Como
foi amplamente noticiado pela imprensa, acabou de ser concedida a liberdade
provisória a um casal de réus, com arbitramento de fiança, na chamada Operação
Lava-Jato que, como o próprio nome indica, deseja fazer uma “limpeza” ou uma
“lavagem” moral no Brasil. Acho até que, talvez, o que se queira mesmo é fazer
uma limpeza em si mesmo (Freud explica). Como a repressão é tremenda (e o
inconsciente acaba quase sempre vencendo), cuidemos dos outros. Assim, ficamos
em paz com o nosso consciente e, de quebra, ainda recebemos prêmio da Rede
Globo e aparecemos em manchetes de jornal. Tudo muito bom, portanto. Só não tem
nada a ver com Processo Penal. Tem a ver com a psicanálise!
Segundo
a imprensa, o Juiz Sérgio Moro “fez duras críticas ao ´álibi` do casal nas
ações penais“. Penso até que ele usou o significante sem saber mesmo o seu
significado técnico-jurídico (eu até o perdoaria, se se tratasse do padeiro
aqui ao lado de minha casa, que não é Juiz de Direito e não dá palpite quando
não entende do assunto. É um sábio.).
Também
o Juiz afirmou tratar-se de “uma trapaça que não pode ser subestimada“, devendo
ser censuradas em ambos os acusados (que serão julgados por ele, pasmen!) “a
naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam, como eles mesmo admitem,
recursos não-contabilizados.”
Em
um claro pré-julgamento esse arremedo de Juiz de Direito (pois não demonstra
ser um Magistrado imparcial), afirma que o (tal) álibi “não é provavelmente
verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual.”
Não contente em dizer tantas asneiras, o Juiz
Sérgio Moro faz uma comparação absolutamente impertinente, digna de um neófito
em Direito: “Se um ladrão de bancos afirma ao Juiz como álibi que outros também
roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa.” Que
brilhante!
Por
fim, uma última pérola do Magistrado incompetente (nos termos do art. 70 do
Código de Processo Penal): “É possível reconhecer, mesmo nessa fase, que, mesmo
se existente, encontra-se em um nível talvez inferior da de corruptores,
corrompidos e profissionais do crime.” Enfim, já estão todos condenados, ou
como corruptores ou como corrompidos. E o que seriam mesmo “profissionais do crime“?
Veja, ele próprio é um profissional do crime, ou não? Não é um Juiz criminal?
Eu, por exemplo, Procurador de Justiça criminal, sou um profissional do crime,
pois dedico boa parte do meu tempo e do meu estudo ao estudo do … crime. E
ganho uma fortuna com isso.
Não
é possível que o Supremo Tribunal Federal, quando instado a fazê-lo, não
reconheça que o Juiz Moro está ultrapassando todos os limites. Óbvio que não
espero de Gilmar Mendes qualquer decisão nesse sentido, pois de imparcialidade
ele entende tão pouco como Moro. Tampouco vou fazer referência ao Conselho
Nacional de Justiça, pois, afinal de contas, é órgão de controle externo e não
um Colegiado com competência para ensinar Juiz a trabalhar (e não para que não
cometam asneiras processuais – o mesmo vale para o Conselho Nacional do
Ministério Público).
Será
que há alguma dúvida quanto à parcialidade do Magistrado de Curitiba? Acho que
não precisa ser nenhum “calouro” do curso de Direito. Diante desse tipo de
declaração (infeliz, despropositada, impertinente e, sobretudo, burra – porque
sujeita a uma forte contestação na Superior Instância), haverá alguma dúvida
que o casal “beneficiado” pela concessão da fiança já está condenado? Aqui a
defesa fará um mero papel decorativo, salvo se o Supremo Tribunal Federal tiver
a coragem (que eu duvido!) de lhe afastar por suspeito de julgar o processo.
Aliás,
o Juiz Sérgio Moro, que no caso Banestado já havia demonstrado seus pendores
para acusador e sua incapacidade para presidir um processo complexo e de apelo
midiático, neste caso da Lava-Jato comete erros a mancheias, cada vez mais
grosseiros e recorrentes.
São
vários, a começar por se arvorar Juiz competente para processar e julgar todo e
qualquer caso penal relativo à corrupção que envolva a Petrobrás,
independentemente do local onde o suposto crime tenha se consumado, afrontando
as regras impostas pelo Código de Processo Penal (o art. 70, acima referido).
