Em
mais um episódio onde os brasileiros dependem da imprensa internacional para
ouvir, sem edições ou cortes, o que dizem os líderes políticos deste país, a
BBC publica hoje uma longa entrevista com Lula, que merece análise em diversos
pontos.
Mas
é, sem dúvidas, o que ele espera da ida de Dilma à sessão de julgamento do
impeachment no Senado aquilo que mais chama a atenção.
Vai
ser um momento importante, um momento histórico porque a presidenta vai ao
Senado se expor. Ela corajosamente vai se colocar diante de seus acusadores
para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela.(…)
É
uma mulher de coragem se expor diante de 81 senadores e ouvir de cada um, olho
no olho de cada um, a acusação e poder, olho no olho, se defender.
Eu
quero saber como os senadores vão voltar para casa e olhar para suas mulheres,
filhos, netos. Eles vão ter que reconhecer que ilegalmente eles afastaram uma
pessoa eleita nesse país.
Lula,
apesar das declarações de esperança numa reversão, acredita que o julgamento é
outro, bem diferente do de cartas marcadas que se passará ali.
A
história não julga na mesma semana. Às vezes a história demora séculos para
julgar e eu trabalho com isso. A história não termina dia 29. Ela começa dia
29.
Lula
diz que Dilma vai se expor a
‘Judas’no
Senado: ‘História muitas
vezes
demora séculos para julgar’
Entrevista
a Júlia Dias Carneiro, da BBC
BBC
Brasil: O senhor é agora réu em processo por tentativa de obstrução da Justiça
nas investigações de corrupção na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê de
Direitos Humanos das Nações Unidas. Por que o senhor decidiu recorrer a essa
instância internacional?
Luiz
Inácio Lula da Silva: Tem uma coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você tem
uma investigação, eu sou vítima de acusações em que você não tem uma única
prova.
Eu
penso que os procuradores e os delegados que acusaram estão com uma dificuldade
muito grande, e a imprensa numa dificuldade maior, porque como eles mentiram
muito tempo a respeito das acusações, em algum momento isso vai vir à tona,
eles vão ter que provar se procede alguma das coisas que eles me acusaram.
Por
falta de prova, eles começaram a preparar um discurso, que você deve conhecer
bem, que é a teoria do domínio do fato. Ou seja, se o Lula é presidente, ele
deveria saber. Não existe essa de você julgar em tese. Ou você prova ou não
prova. Ou você pede desculpa ou não pede desculpa.
E
eu não quero nada, só quero que peçam desculpas pelas mentiras que contaram a
meu respeito. Nós temos uma força-tarefa nesse processo. Que envolve um juiz,
procurador e Polícia Federal. Então, você não sabe quem investiga, quem acusa e
quem vai julgar. Uma mistura, todo mundo faz tudo.
Então,
nós entramos com um processo no escritório da ONU em Genebra para que a gente
mostre que há, no mínimo, uma certa suspeição no comportamento, ou seja, as
pessoas querem transformar uma mentira que eles inventaram num processo.
Estão
procurando razões para justificar o processo. Eu estou tranquilo, tenho
consciência do meu papel nessa história toda, estou tranquilo porque eles
inventaram que eu tenho um apartamento e vão ter que provar que o apartamento é
meu, ou me dar um apartamento.
Disseram
que eu tenho uma chácara que eu frequentava, e a chácara não é minha, a chácara
tem dono, foi pago com cheque administrativo, e acho que em algum momento eles
vão ter que dizer: “Olha, presidente Lula, desculpa, pensávamos que tinha, mas
não tem”.
A
imprensa mentiu muito e não sei se a imprensa vai ter caráter para pedir
desculpas. É por isso que eu recorri a uma instância das Nações Unidas para ver
se existe pelo menos um comportamento exemplar de uma Justiça a serviço da
justiça.
BBC
Brasil: O que o senhor acha que a ONU pode trazer de efeitos concretos aqui no
Brasil?
