A
pretendida consumação da farsa do impeachment, ainda este mês, que conduz à
concretização de um golpe de Estado, é uma viragem para consolidação e
desenvolvimento da velha ordem política, com suas consequências econômicas,
sociais e culturais, razão de ser do golpe dito legal.
Ao
processo de ruptura constitucional contido no curso de um impeachment fraudado
no Brasil não interessa provar inocência ou culpa da presidenta Dilma Rousseff.
Semelhante ao ocorrido no Paraguai e Honduras, o único objetivo perseguido aqui
é destituir o presidente da República pelo novo modelo de intervenção golpista,
seguido na atualidade pelas oligarquias de direita.
Assim
sucede na sétima potência econômica do mundo, o Brasil, onde a classe dominante
pretende consumar no final deste mês de agosto a grande operação
derruba-presidenta. A pantomima do impeachment em marcha segue o rito através
de um golpe parlamentar com benção judicial, onde não se prova devidamente o
crime de responsabilidade da presidenta.
Em
nosso país cresce amplamente a consciência de rejeição ao presidente interino,
demonstrada nas últimas pesquisas de opinião pública. E entre as camadas mais
esclarecidas de dentro e de fora do país (quase unanimidade) torna-se presente
a conclusão de que culmina na história política brasileira mais um golpe de
Estado, hoje, sem tropas e blindados e sem as urnas – a léguas do voto popular.
No
entanto, este foi o atalho encontrado, que resultou de tentativas conspirativas
e depois escrachadas de um consórcio político das forças conservadoras
dominantes, após a quarta derrota eleitoral sucessiva infligida pelas forças
progressistas, democráticas e de esquerda. Essas forças dominantes formaram uma
coalizão parlamentar, empresarial, judicial e com ampla ação midiática, que sem
pejo se aproveitaram e contaram impávidos com o difamado presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, e do vice-presidente da República, Michel Temer,
os quais completaram uma simbiose canalha entre a trapaça e a traição, com base
promíscua em seus grupos na Câmara e no Senado. Pasmem! Usaram uma fachada de
vestais na luta contra a corrupção. Uma trama urdida que deflagrou e conduziu o
processo de impeachment arranjado e simplesmente se aboletaram no centro do
poder de Estado.
Aonde
se chegou a terra amada Brasil? É inédita essa situação no país, em que a
oligarquia de direita, no afã de capturar o poder, se utilizar de gente tão
escrachada que (des)qualifica o governo interino desde sua origem: governo que
vive sobressaltado pelo homem bomba, que se resolve abrir a boca afunda o
governo e enterra a Câmara. É por isso que o governo provisório vive seu
impasse original, não pode abandonar a figura detonadora do impeachment, alma
gêmea do presidente interino, financiador de meio regimento de deputados. O
efeito bumerangue resultante será arrasador. Isto é realmente o que é recôndito
do processo de impeachment, assumido pela denominada elite dominante
conservadora brasileira.
Daí
a situação na qual o governo usurpador, o presidente da Câmara recém eleito e a
base de apoio nessa casa se juntam, reféns da ameaça, para adiar para sempre,
descaradamente, o julgamento de Eduardo Cunha na Câmara, com o beneplácito dos
incentivadores do golpe e seus beneficiados. O crime é inevitavelmente
escancarado.
É
preciso distinguir nas aparências o fundo da questão. Os golpes de Estado, como
o atual em curso no Brasil, são preparados e conduzidos por poderes de Estado,
e por suas corporações públicas, que ampliam crescentemente sua autonomia
funcional e administrativa chegando até o centro do poder. A desestabilização
do poder Executivo levou ao crescimento de autoridades e maior disputa entre
poderes. E extrapolação de função das corporações públicas atropelando, até
mesmo, o modelo clássico de liberalismo. O poder que ocupou a ponta do iceberg
no processo de impeachment foi a Câmara e o Senado, que resulta num golpe
parlamentar. Por conseguinte, o Orçamento Federal deste ano e do próximo será
devidamente utilizado para pagar a conta do impeachment – lançaram mão de um
déficit primário de mais de 170 bilhões de Reais em 2016. Imaginem se isso
acontecesse no governo Dilma!
Mais
significativo ainda é que desde os primórdios da crise política o embate não
era apenas entre a presidenta — que “não sabia fazer política” e políticos
“profissionais” — mas o que estava em jogo era e é um projeto de poder da
classe dominante capitalista, financeira globalizada, as forças conservadoras
brasileiras, que se utilizaram avidamente de um atalho, por meio da via
golpista, para a volta à ORDEM POLÍTICA fundada na sua concepção de Estado,
antidemocrática e autoritária, desmontando um pacto de progresso social, e de
consolidação da ordem econômica de desregulamentação financeira, liberação do
fluxo de capital, tudo pela estabilidade da moeda, através de políticas de
austeridade, com cortes de despesas primárias essenciais – o capitalismo
contemporâneo, dito neoliberal.
