ditadura militar isso ocorreu. É certo que os militares nos
outorgaram uma Constituição autoritária (67-69); é certo também que eles
editaram um ato de exceção (AI-5); mas, mesmo a Constituição autoritária dos
ditadores, e mesmo o Ato Institucional nº 5, valiam para todos: igualmente,
isonomicamente – coisa que não ocorre agora porque, segundo esse tribunal
federal do Sul, nem a lei nem a Constituição valem para os réus da Lava Jato.
Isso
já não é apenas polêmico, nem somente um absurdo – isso já passa a ser
simplesmente assustador.
*ANTÔNIO
ALBERTO MACHADO é advogado e professor livre-docente da Universidade Estadual
Paulista, Unesp, campus de Franca.
http://www.viomundo.com.br/denuncias/antonio-machado-quais-sao-os-absurdos-da-operacao-lava-jato.html
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