Lula:
Eu não sei se pode trazer efeito concreto. O que eu acho é que pode haver um
debate. E esse debate já começou por advogados, sindicalistas e políticos de outros
países. E pela imprensa. Se não fosse a imprensa estrangeira cobrir com uma
certa isenção e autonomia o impeachment da presidente Dilma, a versão da
imprensa brasileira é um horror.
Porque
a versão da imprensa brasileira, ela não quer saber da verdade, ela sabe que a
Dilma não tem culpa, sabe que a Dilma está sendo cassada politicamente e não
cometeu nenhum crime, mas finge que não sabe.
Então
graças a Deus, foi através da imprensa estrangeira que a gente conseguiu fazer
com que líderes importantes no mundo inteiro se dessem conta de que o país está
rasgando a sua Constituição, está rompendo com a nossa democracia incipiente. É
isso que eu quero, que haja um debate no mundo sobre o que está acontecendo no
Brasil.
BBC
Brasil: O senhor tem falado muito em uma caça às bruxas, mas por outro lado o
senhor tem enfrentado alegações muito sérias, que precisam ser investigadas.
Lula:
Nenhum presidente na história desse país fez o que a presidenta Dilma e eu
fizemos para dotar o Estado de instrumentos de combate à corrupção. Se você
perguntar para qualquer procurador qual foi o governo que mais criou condições
para autonomia do Ministério Público, eles vão dizer que foi o PT.
Se
você perguntar para qualquer delegado qual foi o partido que mais investiu na
PF, que mais investiu na inteligência da PF, eles vão dizer que foi o PT. Se
você perguntar quem fez as maiores transformações na legislação, inclusive com
a lei da delação premiada, foi PT que fez, numa demonstração que o PT entende
que a lei é para todos, e que ninguém está livre de qualquer investigação.
O
que não queremos e não poderemos aceitar é que as pessoas façam um pacto com a
imprensa, contem mentiras para a imprensa, ou a imprensa conte mentiras para
eles, porque tanto a imprensa serve alguns procuradores como os procuradores
servem à imprensa, tanto o delegado serve à imprensa quanto a imprensa serve ao
delegado. É uma alimentação mútua na perspectiva de criar fato consumado.
Eu
não acho isso um comportamento inteligente da Justiça. Um comportamento
inteligente é aquele que você investiga, você prova, você acusa julga, e
condena. Um julgamento que não é inteligente, você faz um pacto com a imprensa,
a imprensa faz a manchete de jornal, ela vai te criminalizando junto à opinião
pública sem nenhuma prova. Depois de dez acusações em horário nobre na televisão
ou na primeira página dos jornais, você, mesmo inocente, estará condenado
dentro da opinião pública.
BBC
Brasil: O senhor tem dado indicações de que poderia voltar a se candidatar, mas
as pesquisas mais recentes mostram que esta bem atrás daquela popularidade lá
em cima de alguns anos atrás, e isso tem a ver com todas as acusações de
corrupção que vem afetando tanto o PT como o senhor. Como o senhor reage a
isso?
Lula:
Olha, primeiro eu reajo com muita naturalidade, ou seja, estou há praticamente
seis anos fora da política, até por respeito à presidenta Dilma, que acho que
ela tinha que ter liberdade para governar o país. Então é normal que a pesquisa
não seja mais a pesquisa do ano que eu saí da Presidência, com 87% de “bom e
ótimo”.
Mas
tenho clareza de que na hora que a gente começar a debater neste país, que a
gente começar a mostrar o que o PT fez nesse país, da diferença do governo do
PT com os governos do passado, eu tenho certeza que o povo vai se lembrar que o
que o PT trouxe em 12 anos de benefício para esse povo – com educação, saúde,
trabalho, politica agrícola – eles não fizeram em 200 anos.
Então
eu estou tranquilo que eles não vão conseguir nem criminalizar o PT, e muito
menos criminalizar o Lula. É preciso que a verdade venha à tona e é isso que
estamos buscando, que o Judiciário tenha liberdade, que o Ministério Público
tenha liberdade, e defendo a tese de que toda instituição, quando ela é forte,
ela tem que ser séria.
