Em
carta publicada no blog do jornalista Marcelo Auler, o ex-ministro da Justiça
Eugênio Aragão responde ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que
atacou os críticos da Lava Jato durante discurso na posse da ministra Cármen
Lúcia à presidência do STF; "Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot",
escreve Aragão, lembrando de opiniões que os dois compartilhavam sobre o
Ministério Público, e inclusive a de que tinham "consciência da inocência
de José Genoino", contra quem Janot pediu a prisão logo no primeiro mês no
cargo; Aragão faz duras críticas à condução da Operação Lava Jato e diz, em
referência ao Ministério Público: "Nossa instituição exibe-se, assim, sob
a sua liderança, surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso
custe caro ao Brasil e aos brasileiros"; Aragão diz ainda que Janot se
calou sobre o golpe e questiona por que demorou para afastar Cunha
14
de Setembro de 2016
Sobre a
honestidade de quem critica a Lava Jato
Por Eugênio
Aragão, ex-ministro da Justiça, via Blog do Marcelo Auler
“Praecepta
iuris sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” (Ulpiano)
“Os
preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a
cada um o que é seu.” (Ulpiano)
“Disse
o Senhor Procurador-Geral da República por ocasião da posse da nova presidente
do STF, Ministra Carmen Lúcia, que se tem “observado diuturnamente um trabalho
desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos
midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas
investigações da Lava Jato”.
Visto
a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe respondo publicamente, por ser esse o
único meio que me resta para defender a honestidade de meu trabalho, posta em
dúvida, também publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais
alcançaria o direito de resposta.
O
Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente crítico da forma de agir
estrambólica dos agentes do Estado, perceptível, em maior grau, desde a Ação
Penal 470, sob a batuta freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.
Aliás,
antes de ser procurador-geral, o Senhor compartilhava comigo, em várias
conversas pessoais, minha crítica, dirigida, até mesmo, ao Procurador-Geral da
República de então, Doutor Gurgel. Lembro-me bem de suas opiniões sobre a falta
de noção de oportunidade de Sua Excelência, quando denunciou o Senador Renan
Calheiros em plena campanha à presidência do Senado.
Lembro-me,
também, de nossa inconformação solidária contra as injustiças perpetradas na
Ação Penal 470 contra NOSSO (grifo do original) amigo José Genoíno.
“Não
foi uma só vez que o Senhor contou que seus antecessores sabiam da inocência de
Genoíno, mas não o retiraram da ação penal porque colocaria em risco o castelo
teórico do “Mensalão”, como empreitada de uma quadrilha, da qual esse nosso
amigo tinha que fazer parte, para completar o número”.
Por
sinal, conheci José Genoíno em seu apartamento, na Asa Sul, quando o Senhor e
eu dirigíamos em parceria a Escola Superior do Ministério Público da União.
Àquela ocasião, já era investigado, senão denunciado, por Doutor Antônio
Fernando.
Admirei
a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não se deixar intimidar pelos arroubos
midiáticos e jurisdicionais vindas do Excelso Sodalício. Com José Genoíno
travamos interessantes debates sobre o futuro do País, sobre a necessidade de
construção de um pensamento estratégico com a parceria do ministério público.
Tornou-se,
esse político, então, mais do que um parceiro, um amigo, digno de ser recebido
reiteradamente em seu lar, para se deliciar com sua arte culinária. De minha
parte, como não sou tão bom cozinheiro quanto o Senhor, preferia encontrar, com
frequência, Genoíno, com muito gosto e admiração pela pessoa simples e reta que
se me revelava cada vez mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações, onde
ele se hospedava. Era nosso point.
Cá
para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor jamais poderia se surpreender com meu
modo de pensar e de agir, para chamá-lo de desonesto. O Senhor me conhece há
alguns anos e até me confere o irônico apelido de “Arengão”, por saber que não
fujo ao conflito quando pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse
pressentimento de injustiça com o Senhor, já quando era procurador-geral e eu
seu vice, no Tribunal Superior Eleitoral.
Compartilhei
meus receios sobre os desastrosos efeitos da Lava Jato sobre a economia do País
e sobre a destruição inevitável de setores estratégicos que detinham
insubstituível ativo tecnológico para o desenvolvimento do Brasil. Da última
vez que o abordei sobre esse assunto, em sua casa, o Senhor desqualificou
qualquer esforço para salvar a indústria da construção civil, sugerindo-me que
não deveria me meter nisso, porque a Lava Jato era “muito maior” do que nós.