Segue
então a linha dos países capitalistas centrais, nos quais a grande crise
capitalista é respondida com o resgate antes de tudo do grande capital,
principalmente o financeiro, desemprego aberto, concentração e centralização da
riqueza, aprofundando o fosso da desigualdade.
Por
isso, é que a crise mundial, sistêmica, não encontrou ainda uma solução de
superação. No caso do Brasil, vejam o tamanho do resgate financeiro:
Congelamento das despesas federais, desde o nível mais baixo, por 20 anos. Eles
é que vão se apropriar de enorme parcela do Orçamento federal, que
aproximadamente equivale a uma queda de 50% per capta das despesas federais,
num desmonte sem paralelo das sofridas conquistas sociais, atingindo de cheio o
destino do SUS e do sistema de educação público. E mais, na vigência desse
governo usurpador, porquanto ele se volta para a manutenção da base macroeconômica,
que vem, sobretudo, desde o plano Real, presa ao círculo vicioso e perverso de
juros altos e câmbio apreciado – desastre que levou à desindustrialização do
país e a enormes déficits nas contas externas e deu adeus ao desenvolvimento
nacional.
Por
isso que a presidenta Dilma foi acerbamente desqualificada quando tentou sair
desse círculo vicioso e conduzir, o que eles cunharam como sendo uma nova
matriz macroeconômica, considerando isto a causa do descaminho econômico. E
mais, agora sua enaltecida equipe econômica segue o mesmo padrão moldado pela
ortodoxia ultraliberal brasileira de manter e justificar sempre os juros altos,
diante de um curso de dois anos de uma queda de 8% da economia, ou seja, em
plena recessão.
Em
suma o golpe é a saída para fundamentalmente instituir essa velha ordem
política, que pela via eleitoral seria inviável. As forças conservadoras
pró-submissão às potências imperialistas, para imporem sua ordem republicana,
ostensivamente e rapidamente já iniciaram e indicaram nesses dois meses, que
seu desiderato e sua avidez são essencialmente voltados para desmontar o pacto
de conquistas democráticas, sociais e de igualdade de direitos lavrados na
Constituinte de 1988. É um retrocesso do avanço civilizacional em mais de três
décadas.
À
volta a ordem política conservadora e de realinhamento as grandes potências,
imperialistas, como versa seu conceito estatal, parte da hipertrofia de
corporações e ações de inteligência, que amolda até o próprio Ministério
Público Federal e a Policia Federal, distinguindo sua doutrina de “inimigo
interno” ou a “teoria dos fatos”, que neste momento histórico no Brasil,
situa-se na existência engendrada de uma “organização criminosa” conduzida pelo
PT e por Lula e seus aliados, com os cunhados “núcleos políticos e
operacionais”. A criminalização é seletiva e a repressão se intensifica tendo
como norte esse inimigo interno. A utilização desregrada da Lei antiterror já
começa ser aplicada visando criminalizar a ação dos movimentos sociais.
A
pretendida consumação da farsa do impeachment ainda este mês, que conduz à
concretização do golpe de Estado, é uma viragem para consolidação e
desenvolvimento dessa velha ordem política, com suas consequências econômica,
social e cultural, razão de ser do golpe dito legal. E recorrentemente, quando
as forças conservadoras voltam ao poder central, vêm para ficar.
Enfim,
nosso país está essencialmente diante de uma disjuntiva que coloca em jogo o
destino da Nação e do povo brasileiro – avançar ou retroceder em nossa
trajetória civilizacional. Por isso a premissa para restaurar a democracia, o
Estado Democrático de Direito é a volta da presidenta da República, Dilma
Rousseff, legalmente eleita com mais de 54 milhões de votos. Os senadores serão
colocados diante dessa encruzilhada – condenar o absolver uma presidenta sem
crime de responsabilidade.
A
luta popular contra o golpe não recrudesceu. Ao contrario, a consciência e a
luta contra o governo intruso e pela democracia se estendem. Os trabalhadores
começam a se mobilizar mais amplamente diante de reformas estruturais reversas,
antidemocráticas: as reformas da providência e trabalhista. Ganha força a
alternativa política apresentada pela presidenta Dilma, que após sua volta
proporá e se empenhará pela convocação de um plebiscito, onde o povo é
convocado para se pronunciar sobre a antecipação ou não da eleição direta
presidencial. Esse é o anseio de ampla maioria do povo, no atual estágio da
crise. Em contraste, os mais diversos setores e porta-vozes das forças
conservadoras, fogem das urnas como o diabo da cruz, e se insurgem contra essa
alternativa de renovação da democracia. Em síntese, hoje, é o eco mais
uníssono: Fora Temer!
* Renato
Rabelo é ex-presidente nacional do PCdoB e presidente da Fundação Maurício
Grabois.
https://renatorabelo.blog.br/2016/08/16/renato-rabelo-o-golpe-e-para-impor-a-velha-ordem-politica/
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