Três
organizações ligadas à defesa dos direitos humanos no Brasil e no mundo
condenaram a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que anulou cinco júris
populares do chamado massacre do Carandiru e a consideraram um "revés da
Justiça".
O
episódio aconteceu em 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos em
uma operação da Polícia Militar na antiga Casa de Detenção do Estado, na zona
norte Osde São Paulo. Os PMs haviam sido
chamados para controlar uma rebelião dos detentos.
Para
as organizações Human Rights Watch, Anistia Internacional e Conectas, a decisão
da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP favorece a impunidade. Na sessão, o relator do
caso, desembargador Ivan Sartori, defendeu a absolvição de todos os 74 réus
alegando que três deles, ao longo dos júris, haviam sido absolvidos. Sartori
também afirmou que não houve "massacre", mas "legítima
defesa". Outros dois desembargadores não aceitaram a tese da absolvição,
mas votaram pela anulação dos júris.
"A
decisão de anular o julgamento dos policiais reforça a tese de que a impunidade
é a regra no Brasil e reflete a falha do Estado em todas as frentes, quando se
trata de investigar e punir abusos cometidos por seus agentes em relação a
abusos, torturas e execuções", declarou a advogada Maria Laura Canineu,
diretora da Human Rights Watch no Brasil.
"Falha
do sistema de Justiça", diz Anistia
Em
nota, a Anistia Internacional considerou que, se confirmada a anulação dos
julgamentos, seria "um enorme revés da Justiça brasileira no caso mais
emblemático de violação de direitos humanos ocorrido no sistema penitenciário
do país".
"Parentes
e sobreviventes esperaram mais de 20 anos pelo julgamento dos autores das 111
mortes ocorridas, o que já mostra uma enorme falha do sistema de Justiça
criminal brasileiro. É muito grave que esse caso corra o risco de ficar impune
e nenhuma autoridade do Estado de São Paulo nem os policiais militares que
participaram da ação sejam responsabilizados", informou a entidade.
Diretor-adjunto
da Conectas, o advogado Marcos Fuchs recebeu a informação com perplexidade.
"A Justiça não está cumprindo seu papel nesse momento", disse.
"O que nos choca é não ter justiça", reforçou.
Fuchs
acompanha o sistema prisional brasileiro e também o do Estado de São Paulo há
mais de dez anos. Para ele, apesar da demora na realização do julgamento, com a
consequente condenação dos policiais, houve ampla defesa dos réus durante as
etapas do julgamento, encerrado em 2014.
"Foram
mortos presos que já estavam dentro de suas celas, alguns com mais de cinco
tiros. Foi um massacre, covarde, desumano e cruel. Foi muito desproporcional o
uso da força [policial] lá. Não existe legítima defesa [por parte dos policiais
militares]", afirma Fuchs, para quem a decisão da 4ª Câmara criminal do TJ
"não é saudável para a democracia e o estado de direito".
O
advogado também considera o fato como muito preocupante. "Passa uma
mensagem de que existe impunidade, de que um policial militar pode entrar em um
estabelecimento penitenciário atirando, pois depois é absolvido, alegando falta
de provas e legítima defesa. Vamos esperar a decisão dos outros dois
desembargadores -- esperamos justiça e uma condenação.
'Frases que
merecem repúdio', critica Pastoral Carcerária
A
Pastoral Carcerária Nacional também lamentou a decisão. Para o advogado Paulo
Malvezzi, assessor jurídico da entidade, que é ligada à Igreja Católica,
"este é só mais um capítulo das injustiças contra presos e seus
familiares".
"A
justificativa do desembargador Sartori [que pediu a absolvição dos PMs
envolvidos nas mortes] contém frases repudiantes. Como é que houve 'legítima
defesa' se muitos foram baleados pelas costas, com tiros na nuca?", ele
questionou.
O
advogado avalia que existe, por parte das entidades públicas, um
"acobertamento de massacres" como o ocorrido no Carandiru e afirma
que muitos dos parentes dos mortos em 1992 continuam sem indenizações do
Estado: "Nada foi feito para que fossem reparados; há um descaso
sistemático dentro do sistema prisional, uma desconsideração com a palavra das
vítimas", avaliou Malvezzi.
Tiros na
cabeça e no pescoço
O
julgamento do massacre foi dividido pelo TJ em cinco júris populares, de acordo
com os andares do pavilhão 9 onde aconteceu o massacre. Em todos eles, os PMs
foram condenados –com absolvição de três policiais, conforme pedido do próprio
MP.
No
júri do terceiro pavimento, por exemplo, em agosto de 2013, a acusação
sustentou, a partir de laudos de necropsia, que ao menos nove em cada dez
presos haviam sido mortos com tiros na cabeça e no pescoço. Além disso, ao
menos sete em cada dez detentos assassinados foram atingidos por munições
diferentes ou com disparos efetuados de trajetórias distintas, conforme a
acusação.
Para
os promotores, tanto os tiros em regiões de cabeça e pescoço como a quantidade
de disparos e a diversidade de munições e trajetórias dos projéteis
identificadas pela perícia seriam provas de que os detentos foram vítimas de
homicídio. A defesa alegou que os PMs agiram em legítima defesa.
Para
defesa dos PMs, houve 'reparação de erro'
Responsável
pela defesa dos PMs em três dos cinco júris, a advogada Ieda Ribeiro de Souza
admitiu hoje ter havido "uma divergência no fundamento jurídico para
anulação". Ela pleiteava a anulação do julgamento, o que poderia levar a
um novo júri. Mas o relator pediu a absolvição de todos os réus. Mesmo assim, a
advogada elogiou a decisão do TJ.
"Houve
a reparação de um erro de julgamento pelo jurado leigo", definiu a
advogada, que adiantou: agora, pedirá a absolvição de todos os PMs no
julgamento dos embargos infringentes –um tipo de recurso --por parte dos cinco
desembargadores da 4ª Câmara do TJ. Segundo ela, porém, isso só deve ser feito
após a publicação da decisão desta terça em acórdão.
O
Ministério Público também vai apresentar recurso, mas ao STF (Supremo Tribunal
Federal) ou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e depois do julgamento dos
embargos da defesa.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/09/27/para-entidades-decisao-do-tj-sobre-juris-do-carandiru-e-reves-da-justica.htm
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