Mas
continuemos no flash-back.
Tinha-o
como um amigo, companheiro, camarada. Amigo não trai, amigo é crítico sem machucar,
amigo é solidário e sempre tem um ouvido para as angústias do outro.
Lutamos
juntos, em 2009, para que Lula indicasse Wagner Gonçalves procurador-geral,
cada um com seus meios. Os meus eram os contatos sólidos que tinha no governo
pelo meu modo de pensar, muito próximo ao projeto nacional que se desenvolvia e
que fui conhecendo em profundidade quando coordenador da 5ª Câmara de
Coordenação e Revisão da PGR, que cuidava da defesa do patrimônio público.
Ficamos
frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados,
decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.
Em
2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.
Na
verdade, sabíamos que se tratava apenas de um laboratório de ensaio, pois, com
o clamor público induzido pelos arroubos da mídia e os chiliques televisivos do
relator da Ação Penal 470, poucas seriam as chances de, agora Dilma, deixar de
indicar o Doutor Gurgel, candidato de Antônio Fernando, ao cargo de
procurador-geral.
Ainda
assim, levei a missão a sério. Fui atrás de meus contatos no Planalto, defendi
seu nome com todo meu ardor e consegui, até, convencer alguns, mas não
suficientes para virar o jogo.
Mas,
vamos em frente.
Em
2013, quando o Senhor se encontrava meio que no ostracismo funcional porque
ousara concorrer com o Doutor Gurgel, disse-me que voltaria a concorrer para
PGR e, desta vez, para valer.
Era,
eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito cuidado, me meti na empreitada.
Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, meu amigo-irmão há quase
trinta anos, e pedi seu apoio a sua causa.
Procurei
conhecidos do PT em São Paulo, conversei com ministros do STF com quem tinha
contatos pessoais. Enquanto isso, o Senhor foi fazendo sua campanha Brasil
afora, contando com o apoio de um grupo de procuradores e procuradoras que,
diga-se de passagem, na disputa com Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.
Incluía,
até mesmo, o pai da importação xinguelingue ( Gíria paulista: produto barato
que vem da China, geralmente de baixíssima qualidade) da teoria do domínio do
fato, elaborado por Claus Roxin no seu original, mas completamente deturpada na
Pindorama, para se transmutar em teoria de responsabilidade penal objetiva.
Achava
essa mistura de apoiadores um tanto estranha, pois eu, que fazia o trabalho de
viabilizar externamente seu nome, nada tinha em comum com essa turma em termos
de visão sobre o ministério público.
Como
o Senhor sabe, no início de 2012, publiquei, numa obra em “homenagem” ao então
Vice-Presidente da República, Michel Temer, um artigo extremamente polêmico
sobre as mutações disfuncionais por que o ministério público vinha passando.
Esse
artigo, reproduzido no Congresso em Foco, com o título “Ministério Público na
Encruzilhada: Parceiro entre Sociedade e Estado ou Adversário implacável da
Governabilidade?”, quando tornado público, foi alvo de síncopes corporativas na
rede de discussão @Membros.
Faltaram
querer me linchar, porque nossa casa não é democrática. Ela se rege por um
princípio de omertà muito próprio das sociedades secretas. Mas não me deixei
intimidar.
Depois,
ainda em 2013, publiquei outro artigo, em crítica feroz ao movimento
corporativo-rueiro contra a PEC 37, também no Congresso em Foco, com o título
“Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa dos movimentos de rua no Brasil”.
(N.R.
A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de 2013, determinava que o poder de
investigação criminal seria exclusivo das polícias federal e civis, retirando
esta atribuição de alguns órgãos e, sobretudo, do Ministério Público (MP).
Sua
turma de apoio me qualificou de insano, por escrever isso em plena campanha
eleitoral do Senhor. Só que se esqueceram que meu compromisso nunca foi com
eles e com o esforço corporativo de indicar o Procurador-Geral da República por
lista tríplice.Sempre achei esse método de escolha do chefe da instituição um
grande equívoco dos governos Lula e Dilma.
Meu
compromisso era com sua indicação para o cargo, porque acreditava na sua
liderança na casa, para mudar a cultura do risco exibicionista de muitos
colegas, que afetava enormemente a qualidade de governança do País.
No
seu caso, pensava, a coincidência de poder ser o mais votado pela corporação e
de ter a qualidade da sensibilidade para com a política extra-institucional,
era conveniente, até porque a seu lado, poderia colaborar para manter um
ambiente de parceria com o governo e os atores políticos.