Os
que representam aquela instituição têm que ser sérios, não podem brincar, não
podem mentir. E hoje o que a gente percebe são pessoas se colocando a serviço
de uma revista, de um jornal. Muitas vezes a imprensa recebe o relatório antes
do advogado de defesa. Isso não é inteligência, é brincar com o direito que todo
cidadão tem de ser respeitado pela lei, de ser investigado corretamente, de ser
julgado corretamente. É para isso que brigo, é por isso que mudei leis neste
país, é por isso que a Dilma mudou leis.
Você
veja, é tão grave o que esta acontecendo no Brasil que mesmo os 81 senadores,
sabendo que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime contra a Constituição,
eles resolveram cassá-la politicamente por interesse.
Ou
seja, na medida em que a economia não estava bem, na medida em que a pesquisa
não estava ajudando a presidente Dilma, eles resolveram dar um golpe político,
um golpe parlamentar. Imagina se isso prevalece no mundo inteiro. Cada vez que
um governante baixa na pesquisa, a gente manda derrubar o governante.
Na
verdade, não foi a Dilma que foi cassada, o que está sendo cassado é o voto de
54 milhões de brasileiros que votaram na Dilma. E amanhã os senadores vão ter
que prestar conta aos eleitores, aos seus filhos e netos. Porque eles não
querem ser chamados de golpistas, mas o que fizeram foi dar um golpe na
Constituição e dar um golpe parlamentar contra uma presidenta democraticamente
eleita pelo povo brasileiro.
BBC
Brasil: O senhor tem usado a expressão golpe para falar do que está se passando
com a presidente Dilma Rousseff mas o senhor também viveu o golpe militar.
Pode-se usar a mesma expressão?
Dá.
Da mesma forma como usamos a palavra golpe militar porque foi um golpe militar
em 31 de março de 64, e naquele tempo a gente vivia tempo de Guerra Fria, havia
acusação de que o comunismo ia tomar conta do Brasil, então os militares e os
conservadores desse país deram um golpe para evitar a ascensão da esquerda
neste país. Agora não tem essa razão. O comunismo já não amedronta mais. Não
tem a Guerra Fria.
Por
que o golpe na Dilma? Não foi o golpe militar. Foi um golpe parlamentar. Uma
maioria eventual se juntou para tirar a presidente dilma da Presidência da
Republica. Uma maioria no Senado e uma maioria na Câmara resolveram afastar a
presidenta. O que é um absurdo.
As
pessoas que estão fazendo isso não querem que a gente fale golpe, porque diz
que é feio, que não é golpe militar. O presidente interino (Michel Temer) é
constitucionalista. E ele sabe que o que eles estão fazendo é ilegal, porque a
Dilma não cometeu crime e segundo porque é um golpe parlamentar.
BBC
Brasil: O que isso representa para o legado do PT depois de tantos anos, porque
este período está terminando com um quadro bastante ruim, com recessão,
inflação, desemprego aumentando e com a presidente saindo desta forma, com o
impeachment. O senhor tem alguma responsabilidade nesta situação?
Lula:
Olha, se fossem tirar os governantes do mundo hoje por conta de crise
econômica, por conta do desemprego, não tinha um governo no mundo. Já tinham
caído todos. O governo inglês, americano, alemão, italiano, francês, chinês.
Porque a crise é geral. E é uma crise causada pela irresponsabilidade do
sistema financeiro que começou com o problema habitacional americano, o
subprime, e terminou com queda do (banco) Lehman Brothers. A partir daí todos
os países entraram em crise.
Quando
fizemos o G20 em Londres, em 2009, nós decidimos que, para evitar uma crise
econômica muito grande, era necessário não adotar políticas protecionistas e
aumentar o comércio exterior para poder gerar mais emprego para as pessoas. Foi
feito exatamente o contrário. Cada país tentou se proteger, a crise aumentou e
90% dos países ainda não resolveram seus problemas.
