Festa
acabada, músicos a pé, diz conhecido provérbio português. Vencida a quinzena
olímpica e amortecido por horas o complexo de vira-lata, o país, mal refeito da
ressaca cívica, se reencontra com seu drama cotidiano: a degradação da
política, magnificando todos os nossos problemas, expondo nossas misérias sob
lente de aumento.
E
não sem razão – mais uma ironia da história? – seu epicentro se encontra em
Brasília e se instala no Senado Federal onde ínclitos pais-da-pátria como
Cristovam Buarque e Romero Jucá (antigos colegas de Luiz Estevão, Demóstenes
Torres e Delcídio do Amaral) se aprestam a consagrar o defenestramento da
presidente Dilma Rousseff, que, dentre muitas incompatibilidades com o trato
parlamentar, tem a de ser, ou haver sido, pouco indulgente com as vaidades e os
pleitos grandes e pequenos e quase sempre pouco republicanos de nossos Brutus.
A
Câmara Alta está atenta ao clamor dos interesses dos rentistas da avenida
Paulista e suas adjacências; assim, dos capitães do agronegócio voltados para a
renovação anual das anistias de débitos com os bancos oficiais. Seus nervos
sensíveis captam as apreensões das multinacionais ante o risco de o Brasil
persistir em ter para si e seu povo os recursos do pré-sal. Suas antenas
auscultam os sempre atendidos interesses do atraso tão bem representados pela
conjunção formada pelas bancadas da bala, do boi, da bíblia (leia-se
neopentecostais) e dos bancos, afinal vencedores e governantes, após haverem
sido rejeitados, quatro vezes, pela manifestação eleitoral, a única legítima
nas democracias.
Mas
essa tragédia é, tão-só, uma das muitas manifestações da degradação geral que
pervade, como erva daninha, como cupim que lavra madeira de má qualidade, as
instituições que sustentam nossa República sereníssima e nossa jovem e injusta
democracia. Não se trata, pois, de simples acaso o encontro da decomposição
ética, política e representativa do Poder Legislativo (de que é simbólico o
fato de o presidente da Câmara Federal haver sido, até bem pouco tempo, o ainda
deputado Eduardo Cunha), com a degradação do Poder Executivo, chefiado por um
politico sem voto e sem honra de que se despedem todos os perjuros.
Grita
em manchete de primeira página a Folha de S. Paulo do dia 25 deste agosto, data
de instalação do justiçamento da presidente Dilma: “Temer diz ter votos para o
impeachment” e o novo presidente da Câmara dos Deputados, áulico do titular
afastado por corrupção, anuncia o adiamento do julgamento do correntista suíço,
que assim vai fugindo do processo que visa à cassação de seu mandato.
Os
poderes degradados se abraçam ao Poder Judiciário, de cuja decadência (que a
todos deve assustar) fala alto a lamentável circunstância de seu mais notório e
destacado membro (ministro do STF e presidente do TSE) ser useiro e vezeiro em
agredir o Código de Ética da Magistratura, pertinaz na antecipação de
julgamento de processos, notório serviçal de uma sigla partidária, empresário
conhecido do ensino privado-comercial. É o mesmo Mendes que reteve por quase
dois anos decisão do STF sobre a proibição do financiamento empresarial das
campanhas eleitorais, que defende com unhas e dentes. É o mesmo que condena a
chamada ‘lei da ficha limpa’ que o Tribunal que em má hora preside terá de
fazer respeitada.
Trata-se,
o Judiciário, de poder que não julga, que abriu mão da isenção e da
imparcialidade, amante dos altos salários, dos convescotes e das vilegiaturas.
Esse poder Judiciário, desde os Moros ao ministro Mendes, está assumidamente a
serviço da sociedade de classe e nela é instrumento de uma fração da classe
dominante, esta que, à margem da soberania popular, está prestes a
consolidar-se como senhora da República.
Entre
os poderes, como se fosse um deles, planeta solitário em seu próprio e
imaginário sistema, circunavega o Ministério Público, esse exótico ‘quarto
poder’ (como a mídia monopolizada), reinante numa ordem constitucional que só conhece
três.
Talvez
seja este o momento mais crucial dessa crise que vem de longe, pois não há
esperança de boa saúde para uma sociedade sem Poder Judiciário confiável.