Não
foi por outro motivo que, quando me deu a opção, preferi ocupar a
Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a Vice-Procuradoria-Geral da
República que, a meu ver, tinha que ser destinada à Doutora Ela Wiecko Volkmer
de Castilho, por deter, também, expressiva liderança na casa e contar com boa
articulação com o movimento das mulheres. Este foi um conselho meu que o Senhor
prontamente atendeu, ainda antes de ser escolhido.
Naqueles
dias, a escolha da Presidenta da República para o cargo de procurador-geral
estava entre o Senhor e a Doutora Ela, pendendo mais para a segunda, por ser
mulher e ter tido contato pessoal com a Presidenta, que a admirava e continua
admirando muito.
Ademais,
Doutora Ela contava com o apoio do Advogado-Geral da União, Doutor Luís Inácio
Adams. Brigando pelo Senhor estávamos nós, atuando sobre o então Ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo e o amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.
Quando
ouvimos boatos de que a mensagem ao Senado, com a indicação da Doutora Ela,
estava já na Casa Civil para ser assinada, imediatamente agi, procurando o
Ministro Ricardo Lewandowski, que, após recebê-lo, contatou a Presidenta para
recomendar seu nome.
No
dia em que o Senhor foi chamado para conversar com a Presidenta, fui consultado
pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, pedindo que
confirmasse, ou não, que seu nome era o melhor. Confirmei, em ambos os contatos
telefônicos.
Na
verdade, para se tornar Procurador-Geral da República, o Senhor teve que fazer
alianças contraditórias, já que não aceitaria ser nomeado fora do método de
escolha corporativista.
Acendeu
velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação
e eu.
Da
primeira precisou de suporte para receber seus estrondosos 800 e tantos votos
e, de mim, para se viabilizar num mundo em que o Senhor era um estranho. Diante
do meu receio de que essa química poderia não funcionar, o Senhor me acalmou,
dizendo que nós nos consultaríamos em tudo, inclusive no que se tinha a fazer
na execução do julgado da Ação Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes
a transitar.
O
dia de sua posse foi, para mim, um momento de vitória. Não uma vitória pessoal,
mas uma vitória do Estado Democrático de Direito que, agora, teria um chefe do
ministério público enérgico e conhecedor de todas as mazelas da instituição.
Sim, tinha-o como o colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não
só pelos cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão
de conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes
até demais.
Seu
déficit em conhecimento do ambiente externo seria suprido com o exercício do
cargo e poderia, eu, se chamado, auxiliá-lo, assim como Wagner Gonçalves ou
Claudio Fonteles.
Meu
susto se deu já no primeiro mês de seu exercício como procurador-geral. Pediu,
sem qualquer explicação ou conversa prévia com o parceiro de que tanto precisou
para chegar lá, a prisão de José Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter
estado com o Senhor como amigo in pectore.
Eu
não tenho medo de assumir que participei desses contatos. Sempre afirmei
publicamente a extrema injustiça do processo do “Mensalão” no que toca aos
atores políticos do PT. Sempre deixei claro para o Senhor e para o Ministro
Joaquim Barbosa que não aceitava esse método de exposição de investigados e
réus e da adoção de uma transmutação jabuticaba da teoria do domínio do fato.
Defendi
José Genoíno sempre, porque, para mim, não tem essa de abrir seu coração (e no
seu caso, a sua casa) a um amigo e depois tratá-lo como um fora da lei,
sabendo-o inocente.
Tentei
superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.
Acaso
achasse necessário fazê-lo, deveria ter buscado convencer as pessoas às quais,
antes, expressou posição oposta. E, depois, como José Genoino foi
reiteradamente comensal em sua casa, nada custava, em último caso, dar-se por
suspeito e transferir a tarefa do pedido a outro colega menos vinculado
afetivamente, não acha?
Como
nosso projeto para o País era maior do que minha dor pela injustiça busquei
assimilar a punhalada e seguir em frente, sabendo que, para terceiros, o Senhor
se referia a mim como pessoa que não podia ser envolvida nesse caso, por não
ter isenção.
E
não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a condução da Ação Penal 470, para
mim viciada ab ovo, e nunca sonhei com seu cargo. Sempre fui de uma lealdade
canina para com o Senhor e insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude
foi por imposição das circunstâncias. Uma situação de “duress”, como diriam os
juristas anglo-saxônicos.