Aqui
no Brasil a gente poderia não estar em crise. A gente poderia não estar na
situação em que a gente está, porque poderíamos ter tomado decisões mais
rápidas. Mas não tomamos. Agora, não é uma coisa do Brasil. Mas se a Dilma está
se afastando não é por uma questão econômica. É porque uma parte da elite
política e econômica desse país não admite a ascensão social dos mais pobres.
Os
mais pobres subiram um degrau na escada social. E isso já começou a incomodar,
porque muito pobre começou a andar de avião, ir a restaurante, comprar coisa
que era só de 30% da população. Pobre na universidade, nós colocamos em
universidade mais jovens na universidade que 100 anos de conservadores, criamos
em 12 anos quatro vezes mais escolas técnicas do que eles criaram em 100 anos.
BBC
Brasil: Mas essa parcela mais pobre da população que teve ascensão social
também está sofrendo com a recessão. E é difícil argumentar que é uma crise
global porque a situação do Brasil no momento está pior do que em outros
países.
Lula:
Onde é que o crescimento foi retomado? Estados Unidos, muito menos do que se
imaginava, na Europa, muito menos do que se esperava. A crise no Brasil chegou
por último. Alguns anos depois que chegou nos EUA e na Europa. O que que eu
acho que o Brasil deveria ter feito? O Brasil tem um mercado interno
extraordinário. São 204 milhões de pessoas.
E
defendo a ideia de que os pobres nesse país, toda vez que está em crise, os
pobres são a solução. Basta que a gente permita que o pobre receba o crédito
necessário para poder consumir alguma coisa, e que a gente faça investimentos
necessários em infraestrutura, de que o Brasil tanto precisa. Isso não foi
feito e a gente está pagando o preço por isso.
E
o Brasil vai sair da recessão, todos os países vão sair. E o que vai fazer o
país sair da recessão é investimento, consumo e produção. E isso está
diminuindo em tudo que é lugar. O que nós temos que admitir é que só para
resolver o problema do sistema financeiro já foram gastos mais de US$ 13
trilhões, e ainda não resolveu. Se esses US$ 13 trilhões fossem colocados para
financiar desenvolvimento nos países pobres, a gente não teria essa crise durante
o tanto que durou.
BBC
Brasil: Como isso deixa o legado do seu governo? Um pouco atrás estava se
falando no Brasil como superpotência econômica e agora a realidade é totalmente
outra, a recessão no pior nível das últimas décadas. O que isso representa para
o legado dos 13 anos do governo do PT?
Lula:
Primeiro nós temos que ter em conta o que aconteceu até 2014. Até 2014, esse
país tinha gerado 22 milhões de empregos formais, enquanto na Europa tinha 100
milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Até 2014, todas as categorias
tiveram reajuste salarial acima da inflação. Até 2014, a massa salarial
brasileira crescia muito e o desemprego era de apenas 4,7%, igual a Dinamarca,
Suécia, Noruega, menos do que outros países europeus grandes.
Então
o que aconteceu a partir de 2014 foi isso. É que a presidenta se deu conta de
que o Orçamento tinha diminuído porque ela fez R$ 500 bilhões de desoneração,
ou seja, para manter a economia crescendo.
De
repente, a presidenta demorou ou não percebeu que estava entrando menos
dinheiro no caixa e ela foi obrigada a fazer uma proposta de ajuste.
Essa
proposta de ajuste foi para a Câmara. Ao invés do presidente da Câmara (Eduardo
Cunha) colocar em votação, ele começou a apresentar pautas aumentando cada vez
mais o gasto, contrário àquilo que a presidente deveria fazer.
Foi
se perdendo a confiança. Os empresários não investiam, o Estado perdeu
capacidade de investimento e nós chegamos a isso.
Eu
sou muito otimista com relação ao Brasil. Quando fui em 2009 a Copenhague para
conquistar as Olimpíadas, a gente defendia que o Brasil chegaria em 2016 sendo
a quinta economia mundial. Nós tínhamos passado a Inglaterra naquele tempo, nós
já éramos uma economia mais rica do que a Inglaterra.
