Meu
pai era fã de Os Miseráveis (1935), uma das muitas versões para o cinema do
clássico de Victor Hugo, com Fredric March como Jean Valjean e Charles Laughton
como seu implacável perseguidor, o inspetor Javert. Todas as vezes que o filme
passava na sessão Coruja, meu pai juntava os filhos no sofá para lhe fazerem
companhia. A história, portanto, é muito vívida em minha memória. Valjean,
desesperado pela fome, roubara um pão. E, por este crime, é caçado por Javert a
vida inteira, com requintes de sadismo.
O
excessivo rigor da Lava-Jato apenas com os petistas, a mão pesada seletiva do
juiz Sérgio Moro, sempre me evocam Javert, o inspetor que se achava a própria
encarnação da lei. Uma coisa é lutar contra a corrupção, que é o que os
procuradores e Moro dizem estar fazendo com esta operação. Outra, bem
diferente, é agregar a esta sanha supostamente moralizadora um indisfarçável
justiceirismo, capaz de despertar na sociedade um sentimento torpe de vingança.
Como
nas execuções medievais, não basta submeter os acusados ao rigor da lei, é
preciso expô-los em praça pública, garantir platéia para os momentos mais…
miseráveis; as emissoras de TV (sobretudo a Globo) são avisadas com
antecedência de cada uma das ações. A própria necessidade de prisão preventiva
já foi denunciada pelos advogados de defesa dos detidos na operação como
“tortura psicológica” para forçar a delação premiada.
Reúno
aqui alguns momentos da Lava-Jato que mais me fizeram vir à mente as cenas de
Os Miseráveis, por sua mesquinhez. Este tipo de “castigo” está em total
desacordo com as noções mais modernas de punição, como as que defendem a adoção
de penas alternativas nos casos em que o criminoso não oferece risco à
sociedade. Certamente momentos piores virão e este post poderá ser ampliado no
futuro.
Prendam-no
no hospital – O
ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi preso no dia 22 de setembro pela
Lava-Jato na porta do hospital Albert Einstein, enquanto aguardava sua mulher,
que está se tratando de um câncer, ser operada. Vários juristas criticaram a
necessidade do pedido de prisão provisória de Mantega. Após a repercussão
negativa, Moro acabou revogando o pedido no mesmo dia, como se estivesse agindo
por questões humanitárias. Ora, se a prisão era mesmo necessária, por que foi
revogada?
Sequestrem
a casa da mãe – Em abril, o
juiz Moro sequestrou judicialmente a casa onde mora a mãe de José Dirceu, Olga
Guedes da Silva, em Passa-Quatro (MG). A senhora tem 94 anos. Moro, magnânimo,
decidiu que ela pode continuar morando na própria casa como “depositária”.
Tranquem
ele no escuro – O
ex-senador do PT Delcídio contou à repórter Malu Gaspar, da revista Piaui, que
decidiu fazer a delação premiada após ter sido trancado num quarto sem luz na
sede da Polícia Federal em Brasília, sufocado pela fumaça do gerador do prédio.
“Aquilo encheu o quarto de fumaça, e eu comecei a bater, mas ninguém abriu. Os
caras não sei se não ouviram ou se fingiram que não ouviram. Era um gás de
combustão, um calor filho da puta. Só três horas mais tarde abriram a porta.
Foi dificílimo”, contou Delcídio.
Tirem-lhes
os menores prazeres – Em agosto,
Dirceu e seu companheiro de cela, Pedro Argôlo, foram castigados pela Lava-Jato
porque foram encontrados no cubículo que dividem em Curitiba quatro pendrives,
um carregador de celular modelo Samsung, um carregador de um aparelho portátil
de reprodução de música e um cabo com entrada USB. Nenhum celular, contudo, foi
achado. Os pendrives continham filmes e músicas. Só como comparação, até os
presos da ditadura tinham direito a escutar seus radinhos de pilha.
Conduzam-no
coercitivamente – Em março, o
ex-presidente Lula, que nunca se recusara a comparecer à Justiça e ainda não
era réu em nenhuma ação, foi conduzido coercitivamente a mando de Sérgio Moro
em circunstância que até hoje permanecem nebulosas. Lula foi tirado de sua casa
e levado ao aeroporto de Congonhas, onde foi ouvido durante três horas e meia.
Existiram muitos rumores de que Lula iria ser levado para Curitiba e alguma
coisa fez com que a operação fosse abortada. O que ocorreu? Foi mesmo
necessária a condução de Lula coercitivamente? Sem dúvida: não.
Mantenham-no
sujo – Os advogados do ex-diretor da
Petrobras, Paulo Roberto Costa, reclamaram ao STJ (Superior Tribunal de
Justiça) em abril de 2014 melhores condições de prisão para seu cliente, que
não podia tomar banho, se exercitar ou ter acesso à luz do dia (tomar banho de
sol) durante os finais de semana. Costa chegou a escrever uma carta onde se
queixava que, após reclamar da falta de banho, teria sido ameaçado pelos
policiais de ser mandado para o presídio de segurança máxima de Catanduvas. Em
agosto do mesmo ano ele assinou a delação premiada.
Impeçam-lhes
o afeto
– Os presos da Lava-Jato
não têm direito a visita íntima de suas mulheres e companheiras. Qual a
justificativa disso a não ser abalar ainda mais o psicológico do indivíduo?
Segundo especialistas, a visita íntima é importante para a manutenção dos laços
afetivos e a ressocialização do preso. A intenção da prisão não é que paguem
por seus erros e recuperá-los para a sociedade? A castidade forçada, afinal,
não faz parte da pena.
Confisquem
as castanhas – A mãe de
Pedro Argôlo, que é do sul da Bahia, costumava mandar doces caseiros e
castanhas para o filho, que repartia com José Dirceu, seu companheiro de cela.
Sem explicação alguma, a entrada das castanhas e compotas foi subitamente
proibida e agora só entram produtos alimentícios para os presos se houver
recomendação médica.
Façam-no
falar – Em fevereiro deste ano, Marcelo
Odebrecht foi transferido do Complexo Médico-Penal em Pinhais, onde estão
detidos os presos da Lava-Jato, para a carceragem da Polícia Federal, onde fica
numa cela de 7 metros quadrados, que divide com outros detentos. Em dez dias na
nova cela, onde permanece encarcerado por 23 horas seguidas com apenas uma para
o banho de sol, Marcelo estava com quadro de anemia e deficiência de vitamina D
ligada a hipoglicemia. A defesa do empreiteiro solicitou reforço na dieta e
pediu que voltasse ao complexo. Moro autorizou a melhora alimentar, mas não
permitiu o retorno a Pinhais.
http://www.socialistamorena.com.br/grandes-momentos-os-miseraveis/
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