Mas
chegou o ano 2014 e, com ele, a operação Lava Jato e a campanha eleitoral. Dois
enormes desafios. Enquanto, por lealdade e subordinação, nenhuma posição
processual relevante era deixada de lhe ser comunicada no âmbito do ministério
público eleitoral, no que diz respeito à Lava Jato nada me diziam, nem era
consultado.
O
Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella,
que tudo sabia e em tudo se metia e, por isso, chamado carinhosamente de “Posto
Ipiranga”. Era seu direito e, também por isso, jamais o questionei a respeito,
ainda que me lembrasse das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos
sobre o que era estratégico para a casa.
Passei
a perceber, aos poucos, que minha distância, sediado que estava fora do prédio,
no Tribunal Superior Eleitoral, era conveniente para o Senhor e para seu grupo
que tomava todas as decisões no tocante à guerra política que se avizinhava.
Não
quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma excelente equipe no TSE. Fazia um time
de primeira com os colegas Luiz Carlos Santos Gonçalves, João Heliofar, Ana
Paula Mantovani Siqueira e Ângelo Goulart e o apoio inestimável de Roberto
Alcântara, como chefe de gabinete. Não faltavam problemas a serem resolvidos
numa das campanhas mais agressivas da história política do Brasil. Entendi que
meu papel era garantir que ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com
ajuda do ministério público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que minha
atuação seria de intervenção mínima, afim de garantir o princípio da par
conditio candidatorum.
Quando
alguma posição a ser tomada era controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe
pedi reiteradamente que tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em
Brasília o tempo todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha
chegasse ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são
claras. Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.
Diferentemente
do que o Senhor me afirmou, nunca tive briga pessoal com o então
vice-presidente do TSE. Minha postura de rejeição de atitudes que não
dignificavam a magistratura era institucional.
E,
agora, que Sua Excelência vem publicamente admoestá-lo na condução das
investigações da Lava Jato, imagino, suas duras reações na mídia também não
revelam um conflito pessoal, mas, sim, institucional. Estou certo? Portanto,
nisso estamos no mesmo barco, ainda que por razões diferentes.
Passada
a eleição, abrindo-se o “terceiro turno”, com o processo de prestação de contas
da Presidenta Dilma Rousseff que não queria e continua não querendo transitar
em julgado apesar de aprovado à unanimidade pelo TSE e com as ações de
investigação judicial e de impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB,
comecei, pela primeira vez, a sentir falta de apoio.
Debitava
essa circunstância, contudo, à crise da Lava Jato que o Senhor tinha que
dominar. As vezes que fui chamado a assinar documentos dessas investigações, em
sua ausência, o fiz quase cegamente. Lembrava-me da frase do querido Ministro
Marco Aurélio de Mello, “cauda não abana cachorro”.
Só
não aceitei assinar o parecer do habeas corpus impetrado em favor de Marcelo
Odebrecht com as terríveis adjetivações da redação de sua equipe. E o avisei
disso. Não tolero adjetivações de qualquer espécie na atuação ministerial
contra pessoas sujeitas à jurisdição penal.
Não
me acho mais santo do que ninguém para jogar pedra em quem quer que seja. Meu
trabalho persecutório se resume à subsunção de fatos à hipótese legal e não à
desqualificação de Fulano ou Beltrano, que estão passando por uma provação do
destino pelo qual não tive que passar e, por conseguinte, não estou em
condições de julgar espiritualmente.
Faço
um esforço de me colocar mentalmente no lugar deles, para tentar entender
melhor sua conduta e especular sobre como eu teria agido. Talvez nem sempre
mais virtuosamente e algumas vezes, quiçá, mais viciadamente.
Investigados
e réus não são troféus a serem expostos e não são “meliantes” a serem
conduzidos pelas ruas da vila “de baraço e pregão” (apud Livro V das Ordenações
Filipinas). São cidadãos, com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar
os limites do permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.
Fui
surpreendido, em março deste ano, com o honroso convite da senhora Presidenta
democraticamente eleita pelos brasileiros, Dilma Vana Rousseff, para ocupar o
cargo de Ministro de Estado da Justiça.
Imagino
que o Senhor não ficou muito feliz e até recomendou à Doutora Ela Wiecko a não
comparecer a minha posse. Aliás, não colocou nenhum esquema do cerimonial de
seu gabinete para apoiar os colegas que quisessem participar do ato. Os poucos
(e sinceros amigos) que vieram tiveram que se misturar à multidão.