Esse
país é muito grande. Não sei se eu sou excessivamente otimista, mas eu
sinceramente acho que é muito fácil fazer o Brasil voltar a crescer. É muito
fácil.
O
que precisa é acreditar no Brasil e acreditar que nossa solução está aqui
dentro, confiando no povo brasileiro e fazendo esse país voltar a acreditar em
si próprio como fizemos nos últimos 12 anos.
Não
dá para a gente ficar dependendo apenas da economia mundial. Nós temos um
potencial interno muito grande, um mercado interno muito forte e um povo
precisando de muita coisa.
Portanto,
é preciso a gente pensar outra vez que o pobre pode ser a solução do nosso
país, e não o problema.
BBC
Brasil: O seu partido vem dizendo que a situação econômica irá se deteriorar se
o presidente interino, Michel Temer, ficar no mandato. Então o recado para
investidores é que se a situação for essa é melhor se afastar do país?
Lula:
Pelo contrário. Quando eu fui eleito, em 2002, você sabe o que os economistas e
os especialistas diziam? Que o país não tinha jeito. Que o país estava
quebrado. Que eu não ia conseguir governar o Brasil.
E
o Brasil se recuperou, pagou a sua dívida com o Fundo Monetário Internacional.
O Brasil é o único país do G20 que fez superávit primário todo ano.
Quando
as pessoas falarem para você que o Brasil tem uma dívida pública alta, você
lembre às pessoas que a Alemanha tem mais do que o Brasil, que os Estados
Unidos em 2007 tinham 64,8% de dívida pública em relação ao PIB e hoje tem
107%.
E
por que aumentou a dívida pública? Para poder fazer a economia crescer.
BBC
Brasil: A grande questão é que isso foi longe demais e será muito difícil
trazer de volta o equilíbrio econômico.
Lula:
É nada. Não é difícil não. Eu, sinceramente, não vou ficar fazendo profecias
aqui porque eu vou esperar o que acontece lá. Não é difícil.
Eu
acho que tem uma palavra mágica, que vale para qualquer país do mundo, que é
credibilidade. É preciso recuperar a credibilidade do país no próprio país. E o
importante é fazer que o povo acredite que as coisas vão acontecer. Se o
sistema financeiro não tem crédito, se os empresários não confiam na política,
se o Estado não tem dinheiro para investir, não tem como acontecer um milagre.
Nós
precisamos recuperar a capacidade do Estado de investir, a confiança para o
sistema financeiro fazer crédito e do empresário para investir. E isso nós já
fizemos. É possível fazer.
Quando
você tem uma crise no país, a política existe para isso. O problema não é
técnico. Se fosse técnico, eu iria na melhor universidade da Inglaterra, nos
EUA ou na Alemanha, pegaria os dez melhores economistas do mundo e colocaria
aqui. Mas não vai acontecer, sabe por que? Porque a decisão é política.
BBC
Brasil: O senhor está falando de credibilidade, mas o problema é que para o PT
é um momento de muito descrédito por causa de todos os escândalos de corrupção
e investigações em andamento. O senhor acha que é o momento de fazer algum
pedido de desculpas?
Lula:
Eu não. Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando acusações. Eu vou
te dar um dado impressionante. Você sabe qual era a preferência eleitoral do PT
em 2002, quando fui eleito presidente da República? 11%. Você sabe qual é a
credibilidade do PT e a preferência eleitoral em 2016? 12%. É o dobro do PSDB.
O dobro do PMDB.
Significa
que o PT continua sendo o partido de maior credibilidade eleitoral mesmo depois
de sete anos de massacre. Sabe por quê? Porque nós temos história. E temos
vínculo com a sociedade com nenhum outro partido teve. Obviamente, eu defendo a
tese de que toda denúncia de corrupção seja apurada ao limite máximo e que as
pessoas envolvidas sejam condenadas. É isso que eu espero do Brasil.
