O
encontro estava marcado para ocorrer na estação do metrô Consolação a uma da
tarde do último domingo. Ali, cerca de dez pessoas se reuniriam para, juntas,
seguirem para a manifestação que ocorreria em poucas horas na avenida Paulista
pedindo pelo fora Temer. "As pessoas estavam com medo de ir a
manifestações, principalmente as mulheres", relatou uma das pessoas do
grupo. "Por isso combinamos de irmos juntos". Eles não se conheciam
pessoalmente. Haviam se encontrado em um grupo de discussão no Facebook, formado
a partir de um evento convocando para outra manifestação que ocorrera dias
antes.
Embora
o protesto do domingo estivesse marcado para acontecer ali na mesma avenida
onde fica a estação Consolação, o grupo seguiu para o centro Cultural São
Paulo, que fica na estação Vergueiro do metrô, a três quilômetros de distância,
para encontrar os demais. O trajeto, feito a pé, foi acompanhado por um
helicóptero da Polícia Militar ao menos da metade do caminho até o final.
Chegando
ao Centro Cultural São Paulo, um prédio amplo, de pé direito alto, alguém do
grupo levantou a suspeita de que eles estavam sendo vigiados por "dois
senhores, que estavam ali tirando fotos". Os manifestantes saíram do
centro e sentaram-se no chão, em frente à entrada, para esperar pelos outros.
Foi quando, por volta das 15h30, cerca de 30 policiais militares portando
"armamento pesado" chegaram. "Mandaram a gente levantar e
encostar na grade". Sobre as cabeças, o helicóptero da PM seguia
sobrevoando.
Os
policiais começaram então o interrogatório. "Perguntaram onde a gente ia e
por que a gente se manifestava", disse outro membro do grupo. "As
meninas foram então levadas para uma revista íntima dentro do banheiro do metrô
Vergueiro", disse uma delas. "Tive que tirar toda a roupa diante das
policiais femininas". Os ouvidos pela reportagem não relataram episódios
de violência física.
À
essa altura, as mochilas de todos eles já haviam sido revistadas e estavam sob
domínio dos policiais. "Eu perguntava o que a gente tinha feito e eles só
diziam que era 'ordem de cima'", relata. Os celulares também foram
confiscados pela polícia que, em seguida, devolveu o aparelho para apenas um
deles: Willian Pina Botelho, ou Balta Nunes como se apresentava, apontado como
infiltrado pelos participantes do grupo. "Ele dizia que precisava ficar
com o celular na mão porque a mulher dele ia telefonar", contam. Botelho,
que é capitão do Exército, se dizia preocupado porque estava com "um
documento de identidade falso".
Um
garoto que estava ali fazendo uma pesquisa para seu Trabalho de Conclusão de
Curso foi colocado no mesmo grupo dos manifestantes que neste momento era de 22
pessoas. Durante a revista, os policiais não diziam muita coisa. "Um dos
policiais disse: 'o sonho de vocês não era ser preso pela ditadura? Vocês não
queriam ser presos pela ditadura? Tá aí, agora estão sendo presos pela
ditadura".
Do
centro Cultural Vergueiro, o grupo foi levado em um ônibus da PM em direção ao
Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a nove quilômetros
dali. No trajeto, os policiais não informaram onde e nem por que estavam
levando os manifestantes que naquele momento eram 21. "Percebemos que o
Balta não estava lá no ônibus", disse um deles. Foi quando suspeitaram que
o amigo era, na verdade, um infiltrado. Dentro do ônibus os celulares foram
devolvidos aos seus donos, que puderam avisar amigos e parentes sobre a
detenção, embora não puderam dizer para onde estavam sendo levados, já que não
sabiam.
No
estacionamento do Deic, os manifestantes ficaram novamente enfileirados. Os
policiais tiraram fotos e filmaram os rostos e os pertences de cada um deles.
Uma barra de ferro azul, do tamanho de um pé de um banquinho, foi atribuída a
um deles que dizia o tempo todo que queria "deixar claro" que aquela
barra de ferro não era dele. Dentro das mochilas, os policiais encontraram um
extintor de incêndio pequeno de automóvel de uma garota que afirmou pertencer a
ela, medicamentos de primeiros socorros e máscaras.
Já
era noite quando os manifestantes adentraram o Deic, onde permaneceram até o
dia seguinte. Eles contam que podiam tomar água, usar o banheiro e sair para
fumar, acompanhados de um policial. Mas que não tinham mais acesso aos
celulares. Em dado momento, os policiais levaram um frango para que eles
comessem e, ao perceber que o frango não daria para todos os 21 detidos,
pediram uma pizza.
"O
Brasil não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão
para averiguação’", determinou o juiz
Enquanto
milhares desciam a avenida Rebouças pedindo pelo fora Temer, a notícia dos
detidos corria. Passava da meia noite quando Eduardo Suplicy (PT), ex-senador e
ex-secretrário dos Direitos Humanos da gestão Haddad, foi até a delegacia,
acompanhado pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT) e o vereador Nabil
Bonduki (PT). O delegado Fabiano Fonseca Barbeiro informou que os manifestantes
estavam "detidos para averiguação". Os políticos foram embora. Os
detidos permaneceram ali. Os familiares e advogados iam chegando.
Foi
somente depois das duas da tarde do dia seguinte que os detidos foram
encaminhados para o Fórum Criminal da Barra Funda, onde seria realizada uma
audiência de custódia. Lá, a decisão do juiz Paulo Rodrigo Tellini de Aguirre
Camargo determinou que a prisão fora ilegal. "O Brasil como Estado
Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar
verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos
poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em
manifestação ideológica. Esse tempo, felizmente, já passou", dizia a
decisão. Os detidos foram soltos no início da noite de segunda-feira.
Na
mesma segunda-feira, o coronel Dimitrios Fyskatoris disse, em uma entrevista
coletiva, que ele acompanhou as detenções em sobrevoo, o que confirma que o
helicóptero pairou sobre o grupo. Também disse que os manifestantes foram
detidos baseado em uma entrevista que os policiais fizeram com eles
previamente. "Com base no que declararam e nas evidências, foram encaminhadas
ao Deic", disse o coronel. No Boletim de Ocorrência, um policial afirma
que foi acionado por um civil que não quis se identificar.
Todos
os 21 manifestantes que foram detidos estão soltos. Nenhum tinha passagem pela
polícia. Quase todos estão bastante assustados. Os que conversaram com a
reportagem afirmaram que estão com medo de ir a outras manifestações agora.
"Suspeito que fizeram isso para dar um susto em quem tá saindo de casa
para se manifestar", disse um dos detidos, três dias depois do episódio.
"Tinha gente ali que nunca tinha ido a uma manifestação. Não eram black
blocs. A gente estava se encontrado apenas para não irmos sozinhos ao
ato".
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/10/politica/1473466247_649639.html
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