O
vício adversativo da mídia voltou, agora com sentido inverso. Antes era sempre
algo assim:
"Vendas
aumentam, mas analistas prevêem que alta não irá durar".
"Comércio
cresce 4% no mês, mas é pior dos últimos três anos".
Agora,
a coisa vem assim, como nessa chamada no site da Folha:
"Mas
ritmo de piora desacelera..."
Miriam
Leitão estreou o novo estilo. Todo o dia, diante das novas quedas na economia,
ela fala em "desaceleração" do desastre. Como não é possível que a
economia continue caindo até desaparecer, um dia ela vai acertar.
No
Estadão, Eliane Cantanhede aposta mais alto e diz que "o insucesso de
Temer seria o insucesso geral".
O
chapa-branquismo da mídia tradicional, após os primeiros meses de transição, em
que o ritmo frenético imposto pela Lava Jato ainda não fora controlado, voltou
ao que sempre foi nas últimas décadas.
Não
podemos esquecer que a mídia brasileira de hoje é a a mídia que apenas sobreviveu
à ditadura porque aderiu à ela - entusiasticamente até o momento em que
verificou que seria bom para os negócios começar a posar de crítica.
Entretanto,
o cenário econômico não é nada bom. O PIB do segundo trimestre caiu 0,6%, mais
do que o esperado, e o mercado - segundo boletim apurado pelo Banco Central -
agora projeta uma queda de 3,20% do PIB em 2016.
Para
o ano que vem, porém, o mesmo mercado ajustou para cima o crescimento, que
passou de 1,23% para 1,30%. Em 2018, o crescimento continua estimado em 2%.
Nos
últimos 12 meses, a conta do golpe foi terrível: queda de 4,9% no PIB. Esse é
preço de um processo de instabilidade política poucas vezes vivido na história
brasileira, alimentado por setores do judiciário acumpliciados a uma agenda
político-midiática.
Por
falar em agenda político-midiática, a Procuradoria Geral da República decidiu
estender a Lava Jato até setembro de 2017. A alta meganhagem do Estado atingiu,
com a Lava Jato, o ápice de seu poder e não quer mais largá-lo.
A
Lava Jato dominou de maneira espetacular a agenda política, e, na medida em que
seus operadores priorizam, deliberadamente, alguns órgãos de imprensa, ajudou a
mídia tradicional, até então decadente, com declínio acelerado de audiência, a
voltar ao centro do poder.
A
operação foi uma das articuladoras principais do golpe, visto que suas prisões,
conduções coercitivas, entrevistas coletivas, vazamentos, seguiram uma agenda
estritamente conectada aos objetivos das forças midiáticas que trabalhavam pelo
impeachment.
O
aspecto paradoxal da situação é que a força dessas instituições que se tornaram
golpistas veio exatamente dos governos do PT, embora não seja possível mensurar
até que ponto o partido poderia resistir a um movimento maior que ele: o
conservadorismo brasileiro usa, historicamente, as bandeiras da corrupção para
criminalizar os adversários.
O
risco real corrido pelo país é que a Lava Jato, ou operações similares,
continuem o processo de criminalizar tudo que vêm pela frente: qualquer
conversa, qualquer negociação, no Brasil ou no exterior, é tratada como
delinquente, as operações da empresa são paralisadas, suas contas são
congeladas, seus principais executivos são presos preventivamente até que
confessem alguma coisa. Isso inviabilizará a economia nacional, como já
aconteceu, abrindo espaço para um brutal e acelerado processo de
desnacionalização, a preço de banana, com transferência de lucros, tributos,
empregos e soberania para o exterior.
O
nível de ingenuidade do capitalismo nacional, engolfado numa onda de
preconceito político e ideológico que nunca fez sentido real em nossa
conjuntura, é assustador. Em nome da luta para destruir o PT, setores
autoritários do Estado destruíram grandes empresas de engenharia e, com elas,
setores inteiros da economia, como as fábricas de navios e a indústria de gás e
petróleo. A Globo chegou ao cúmulo de tratar empreiteiras criadas na ditadura e
que sempre financiaram o PSDB e o PMDB - o fato de terem construído o Brasil e
deterem um patrimônio tecnológico inestimável é tratado como apenas um detalhe
- como "empresas companheiras" ou "empresas da Lava Jato".
