Histórico
ativista da luta contra a ditadura, Pedro Tierra analisa o atual cenário brasileiro
e aponta caminhos.
O
poeta, político e sobrevivente da Ditadura Militar brasileira Hamilton Pereira,
mais conhecido pelo pseudônimo de Pedro Tierra, analisa o atual contexto
nacional e as tarefas que se abrem na política. Discreto, ele era uma das
pessoas que formou o público que recebeu, na noite da quarta-feira (24), a
presidenta eleita Dilma Rousseff, no Teatro dos Bancários, em Brasília (DF).
Nesta
entrevista, ele fala do processo de impeachment da presidenta e diz que caso o
golpe seja consumado, deverá ser um tempo de resistência e de desobediência
civil para que os setores avançados da sociedade se afirmem como defensores da
democracia que está sendo achincalhada e golpeada pelo governo interino de
Michel Temer.
Para
ele, "a resistência será longa e não é uma resistência simples. O governo
usurpador é forte porque não tem que prestar contas a ninguém, porque ninguém o
elegeu e ele vem com toda a ferocidade contra as conquistas dos trabalhadores",
afirma o militante.
Confira a
entrevista.
Brasil
de Fato - Como você observa este momento da vida política de nosso país?
Hamilton
Pereira - Penso que está se fechando um círculo de ferro do patriarcalismo. A
elite brasileira construiu sua riqueza a partir de três pilares: o tráfico
humano das populações africanas, a exploração do trabalho escravo e o monopólio
da terra; isso tudo conduzido ao longo de 500 anos de história por uma
sociedade assentada no patriarcado. O patriarcalismo no Brasil é uma espécie de
impressão digital da sociedade.
O
PT teve a ousadia de, depois de 22 anos de existência, eleger um operário, ou
seja, alguém que escapou completamente da lógica da sociedade patriarcal. Esse
era uma espécie de descendente social dos escravos. Oito anos depois, o PT
ousou o impossível, propôs e elegeu uma mulher; aos olhos da elite brasileira
isso é um crime, isso é insuportável e ela governou por quatro anos. Quando ela
foi eleita mais uma vez, na campanha mais sórdida que a história do Brasil
registra contra uma liderança política, se desatou essa conspiração que se
consumará agora, da maneira mais indigna, da maneira mais falaciosa, da maneira
mais fraudulenta.
O
que ficará para a classe trabalhadora, caso o golpe seja consumado?
Eu
acho que a gente precisa refletir, a sociedade brasileira precisa refletir
muito sobre o que está acontecendo agora. Porque a resistência, a meu juízo,
será longa e não é uma resistência simples. O governo usurpador é forte porque
não tem que prestar contas a ninguém, porque ninguém o elegeu e ele vem com
toda a ferocidade contra as conquistas que os trabalhadores realizaram ao longo
dos últimos 30 anos, desde a Constituição de 88.
Em
segundo lugar, contraditoriamente, é um governo fraco, porque ele quer voltar
para trás a roda da história. Temos hoje um quadro em que todas as iniciativas,
sem exceção, deste governo visam assaltar os direitos conquistados pela
sociedade na democracia, esse é o resumo da ópera.
Nestes
tempos de propagação de discursos de ódio, de preconceito, violência, você
acredita que avançou o conservadorismo na sociedade brasileira?
Dizer
que a sociedade brasileira é conservadora é um mito. A sociedade não é uma
totalidade homogênea, a sociedade é contraditória. Quem é conservadora,
reacionária é a elite brasileira, não é a sociedade brasileira. A sociedade
brasileira elegeu Lula, duas vezes, elegeu Dilma, também duas vezes. Então, não
podemos dizer que a sociedade brasileira é conservadora, temos que mediar. A
elite brasileira não é só conservadora, é escravista também, ela quer 88 horas
de trabalho semanais, como disse o presidente da Confederação Nacional das
Indústrias, e ela tem um apego muito grande à condição colonial que ela está
entregando um bem de imensurável valor, porque ela não acredita que a
tecnologia da Petrobras, que descobriu e explora o pré-sal com benefícios para
a sociedade brasileira, é incapaz de fazê-lo.
Agora,
a classe trabalhadora, os movimentos sociais e a juventude querem avanço, nós
estamos sendo alvo de uma operação gigantesca de restauração, naquele sentido
da Revolução Francesa, daqueles que eram saudosos da monarquia absoluta, aqui
temos os saudosos do regime militar.
Você
disse que o período de resistência será longo, como terá que ser?
Temos
que preparar a sociedade brasileira para grandes campanhas de desobediência
civil. Acho que nós temos que começar a fazer isso e cada um inventa a sua
maneira, como os jovens têm feito nas ocupações das escolas em São Paulo e em
outros lugares do Brasil, por exemplo. Os trabalhadores precisam se organizar
em seus sindicatos. Esse sindicato em que estamos [Teatro dos Bancários] é uma
peça preciosa da resistência à ditadura militar e hoje abre as suas portas a
essa massa de gente que vemos aqui, sinalizando que vai seguir resistindo aos
golpistas e que vai defender a democracia.
Temos
que trabalhar no sentido de tocar nos elementos chaves da produção e da
prestação de serviços, de maneira que as centrais sindicais, associações, todos
os movimentos sociais deem lastro para que a sociedade, os setores avançados da
sociedade se afirmem como defensores da democracia, do retorno à democracia,
porque ela está não apenas sendo achincalhada, ela está sendo golpeada,
interditada, ou seja, o governo interino, interdita a presença do povo
brasileiro na cena política do país.
Flávia
Quirino
Brasília
(DF), 25 de Agosto de 2016
Edição:
Vivian Fernandes
https://www.brasildefato.com.br/2016/08/25/temos-que-preparar-a-sociedade-para-campanhas-de-desobediencia-civil-diz-militante/?referer=bdf_button_twitter
Nenhum comentário:
Postar um comentário