É
por isso que nós criamos leis. É por isso que nós aperfeiçoamos o sistema de
investigação no Brasil. O que nós queremos é que as pessoas tenham o direito de
se defender. E queremos que as pessoas não sejam condenadas pelas manchetes de
jornais.
Se
um jornal inglês fizer cinco manchetes dizendo que você é corrupta, mesmo você
sendo absolvida pela Justiça, você está condenada diante da sociedade. É isso
que está acontecendo no Brasil. O que menos importa é a investigação. O que
mais importa é a especulação.
BBC
Brasil: Do jeito que as coisas estão caminhando, o senhor tem medo de ser
preso?
Lula:
Não. Não tenho medo de ser preso. Tenho a consciência de que eles não têm
acusação, da minha inocência. Vamos aguardar com a maior tranquilidade
possível.
Eu
não sou o primeiro ser humano a ser vítima de um processo de calúnia e não
serei o último. A história da humanidade está cheia desse tipo de processo. Eu
só encontro uma explicação para tentarem fazer o que estão fazendo comigo: é
tentar tirar o Lula da vida política desse país. Eu que fiz tão bem.
A
coisa é tão grave que todo mundo sabe o esforço que eu fiz para trazer essa
Olimpíada para o Brasil. E no dia da inauguração da Olimpíada eu me senti como
o menino do filme Esqueceram de Mim. Ou seja, eu não estava presente numa festa
em que fui responsável dela vir para cá.
Você
pergunta se eu tenho lamentações, frustrações. Eu não tenho porque eu acho que
política você não deve fazer esperando agradecimento. A gente faz política
porque a gente acredita, faz política por convicção e eu tenho consciência de
que vai demorar muito para um governante, um partido, construir um legado como
o PT construiu aqui no Brasil.
Porque
ninguém nunca cuidou tanto dos pobres desse país como nós cuidamos. Não é só
cuidar materialmente, de melhorar qualidade de vida. É cuidar da autoestima
desse povo. É acabar com esse complexo de vira-lata. O Brasil passou a ser
importante no mundo, interlocutor, protagonista.
Porque
eu aprendi desde pequeno que ninguém respeita quem não se respeita. E eu
aprendi a me respeitar desde muito cedo.
BBC
Brasil: O senhor acha que dá para ignorar o fato de que a situação agora é
totalmente diferente de cinco anos atrás, quando era um momento de otimismo no
Brasil? São dois momentos muito diferentes. O legado se perdeu?
Lula:
É como se uma pessoa com boa saúde, ficasse doente e perdesse a esperança que
fosse ficar boa outra vez. Até hoje o mundo se lembra do New Deal feito por
(pelo presidente americano Franklin) Roosevelt e já faz quanto tempo? Foi na
década de 1930. E todo mundo lembra. Aquilo que é bom as pessoas vão lembrar a
vida inteira.
Alguém
pode querer que as pessoas esqueçam, mas esse país um dia acreditou que era
possível ser diferente e o povo sabe disso.
BBC
Brasil: Neste caso o problema é que começou com uma esperança de que havia um
futuro promissor e a coisa não se realizou.
Lula:
Tem dia que a gente levanta muito bem de saúde e daqui a pouco tem um infarto.
Não significa que a vida acabou. Você vai para o hospital, você volta e a luta
continua.
O
Brasil tem potencial econômico, um povo que gosta de trabalhar, fronteira com
12 países, é um país que estabeleceu relações comerciais com o mundo inteiro.
Na minha opinião é fácil o Brasil se recuperar.
BBC
Brasil: Qual o legado planejado que as Olimpíadas trariam para o Rio durante o
planejamento e como você acha que está no momento atual?
Lula:
Você não briga para trazer uma Olimpíada e resolver os problemas sociais do
país. Você briga para trazer uma Olimpíada para fazer uma disputa esportiva e
mostrar o seu país ao mundo e deixar como legado tudo o que você gastou com as
Olimpíadas.