A
esta altura, nosso contato já era parco e não tinha porque fazer “mimimi” para
exigir mais sua atenção. Já estava sentindo que nenhum de nossos compromissos
anteriores a sua posse como procurador-geral estavam mais valendo.
O
Senhor estava só monologando com sua equipe de inquisidores ministeriais
ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo Rodrigo Janot, porque não mais o
procurei como ministro de forma rotineira. Estive com o Senhor duas vezes
apenas, para tratar de assuntos de interesse interinstitucional.
E
quando voltei ao Ministério Público Federal, Doutor Rodrigo Janot, não quis
mais fazer parte de sua equipe, seja atuando no STF, seja como coordenador de
Câmara, como me convidou. Prontamente rejeitei esses convites, porque não tenho
afinidade nenhuma com o que está fazendo à frente da Lava Jato e mesmo dentro
da instituição, beneficiando um grupo de colaboradores em detrimento da grande
maioria de colegas e rezando pela cartilha corporativista ao garantir a
universalidade do auxílio moradia concedida por decisão liminar precária.
Na
crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com risco
pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras contra métodos
de extração de informação utilizados, contra vazamentos ilegais de informações
e gravações, principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida
do governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual pelo
juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o
populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição,
propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem
qualquer necessidade de forma, em “iniciativa popular”.
Nossa
instituição exibe-se, assim, sob a sua liderança, surfando na crise para
adquirir musculatura, mesmo que isso custe caro ao Brasil e aos brasileiros.
Vamos
falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.
A
palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.
O
Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à
atuação do MPF.
Nem
tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada
quando se inicia o último ano de seu mandato.
Mas
depois de tudo que lhe disse aqui para refrescar a memória, o Senhor pode até
me acusar de sincericídio, mas não mais, pois a honestidade (honestitas), que
vem da raiz romana honor, honoris, esta, meu pai, do Sertão do Pajeú, me
ensinou a ter desde pequeno. Nunca me omiti e não me omitirei quando minha
cidadania exige ação.
Procuro
viver com honra e, por isto, honestamente, educando seis filhos a comer em
pratos Duralex, usando talheres Tramontina e bebendo em copo de requeijão, para
serem brasileiros honrados, dando valor à vida simples.
Diferentemente
do Senhor, não fiquei calado diante das diatribes políticas do Senhor Eduardo
Cunha e de seus ex-asseclas, que assaltaram a democracia, expropriando o voto
de 54 milhões de brasileiros, pisoteando-os com seus sapatinhos de couro alemão
importado. Não fui eu que assisti uma Presidenta inocente ser enxovalhada
publicamente como criminosa, não porque cometeu qualquer crime, mas pelo que
representa de avanço social e, também, por ser mulher.
O
Senhor ficou silente, apesar de tudo que conversamos antes de ser chamado a ser
PGR. E ficou aceitando a pilha da turma que incendiava o País com uma
investigação de coleta de prova de controvertido valor.
Eu
sou o que sempre fui, desde menino que militou no Movimento Revolucionário 8 de
Outubro. E o Senhor? Se o Senhor era o que está sendo hoje, sinto-me lesado na
minha boa fé (alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?
“A
Lava Jato é maior que nós”?
Esta
não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor Procurador-Geral da República, é
muito relativo. A Lava Jato pode ser enorme para quem é pequeno, mas não é para
o Senhor, como espero conhecê-lo. Nem pode ser para o seu cargo, que lhe dá a
responsabilidade de ser o defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF)
e, devo-lhe dizer, senti falta de sua atuação questionando a aberta sabotagem à
democracia. Por isso o comparei a Pilatos. Não foi para ofendê-lo, mas porque
preferiu, como ele, lavar as mãos.
Mas
fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo, dei-lhe o que lhe era de direito e o
que me era de dever: lealdade, subordinação e confiança (suum cuique tribuere,
não é?). E, a mim, o Senhor parece também ter dado o que entende ser meu: a
acusação de agir desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a
aceitar a dor como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha
crítica e, depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa.
Um
abraço sincero daquele que esteve anos a fio a seu lado, acreditando consigo
num projeto de um Brasil inclusivo, desenvolvido, economicamente forte e
respeitado no seio das nações, com o ministério público como ativo parceiro
nessa empreitada.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/255149/Ex-ministro-da-Justi%C3%A7a-acusa-Janot-de-trai%C3%A7%C3%A3o.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário