A
instituição está cada vez mais reacionária, e o resultado inevitável deste
ímpeto será a perda de direitos.
A
única consequência possível de um povo que vibra com sangue e ódio é o
adoecimento de suas instituições. Uma delas é o Ministério Público, o qual, em
tese, fala pela sociedade brasileira supercampeã em desigualdade social,
discriminação racial, de gênero e outras mais variadas formas.
Como
porta-voz dessa sociedade nas relações processuais, o MP tem prestado um
excelente serviço em todos escalões – de Cabrobó até Brasília, o posicionamento
da instituição caminha no sentido de ser o mais reacionário possível, inclusive
em respostas exigidas nos concursos para ingresso na carreira.
Há
exceções, claro. Basta acompanhar o trabalho dos promotores e promotoras
compromissados com a Constituição. Ocorre que, além de serem cada vez mais
raros, são perseguidos dentro da própria carreira e servem como prova de que a
regra é outra.
Cada
vez mais o Ministério Público opta pelo senso comum que repudia a diferença. Um
exemplo paradigmático foi quando, no julgamento da descriminalização das
drogas, o procurador-geral, Rodrigo Janot, naturalizou o chorume de comentários
na rede social e foi além de todos que se posicionaram contra: passou a
inventar dados.
Disse,
entre outras desinformações, que 90% daqueles que fumam maconha se viciam; não
satisfeito, segundo ele, basta fumar uma vez para que a pessoa se torne
dependente química. Parece brincadeira de péssimo gosto, mas foi o argumento
encontrado pela autoridade máxima da instituição.
Quando
a desinformação e o autoritarismo rendem aplausos, as prioridades mudam. Em
tempos de chacina de 19 cidadãos pela polícia, o ouvidor da corporação paulista
elencou alguns motivos para que a PM assassinasse tanta gente com tamanha
naturalidade. Um deles: policiais acusados de matarem são sistematicamente
alvos de pedidos de absolvição pelo Ministério Público.
A
mesma conclusão foi da Human Rights Watch, que analisou a atuação policial no
Rio de Janeiro e percebeu que “há má vontade do Ministério Público em
investigar esses casos e que normalmente as investigações só avançam quando há
interesse social e pressão por parte da mídia”
O
delegado de polícia Orlando Zaccone percebeu a mesma coisa e foi na sua tese de
doutorado pesquisar como promotores e promotoras fundamentavam o pedido de
arquivamento de casos em que quem está no banco dos réus não é um dos pês
(pobre, preto e puta), mas um policial. Em entrevista ao Justificando, ele
esclareceu, basicamente, os porquês dessa benevolência:
"O
fundamento basicamente tem a grande pergunta do auto de resistência: não como a
polícia agiu, mas quem ela matou. Então, completada a figura do inimigo, isto
é, o traficante de drogas, e esse fato ocorrendo dentro de favelas, de guetos,
isso é colocado na escrita dos promotores de justiça como elementos a
justificar a morte."
Então
é o seguinte: o Ministério Público é benevolente apenas e tão-somente com
policiais militares, pois entende que por trás de cada assassinato há algo que
o justifique, ou, ainda que não haja, "matar bandido" é necessário.
Uma
das premissas fascistas é o arbítrio e a naturalidade com as quais as
instituições lidam com a violação maciça de direitos humanos, em especial, se o
alvo for um inimigo público. E em um país desigual e racista, não há inimigo
maior do que o jovem negro da periferia.
Se
esses jovens não são violados pela omissão do Ministério Público no controle da
polícia que mais mata no mundo, são enviados para nossos presídios, a masmorra
contemporânea, muito por conta de uma lei de drogas racista, cuja principal
razão de existir é encarcerá-los, sob o protagonismo do Ministério Público de
acusar e brigar pela prisão a todo custo, contra qualquer forma de
liberdade.
Pela
unidade da nação, que entrega sua liberdade em nome de um bem maior, a
existência de um inimigo interno é a melhor coisa que uma instituição que
descambou para o fascismo poderia desejar. Atualmente, além do jovem pobre, o
inimigo atende pelo nome de político corrupto.
O
termo é uma pegadinha, na verdade. Não são corruptos todos os políticos que
percebem uma vantagem financeira indevida, mas especificamente políticos de um
determinado partido – o PT.
É
curioso que o partidarismo do MP seja sempre rebatido por analistas simpáticos
à instituição toda vez que um cacique do PSDB sofre um processo judicial.
