Os
advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua esposa, Marisa
Letícia Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, convocaram
uma coletiva de imprensa no final da tarde desta sexta-feira 26, pouco depois
do indiciamento da Polícia Federal contra o casal e outras três pessoas em
inquérito relacionado ao apartamento no Guarujá, litoral paulista.
Em
nota divulgada posteriormente, os advogados "repudiam veementemente o
indiciamento de seus clientes a partir das apressadas conclusões" do
relatório elaborado pela Polícia Federal. Para a defesa, o documento "tem
caráter e conotação políticos e é, de fato, peça de ficção".
Os
advogados rebatem passo a passo as acusações relacionadas ao imóvel, com
documento, e reforçam ainda que "Lula e D. Marisa não cometeram crimes de
corrupção passiva, falsidade ideológica ou lavagem de capitais", como diz
a PF. Leia mais aqui sobre o indiciamento. Abaixo, a íntegra da nota divulgada
pela defesa:
Relatório
do Delegado Marcio Adriano Anselmo é peça de ficção
Os
advogados do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Marisa
Letícia Lula da Silva repudiam veementemente o indiciamento de seus clientes a
partir das apressadas conclusões do Relatório elaborado em 26/08/2016 pelo
Delegado de Polícia Federal Marcio Adriano Anselmo nos autos do Inquérito
Policial nº1048/2016 (5035204-61.2916.4.04.7000), que tem caráter e conotação
políticos e é, de fato, peça de ficção. Lula e D. Marisa não cometeram crimes
de corrupção passiva (CP, art. 317, caput), falsidade ideológica (CP, art. 299)
ou lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º), como se demonstra a seguir:
1-
Corrupção passiva –
O
ex-Presidente Lula e sua esposa foram indiciados pelo crime de corrupção
passiva (CP, art. 317, caput) sob o argumento de que teriam recebido
"vantagem indevida por parte de JOSE ALDEMÁRIO PINHEIRO FILHO e PAULO
ROBERTO VALENTE GORDILHO, Presidente e Engenheiro da OAS, consistente na
realização de uma reforma no apartamento 174 do Edifício SOLARIS, no GUARUJÁ,
devidamente descritas e avaliadas no laudo pericial nº 375/2016, que apontam
melhorias no imóvel avaliadas em obras (R$ 777.189,13), móveis (R$ 320.000,00)
e eletrodomésticos (R$ 19.257,54), totalizando R$ 1.116.446,37)":
1.1
O imóvel que teria recebido as melhorias, no entanto, é de propriedade da OAS
como não deixa qualquer dúvida o registro no Cartório de Registro de Imóveis (Matricula
104801, do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá), que é um ato dotado de
fé pública. Diz a lei, nesse sentido: "Art. 1.245. Transfere-se entre
vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de
Imóveis". O Relatório não contém um único elemento que possa superar essa
realidade jurídica, revelando-se, portanto, peça de ficção.
1.2.
Confirma ser o Relatório uma obra de ficção o fato de o documento partir da
premissa de que houve a "entrega" do imóvel a Lula sem nenhum
elemento que possa justificar tal afirmação. Aliás, nem mesmo o Delegado que
subscreve o Relatório sabe quando teria ocorrido essa "entrega" que
ele atribui a nosso cliente: "Houve a reforma após a entrega do imóvel,
possivelmente no segundo semestre de 2014" (p. 06).
1.3.
Lula esteve uma única vez no imóvel acompanhado de D. Marisa — para conhecê-lo
e verificarem se tinham interesse na compra. O ex-Presidente e os seus
familiares jamais usaram o imóvel e muito menos exerceram qualquer outro atributo
da propriedade, tal como disposto no art. 1.228, do Código Civil (uso, gozo e
disposição).
1.4.
D. Marisa adquiriu em 2005 uma cota-parte da Cooperativa Habitacional dos
Bancários (Bancoop) que, se fosse quitada, daria direito a um imóvel no Edifício
Mar Cantábrico (nome antigo do hoje Edifício Solaris). Ela fez pagamentos até
2009, quando o empreendimento foi transferido à OAS por uma decisão dos
cooperados, acompanhada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Diante
disso, D. Marisa passou a ter a opção de usar os valores investidos como parte
do pagamento de uma unidade no Edifício Solaris – que seria finalizado pela OAS
— ou receber o valor do investimento de volta, em condições pré-estabelecidas.
Após visitar o Edifício Solaris e verificar que não tinha interesse na
aquisição da unidade 164-A que lhe foi ofertada, ela optou, em 26.11.2015, por
pedir a restituição dos valores investidos. Atualmente, o valor está sendo
cobrado por D. Marisa da Bancoop e da OAS por meio de ação judicial (Autos nº
1076258-69.2016.8.26.0100, em trâmite perante a 34ª. Vara Cível da Comarca de
São Paulo), em fase de citação das rés.
1.5.
