O
déficit da Previdência é um mito. Da Assembleia Nacional Constituinte, nos anos
1980, aos dias atuais, setores detentores de riqueza do país desenvolvem ativa
campanha difamatória e ideológica orientada para demonizar a Seguridade Social
e, especialmente, o seu segmento da Previdência Social (a Seguridade Social
compreende, ainda, a Saúde e a Assistência Social). Há um esforço dessas elites
em comprovar a inviabilidade financeira da Previdência, cujo gasto equivale a
8% do PIB, para justificar nova etapa de retrocesso em direitos garantidos pela
Constituição de 1988.
De
acordo com nossa Carta, a Seguridade Social deve ser financiada pelo Orçamento
da Seguridade Social (artigos 194 e 195), um conjunto de fontes próprias e
exclusivas: as contribuições sociais pagas pelas empresas sobre a folha de
salários, o faturamento e lucro; e as contribuições pagas pelos trabalhadores
sobre seus rendimentos do trabalho. Além disso, há a contribuição do governo,
por meio de impostos gerais pagos por toda a sociedade. Entre esses impostos,
destacam-se as contribuições sobre o faturamento (Cofins) e sobre o lucro
líquido (CSLL), criadas também em 1988 para que o Estado integralizasse sua
parte.
Mas
a Constituição não inventou a roda. Essas definições seguem a experiência
internacional. Com o Orçamento da Seguridade Social, os constituintes
estabeleceram o mecanismo de financiamento tripartite clássico (trabalhador,
empresa e governo) dos regimes do Welfare State. Estudos realizados pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2006, demonstraram que,
para um conjunto de quinze países da OCDE, em média, os gastos com a Seguridade
Social representam 27,3% do PIB e são financiados por 38% da contribuição dos
empregadores; 22% da contribuição dos empregados; e 36% da contribuição do
governo. Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo, Reino Unido e Suécia têm a
participação do governo relativamente mais elevada.
Na
Dinamarca, por exemplo, mais de 50% dos recursos da seguridade social vêm do
Estado; o restante, de trabalhadores e empresas. Em relação ao PIB, o
trabalhador lá contribui com o equivalente a 2% do PIB e a empresa, com 3%,
enquanto o Estado entra com 28% do PIB. Se na Dinamarca houvesse as mentiras,
os mitos difundidos aqui, o rombo da Previdência daquele país seria de 28%! Por
que não existe rombo? Porque contabilizam o orçamento da forma clássica,
tripartite.
O
que aqui se insiste em chamar de déficit refere-se simplesmente ao fato de,
desde 1989, tanto o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)
quanto a área econômica não contabilizarem a contribuição do Estado. Adota-se o
critério contábil segundo o qual a sustentação financeira da Previdência
depende exclusivamente das receitas próprias do setor (empregados e
empregadores). A parcela que cabe ao governo no sistema tripartite não é
considerada, embora exista. O déficit nada mais é do que a parte do Estado que
não se contabiliza.
Em
2012, de um total de R$ 317 bilhões utilizados para pagar benefícios
previdenciários, as contribuições exclusivamente previdenciárias (empresas e
trabalhadores) somaram R$ 279 bilhões (88% do total). A parcela estatal, de
apenas 12%, portanto, corresponde a um montante muito inferior à terça parte
(33%) que lhe caberia numa conta tripartite. Essa prática contábil cria e
alardeia um falso déficit, para justificar mais reformas, com corte de
direitos.
Se
organizado da forma como ordena a Constituição, o Orçamento da Seguridade
Social é superavitário, como mostram diversos estudos. Em 2012, por exemplo,
apresentou saldo positivo de R$ 78,1 bilhões – as receitas totalizaram R$ 590,6
bilhões e as despesas atingiram R$ 512,4 bilhões (ANFIP, 2013).
A
Seguridade Social é o mais importante mecanismo de proteção social do país e
também um poderoso instrumento do desenvolvimento: contempla transferências
monetárias para a Previdência Social (rural e urbana) e oferta de serviços
universais pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Único de Assistência
Social (Suas) e Sistema Único de Segurança Alimentar e Nutricional (Susan), bem
como pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
À
luz da Constituição, não há como se falar em déficit na Previdência Social. Na
verdade, sobram recursos, que são utilizados em finalidades não previstas na
lei. Todas as mudanças previdenciárias levadas à frente pelos países são para
aperfeiçoar o sistema, não para destruí-lo, como aqui, de forma a capturar
recursos para outras finalidades. Assim, como ocorria na ditadura, a Seguridade
Social continua a financiar a política econômica.
*
Publicado originalmente no Blog do CEE Fiocruz.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/08/o-mito-do-deficit-da-previdencia.html?spref=tw
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