"Tá vendo?", desafiam. Para eles, digo que falta o recorte de classe
na análise: promotores e promotoras de justiça vêm de famílias elitizadas, além
de perceberem um salário de classe média alta. São pessoas que reproduzem a
opinião política majoritária na elite econômica, filiada no país ao PSDB.
Por
isso promotores são tão vorazes contra "corruptos" do PT e políticos
de demais partidos que representem a imagem e o voto do pobre, do evangélico,
do incauto; em parceria com a magistratura, que sofre do mesmo mal, conseguem a
liminar para prejudicar os planos do partido em um dia (alguém lembra do pedido
de prisão baseado em Marx e Hegel?).
Contudo,
quando um helicóptero cheio de cocaína é descoberto, bem, aí não acontece nada
mesmo – há outras razões para o partidarismo, além do recorte de classe.
Processo em face de tucanos rende menos mídia e menos tapinha nas costas nas
confraternizações, por exemplo.
Então
está feito o disclaimer. Político corrupto é uma categoria bem específica, mas
é capaz de "unir" o País a ponto de milhares ocuparem as ruas nas
mais variadas cidades e aplaudirem quem está combatendo esse inimigo. No caso
do Judiciário, Sérgio Moro e os procuradores do Ministério Público Federal
ganharam tamanho empoderamento e capital político a ponto de reunir dois
milhões de assinaturas pelas 10 medidas contra a corrupção.
Um
pouco diferente da batalha contra o jovem periférico, a guerra contra a
corrupção esconde outra motivação preocupante: o sequestro da política pelo
poder Judiciário – entendidos nesse contexto como magistratura e ministério
público. A judicialização da política é ainda mais preocupante quando os
juristas não escondem uma preferência partidária, muito menos o gosto agridoce
do poder.
Voltando,
10 medidas contra a corrupção é, de fato, um ótimo nome para um projeto de lei.
Quem seria oposição a 10 medidas contra a corrupção? O procurador que percorre
o País na defesa delas é bem arrumado, tem gel no cabelo penteado para o lado e
sorriso bobo. Verdadeiro menino bom.
Ocorre
que por trás de tanta bondade, reside um projeto de lei que rebaixa o habeas
corpus, legaliza prova ilícita, reduz a prescrição, cria crimes cuja prova deve
ser feita pelo réu e demais arbítrios que destroem a Constituição. A crítica
não é apenas a Deltan Dallagnol, mas sim, a toda carreira, ante o simbolismo e
representatividade de sua atuação.
"Contra
o político corrupto vale tudo, o que não aguentamos mais é impunidade",
dirá o mantra da nação, empunhando suas bandeiras por um Brasil melhor contra-tudo-o-que-está-aí.
Todavia, o procurador de sorriso bobo e o Ministério Público são incapazes de
fazer, por terem submergido ao fascismo, a constatação de que estamos no pódio
de países que mais prendem no mundo.
Impunidade
aqui é piada e qualquer projeto, qualquer um mesmo, que venha a arrancar mais
garantias das pessoas, endurecer mais uma instituição já autoritária e
empoderada. Vai piorar o que já está péssimo. Vai prender o político corrupto?
Vai, mas vai prender muitos jovens pobres também – fora que, convenhamos,
violar a Constituição para cumprir a lei é um contrassenso tão grande que não
vale nem adentrar no assunto.
Tatue
na testa para não esquecer: quem vai pagar essa conta de oba-oba contra a
corrupção é o pobre, o negro, o jovem, a mulher, o político corrupto, o
honesto, ou quem mais não os agrade. Por isso, muita gente séria tem se
levantado contra a perda dos direitos e garantias individuais, pela
Constituição e se opondo a olhar no cárcere solução para o que quer que seja.
É
a lógica do anti-punitivismo, que, infelizmente, não vende jornal, nem passa na
tela da Globo. Para quem quiser conhecer a opinião de renomados estudiosos de
todo país desconstruindo, medida a medida, esse absurdo de marketing
institucional, sugiro a leitura do boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (abaixo)
Pelos
aplausos e pelo poder de investigar e por serem a salva-guarda da nação, o MP
rebaixa o Estado de Direito no País – já tão baixo. Para quem ainda não
entendeu, o problema não é ser contra ou a favor da corrupção – acredito que é
até tosco imaginar alguém a favor. O cenário complica quando alguém, ou alguma
instituição, acredita ser a personificação da moral e da ética, mas apenas
representa a escalada autoritária mesmo.
http://www.cartacapital.com.br/politica/a-guinada-autoritaria-do-ministerio-publico
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