Dessa forma, a primeira premissa da autoridade policial para atribuir a Lula e
sua esposa a prática do crime de corrupção passiva — a propriedade do
apartamento 164-A — é inequivocamente falsa, pois tal imóvel não é e jamais foi
de Lula ou de seus familiares. O Relatório sequer enfrenta o assunto.
1.6.
Outro aspecto primário também foi solenemente desprezado pelo Relatório. A corrupção
passiva prevista no art. 317, do Código Penal, é crime próprio, ou seja, exige
a qualidade especial do agente, que é ser funcionário público. Segundo um dos
maiores juristas do País, Nelson Hungria, "A corrupção (...), no seu tipo
central, é a venalidade em torno da função pública, denominando-se passiva
quando se tem em vista a conduta do funcionário público corrompido"
(Comentários ao Código Penal, vol. IX, p. 367). As melhorias descritas no
Relatório teriam ocorrido após 2014. No entanto, Lula não é agente público
desde 1º de janeiro de 2011 e D. Marisa jamais foi funcionária pública. Ou
seja, não há como sequer cogitar da prática criminosa.
2-
Falsidade ideológica –
Lula
foi indiciado pelo crime de falsidade ideológica (CP, art. 299) sob o argumento
de que "atuou na celebração de contrato de prestação de serviço de
armazenamento ideologicamente falso com a GRANERO TRANSPORTES LTDA". A
verdade é que o ex-Presidente não teve participação nessa relação jurídica e,
por isso mesmo, o Relatório não aponta qualquer evidência nesse sentido. O
indiciamento ocorreu apenas sob a premissa de que Lula seria o
"beneficiário direto" do contrato, numa clara imputação de responsabilidade
objetiva que é estranha ao Direito Penal. Ademais, os bens do acervo
presidencial integram o patrimônio cultural brasileiro, são de interesse
público por definição legal (Lei 8394/91) – não se tratando de bens privados de
Lula, mas sim de documentos que a lei exige que sejam conservados.
3- Lavagem
de capitais –
Lula
foi indiciado pelo crime de lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98, art. 1º) sob
o argumento de que teria dissimulado o recebimento de "vantagens
ilícitas" da OAS, que seria "beneficiária direita de esquema de
desvio de recursos no âmbito da PETROBRAS investigado pela Operação Lava
Jato".
3.1.
Para a configuração do crime previsto no art. 1º, da Lei nº 9.613/98, Lula e
sua esposa teriam que ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores "sabendo
serem oriundos, direta ou indiretamente, de crime".
3.2.
Além de o ex-Presidente não ser proprietário do imóvel no Guarujá (SP) onde
teriam ocorrido as "melhorias" pagas pela OAS, não há no Relatório um
único elemento concreto que possa indicar que os recursos utilizados pela
empresa tivessem origem em desvios da Petrobras e, muito menos, que Lula e sua
esposa tivessem conhecimento dessa suposta origem ilícita.
4-
Inquérito oculto –
O
Relatório se refere a um inquérito policial instaurado em 22/07/2016 e que
ficou tramitando de forma oculta — nas "gavetas" das autoridades
envolvidas — até o dia 24/08/2016. Há apenas dois dias, os advogados de Lula
tiveram conhecimento do procedimento, após terem ingressado com Reclamação no
Supremo Tribunal Federal por violação à Súmula 14 (Autos nº 24.975). E somente
foi possível ter conhecimento da existência desse procedimento por erro do
Ministério Público ao peticionar em um inquérito policial que tramitava de
forma pública, para investigar a propriedade dos apartamentos do Edifício
Solaris, e que foi concluído sem imputar ao ex-Presidente ou aos seus
familiares a prática de qualquer ilícito (Autos nº 060/2016).
Conclusão
Os
elementos acima não deixam qualquer dúvida de que:
1.
A peça é uma ficção: o Relatório não parte de fatos, mas, sim, de ilações ou
suposições;
2.
A peça não tem respaldo jurídico: Lula e sua esposa não são proprietários do
imóvel que teria recebido as melhorias; não são funcionários públicos, que é a
premissa do crime de corrupção passiva; Lula não participou da contratação
indicada no Relatório, de forma que o Relatório pretende lhe atribuir a prática
de um crime sem que ele tenha qualquer envolvimento (responsabilidade objetiva,
estranha ao Direito Penal); e, finalmente, Lula e sua esposa não receberam
qualquer bem, valor ou direito da OAS que seja proveniente de desvios da
Petrobras e muito menos tinham conhecimento da suposta origem ilícita desses
valores;
3.
A peça tem motivação política: O Delegado Marcio Adriano Anselmo tem histórico
de ofensas a Lula nas redes sociais e já expressou publicamente sua simpatia
por campo político antagônico ao ex-Presidente. Não se pode aceitar como
coincidência o fato de o Relatório ser apresentado no meio do julgamento do
impeachment da Presidente da República eleita com o apoio de Lula.
Cristiano
Zanin Martins e Roberto Teixeira
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/251961/Lula-relat%C3%B3rio-da-PF-%C3%A9-%E2%80%9Cpe%C3%A7a-de-fic%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D.htm
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