Criminaliza-se
partidos políticos por seu esforço democrático, legítimo e necessário para
alcançar o poder e mantê-lo, e louva-se corporações aristocráticas, não eleitas,
que violam direitos e garantias fundamentais para ampliar o seu.
As
manifestações contra Michel Temer certamente surpreenderam o governo e a mídia.
É impressionante quando se as compara com as marchas coxinho-midiáticas, que
são anunciadas previamente, semanas a fio, pelos grandes jornais, rádio e tv,
com chamadas a cada minuto nas principais concessões públicas de tv. Metrôs são
liberados. A polícia brasileira - uma das instituições mais assassinas e
corruptas do mundo - é vista como "aliada" desses protestos,
enquanto, nas manifestações contra o golpe a polícia faz todo o tipo de
provocação e promove violências. Todos os números das manifestações coxinhas
são inflados, pela polícia e mídia, que faz uma cobertura jornalística intensa,
favorável, entusiástica, enquanto os protestos antigolpe são sistematicamente
sabotados pela grande imprensa.
Mas
o sucesso das manifestações de domingo serviram a dois propósitos importantes
na longa luta de resistência democrática que se inicia:
1)
os editoriais da mídia pedindo repressão, mais os esforços da mesma, em
particular a Globo, para diminui-los, ajudam a aprofundar a consciência
política de setores crescentes da sociedade, sobre o papel da mídia no golpe e
no processo contínuo de manipulação da informação.
2)
ajudaram a coesionar os movimentos de resistência democrática em torno do
objetivo único de denunciar o golpe e pedir novas eleições. Até mesmo Luciana
Genro, que foi candidata presidencial pelo PSOL, e é um dos quadros mais hostis
ao PT, deu hojeentrevista ao Brasil Post (filial do Huffington Post) em que,
além das pancadas tradicionais no PT, faz declarações sólidas contra o golpe e
em favor de novas eleições. O Psol, apesar de fraco no Congresso, tornou-se um
partido forte entre os jovens, sobretudo nas principais capitais.
O
golpe hoje parece uma força invencível, avassaladora, porque ele conseguiu
fazer emergir, das trevas profundas da nossa tradição autoritária, todos os
morto-vivos que nos assombraram durante séculos: uma polícia homicida, um judiciário
profundamente aristocrático, uma mídia entreguista e mentirosa, todos
associados por uma cultura política que não esconde sua aversão aos valores
democráticos.
Entretanto,
a fragilidade narrativa do golpe salta aos olhos de qualquer um. Seus próprios
operadores hoje o admitem. A truculência da polícia paulista contra as
manifestações se volta, evidentemente, contra o governo Temer, visto que o
ministro da Justiça é ligado diretamente à secretaria de segurança de São
Paulo, da qual foi titular até pouco tempo.
O
escritor Fernando Morais declarou, em entrevista ao blog DCM, que não vê
chances dos golpistas, depois de tudo que fizeram, depois de todas as violações
que cometeram, permitirem a eleição de Lula em 2018.
A
democracia representativa é um sistema que já nasceu em crise, porque apresenta
um grau baixo de democracia. Segundo Kelsen, ídolo liberal, que escreveu alguns
ensaios clássicos sobre o tema, "os direitos políticos - isto é, a
liberdade - reduzem-se a um simples direito de voto".
Nem
este simples direito, no Brasil, foi respeitado.
Mas
ao se verem forçadas, por seus próprios fracassos eleitorais, a violentar a
única e última liberdade política que a democracia representativa reserva a
seus cidadãos, o voto, as forças do conservadorismo criaram, para si, um
fantasma com o qual terão de conviver durante muito tempo.
Daí
a força do termo golpe: o erro da mídia tem sido atribuir "ao PT" a
narrativa de golpe, quando não estamos mais, em verdade, diante de nenhuma
"narrativa", e sim diante de uma violência política real, objetiva,
contra a liberdade política de um dos maiores eleitorados do planeta.
A
dor de perder a única liberdade política palpável que possuíamos, o direito de
escolher nossos próprios governantes e, com eles, o programa de governo, é a
dor política suprema, e, como tal, a mais poderosa de todas, a mais fértil
parteira de herois e ideias na história da humanidade.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/09/o-desespero-da-midia-para-defender-o.html
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