E
obviamente que o Rio de Janeiro está muito mais bonito, com muito mais metrô,
com uma cara mais limpa, vai ficar muito melhor.
Resolveu
todos os problemas? Não. Mas não era para isso. Nós não estamos fazendo as
Olimpíadas de restauração do bem-estar social.
Eu
tenho certeza que o mundo viu o Rio de Janeiro como nunca em 500 anos. Um povo
extraordinário, alegre, simpático. As praças esportivas melhores do que em
qualquer país do mundo, Atlanta, Berlim.
Fui
à China e as nossas praças esportivas estão muito mais bonitas. Nós somos
capazes.
E
isso é o mais importante. Que depois das Olimpíadas o povo vai ter transporte
melhor, praças melhores, obras extraordinárias, espeço público para eles.
Eu
sinceramente acho que ganhamos as Olimpíadas porque a gente estava em um
momento de ascensão econômica e política, e porque a crise nos Estados Unidos
estava maior do que no Brasil. A crise na Espanha era pior do que no Brasil e
nós fomos mais convincentes.
E
acho que dificilmente algum país vai conseguir apresentar uma proposta como a
do Brasil porque era 100% paixão, 100% alma e 100% razão.
Lamentavelmente
os resultados, tanto na Copa do Mundo contra a Alemanha e agora nas Olimpíadas,
não são aquilo que a gente esperava, mas eu te confesso uma coisa. Eu faria
tudo outra vez. Iria chorar, conquistar a Olimpíada e participar.
BBC
Brasil: Com a situação que está hoje, o senhor se preocupa com o país no
próximo ano?
Lula:
Eu me preocupo todo dia com o Brasil. Eu acho que a gente nesse instante de
crise tem que pensar como sair da crise, não ficar discutindo a crise.
Eu
dizia, no G20 de 2009, que o problema da crise era a falta de lideranças
políticas para decidir politicamente o que tinha que ser feito. E eu acho que
aqui no Brasil a gente poderia ter saído da crise mais rápido.
Quando
você demora para tomar uma decisão, pode virar um século. Nós demoramos, o
Congresso quis prejudicar a presidenta. A presidenta e o governo exageraram na
política de desoneração.
É
uma lição. A nossa briga agora é para não permitir que os trabalhadores percam
aquilo que conquistaram nos bons períodos do país. Aumento de salário,
programas sociais que não permitiram que a miséria voltasse.
Lamentavelmente,
nós estamos com o desemprego crescendo e isso é muito ruim. O emprego é uma
coisa que dá cidadania ao ser humano. O ser humano, se tem emprego, saúde e
salário, ele está muito bem.
Eu
torço para o Brasil ficar bem em qualquer momento. Porque se o Brasil estiver
mal, eu também estou mal. Se o Brasil for mal, o povo vai sofrer.
Primeiro,
eu estou torcendo para dia 29 o Congresso não afastar a Dilma. Eu tenho
esperança. Eu sou um homem de muita esperança.
Vai
ser um momento importante, um momento histórico porque a presidenta vai ao
Senado se expor. Ela corajosamente vai se colocar diante de seus acusadores
para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela.
E
ela vai tentar mostrar para eles o erro que estão cometendo. Se a Dilma não
conseguir convencer os 28 senadores (número necessário para evitar o
impeachment), ela vai estar fazendo um gesto histórico neste país.
É
uma mulher de coragem se expor diante de 81 senadores e ouvir de cada um, olho
no olho de cada um, a acusação e poder, olho no olho, se defender.
Eu
quero saber como os senadores vão voltar para casa e olhar para suas mulheres,
filhos, netos. Eles vão ter que reconhecer que ilegalmente eles afastaram uma
pessoa eleita nesse país.
E
a história não julga na mesma semana. Às vezes a história demora séculos para
julgar e eu trabalho com isso.
A
história não termina dia 29. Ela começa dia 29
http://www.tijolaco.com.br/blog/lula-bbc-dilma-vai-enfrentar-seus-judas/
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