Por
que o tal Major Olímpio, que tanto se esforça para que seu grito “vergonha” se
torne um bordão, não o faz agora perante a anulação dos julgamentos que
condenaram os policiais pelo massacre ocorrido no Carandiru em 1992?
Grita
agora, Major, porque o que o Tribunal de Justiça cometeu foi vergonhoso. Uma pá
de cal na democracia que se pretende igual para todos.
Rememorando
rapidamente: em 2 de outubro de 1992, para debelar uma rebelião de detentos, a
polícia comandada pelo governador Fleury invadiu o Carandiru e realizou uma
chacina. Em meia hora executou 111 presos.
Virou
música, virou livro, virou filme e passados 24 anos, os 74 policiais que haviam
sido julgados e condenados (todos ainda em liberdade) assistem, escutam e leem
com alegria que o TJ decide cancelar tudo. Não só anula, mas pisa na cara da
sociedade ao afirmar que ‘não houve massacre nenhum’.
“Foi
legítima defesa”, afirmou o relator do recurso, desembargador Ivan Sartori.
Legítima defesa? Os corpos receberam uma média de cinco tiros cada. A maioria
nas costas e na cabeça. As imagens que se têm do massacre são de pilhas de
cadáveres nus. Quando a polícia chegou estavam todos pelados e atirando contra
o visitante indesejado, foi isso?
O
caso deixa claro, claríssimo, que o desembargador atende aos anseios da parcela
da população que acredita que bandido bom e bandido morto. E que depois de
morto seja jogado na vala comum e desmemoriada, e que suas famílias sejam
penalizadas conjuntamente, pois não só uma justiça que tarda já é falha (os
policiais estão em liberdade até hoje sendo que muitos em atividade em cargos
públicos), como sofrem a humilhação de ver todo o processo ser jogado na lata
do lixo. Os filhos pequenos de algumas das vítimas são hoje pessoas na faixa
dos 25 a 30 anos que nunca viram justiça ser feita. Darão alguma credibilidade
ao poder judiciário após esse episódio?
O
coronel à frente da operação, Ubiratan – já falecido – chegou a ser condenado a
632 anos. Na prática, elegeu-se deputado depois do massacre. Nunca passou 15
segundos atrás das grades. “Não houve massacre. Houve obediência hierárquica”,
repetia o desembargador Ivan Sartori. Ok, então quem ordenou? Luiz Antonio
Fleury vai ser responsabilizado?
Outro
desembargador que votou pela anulação dos julgamentos, Camilo Léllis, dá seu
verniz de justiça: “O juíz é a última esperança de um acusado, não se pode
condenar por baciada. Houve um confronto mas é preciso verificar quem se
excedeu, quem atirou em quem.” Oi?
Aqueles
homens já estavam presos e sob a custódia do Estado. Como assim ‘quem atirou em
quem’, como ‘legítima defesa’ se todos os policiais saíram vivos e nenhum foi
sequer baleado? “Aquilo foi um extermínio. Todos foram executados, não tinha
ninguém armado. Acabaram condenados novamente porque já estavam cumprindo suas
penas”, declarou Sidney Sales, um dos sobreviventes.
Aos
questionamentos, o desembargador Sartori mescla empáfia com autoritarismo: “Eu
sou o juíz. Serei criticado pela imprensa, mas não quero saber da imprensa.”
Não resolve não querer saber, senhor desembargador. Se a justiça se faz de
cega, a imprensa não se faz de muda. E o que ocorreu foi uma barbárie dupla. Em
1992 e em 2016.
O
complexo de edifícios que abrigava a penitenciária foi demolido e se tornou um
parque com uma das melhores bibliotecas da cidade. Tentaram sumir com o
Carandiru, mas seu fantasma insiste em nos assombrar. E o que resultou depois
daquela operação de extermínio e da implosão dos pavilhões, foi que nasceu o
PCC. Bom não?
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-carandiru-ja-virou-livro-filme-e-agora-vira-uma-vergonha-mundial-por-mauro-donato/
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