Este
último traço salta à vista na série de irregularidades que vieram à tona com o
vazamento, para a mídia de sempre, para a revisa de sempre, de uma pré-delação
premiada ditada para membros do MPF, em termos e sob condições desconhecidas,
por um empreiteiro interessado em trocar anos de prisão por denúncias contra
quem quer que seja. Desse vazamento resultou a resposta encrespada do líder do
STF e, no mesmo e lamentável tom, a resposta do chefe do MPF, falando para seu
público interno, e tomando suas dores.
Por
que a gritaria de hoje?
Desses
vazamentos, dos vazamentos passados, são, reconhecidamente, responsáveis ora
membros inominados do MPF, ora agentes da Polícia Federal, ora mesmo juízes de
direito, como o notório Sérgio Moro, este agindo principalmente no episódio do
grampo criminoso que registrou diálogos entre a presidente Dilma e o
ex-presidente Lula e, ainda criminosamente vazados, repito, pelo juiz Sérgio
Moro.
É
justificada a estranheza diante da inesperada sensibilidade de ministro e
procuradores. Ora, desde seu primeiro dia, a Operação Lava Jato é cediça no
vazamento selecionado de delações, que violenta direitos. Até aqui sob os
aplausos da mídia, o silêncio do Conselho Nacional de Justiça (e por silente,
cúmplice), a omissão do Conselho Nacional do Ministério Público. Não há
registro de qualquer iniciativa, seja do STF, seja do MPF para apurar essas
irregularidades que alimentam os escândalos e movem a Lava Jato e seus
justiceiros que tudo se permitem porque se dizem e se julgam portadores de uma
missão divina: salvar o país da corrupção.
Essa
é, porém, história passada. Pois, não mais que de repente, o STF se viu cobrado
em seus brios e o procurador Rodrigo Janot partiu em defesa de seus colegas de
corporativismo. Foram todos para a mídia (em busca de seus minutos, horas, dias
de vedetes), a grande imprensa que deles se alimenta cevando as vaidades de
quem deveria preservar a imagem das instituições que simbolizam, e – praz aos
céus! –, trocaram mútuas e graves acusações. Acusações com as quais,
lamentavelmente, somos levados a concordar.
Qual
fato novo a justificar a algaravia dos príncipes? O vazamento atinge um membro
da Suprema Corte e, pior!, trata-se, a vítima, de querido pupilo do ministro
Mendes! O ministro-protetor, assim testado em seus brios, deu vaza à sua
reconhecida incontinência verbal, e os jornalões escancararam as portas já
abertas de suas páginas explorando o escândalo: o líder da direta no STF
dirigiu suas baterias contra o MPF e os procuradores, contra a Lava-Jato,
contra a ‘lei da ficha limpa’, contra a delação premiada e, evidentemente,
contra os vazamentos.
Há
informações de acusados sendo orientados a dirigir o depoimento contra notórios
desafetos do situacionismo de hoje como condição, para celebração de acordos, e
o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (FSP. 24.08.16) refere-se a
indicações de que investigadores não raro pedem para que sejam mencionadas
pessoas do Poder Judiciário em depoimentos.
O
que se discute à margem da reação naturalmente destemperada do ministro Mendes
é a indignação seletiva. Como pôr na mesma balança o silêncio conivente de
ontem com a reação emocional de hoje? Por que o silêncio conivente quando as
vitimas são o ex-presidente Lula e seus correligionários ou pessoas próximas?
Por que o silêncio diante dos vazamentos anteriores, por definição ilegais e
moralmente covardes? Por que, por exemplo, o silêncio diante dos vazamentos das
delações de Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral? Por que o
aplauso ao juiz Moro quando do vazamento do grampo criminoso que atingia a
presidente Dilma e o ex-presidente Lula?
O
procurador Janot, pego de calça-curta no episódio, atribui o vazamento ao
próprio depoente, o que é inverossímil, pois o vazamento pode interessar a
muitos, mas inequivocamente não interessa ao delator, e, agora, intempestivo,
resolve, suspender a delação do empresário. Na verdade, esse Léo Pinheiro, o
dono da famosa empreiteira OAS, foi defenestrado porque não disse o que os
procuradores queriam ouvir. E, silenciado, não poderá falar sobre aqueles que
os procuradores não querem que fale.
Por
que, para pelo menos limpar a imagem de parcialidade, não apurar todas as
delações até aqui?
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/robertoamaral/251822/Os-sujos-e-os-mal-lavados.htm
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