Ele sustenta uma conexão processual entre inúmeros crimes e dezenas de
acusados, fenômeno jurídico nem sempre existente, usurpando a competência de
outros Juízos federais. Outro absurdo que esse Magistrado pratica é o abuso na
decretação de prisões preventivas e temporárias, com fundamentações muitas
vezes genéricas, quando sabemos que as prisões provisórias – anteriores a uma
sentença condenatória definitiva – devem ser decretadas excepcionalmente. O
Juiz Sérgio Moro, ao contrário, transformou em regra o que deveria ser uma
exceção, o que é um retrocesso em relação à Constituição Federal. E o mais grave:
tais prisões, revestidas de uma suposta legalidade, são decretadas, na verdade,
na maioria das vezes, com uma finalidade: coagir o preso, ainda sem culpa
certificada por uma sentença condenatória, a delatar. Isso é fato e é
gravíssimo. Deixa-se o investigado ou o réu preso durante meses, trancafiado em
uma cela minúscula, praticamente incomunicável, sem que se demonstre legalmente
a necessidade da prisão, pressionando-o a firmar um “acordo” de delação. Ora,
quem não se submeteria? E quem não falaria o que os inquisidores queriam? Isso
é muito complicado. A Lei nº. 12.850/13, que trata da delação premiada, exige
expressamente a voluntariedade do delator. Será mesmo que estas delações que
estão sendo feitas em Curitiba são voluntárias no sentido próprio do vernáculo?
Se não o são, até que ponto podem ser críveis? Vejam os benefícios que estes
delatores estão tendo em relação às suas penas. Sem falar em outros que sequer
estão previstos em lei, contrários à lei, inclusive.
O
Juiz Sérgio Moro deslumbrou-se! Muito difícil para um jovem não sucumbir a
tantos holofotes e ao assédio da grande mídia e de parte da população,
especialmente da classe média, da qual ele faz parte. Mas, isso não o isenta e
a História não o perdoará, ao contrário do que ele e muitos acreditam. Assim,
ficou difícil impedi-lo de tais abusos. Tudo que ele faz, todas as suas
decisões têm uma presunção de legalidade e de justeza, o que é um equívoco,
obviamente. Como frear um “salvador da pátria”, o redentor! E é óbvio que assim
o sendo, a tendência é que as decisões do Juiz Sérgio Moro sejam confirmadas
pelos demais órgãos do Poder Judiciário que, muitas vezes, não ousam ser contra
majoritários, como tinham que ser em uma República e em um Estado Democrático
de Direito. O Magistrado, ao contrário do que já se disse, não tem que decidir
conforme “a voz das ruas” ou para atender ao clamor popular. Isso é pura
demagogia e, portanto, inaceitável. Magistrado tem que ter compromisso,
exclusivamente, com a Constituição Federal, isso é o que o legitima, já que ele
não tem a legitimidade popular. Os Juízes brasileiros têm que ter essa
consciência: como eles não são votados, a sua legitimidade decorre da
fundamentação de suas decisões e tal fundamentação, por sua vez, decorre da
observância das leis e das regras e dos princípios constitucionais. Passar em
um concurso público, marcando um “x” e discorrendo sobre a doutrina do jurista
“A” ou “B” ou sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal sobre tal ou qual matéria, não lhes dá nenhuma, absolutamente
nenhuma, legitimidade constitucional para exercer a sua jurisdição. Neste
sentido, considero que, ao ratificarem as decisões do Juiz Sérgio Moro, todas
as demais instâncias do Poder Judiciário brasileiro, inclusive o Supremo
Tribunal Federal, cometem abusos. E, repito: a História não os perdoará!
Os
impactos dessa Operação Lava-Jato serão desastrosos. Aliás, já estão sendo.
Cada decisão do Juiz Sérgio Moro, devidamente “chancelada” pelos Tribunais e,
por fim, pelo Supremo Tribunal Federal (que nem sempre decide contra
majoritariamente, como deveria ser) passa a servir de paradigma para outras
decisões de Juízes em todo o Brasil. Se um sujeito processado na Operação
Lava-Jato passou um ano preso até delatar, e o Supremo Tribunal Federal nada
fez, o Juiz de Direito de Cícero Dantas, aqui no Sertão da Bahia, também vai se
sentir no direito de fazer o mesmo. É essa também a minha preocupação. Esse
sujeito é que vai ficar esperando preso dois anos por uma sentença, mesmo
porque, muitas vezes, nem tem Juiz na Comarca para julgá-lo e ele fica
esquecido na Delegacia de Polícia, porque, aliás, também não tem Promotor de
Justiça nem Defensor Público. A Justiça Estadual brasileira é um caos! É outro
mundo. Não tem Magistrados suficientes, nem membros do Ministério Público.
Quanto à Defensoria Pública, melhor nem falar (com relação a ela, os Estados
não têm o menor interesse em aparelhá-la, afinal de contas, elas cuidam dos
necessitados). Não há, sequer, funcionários. A Justiça Comum Estadual não
funciona. Finge-se que trabalha. Sugiro que o Conselho Nacional de Justiça faça
uma inspeção nas Comarcas do interior do Brasil, não nas grandes cidades e não
somente nas Corregedorias dos Tribunais. Pergunte aos cidadãos o que eles acham
do serviço prestado pelo Judiciário nestas pequenas e médias cidades. Sugiro o
mesmo para o Conselho Nacional do Ministério Público. Mas, o que tem isso a ver
com a Operação Lava-Jato? Tem tudo a ver, sabe porquê? Por que a “República de
Curitiba” não é a República do Brasil. Esta existe e é formada por uma Nação: o
povo brasileiro.
Claro
que a prática de um delito exige a punição pelo Estado (até que se encontre
algo mais humano para se fazer com quem o fez e se procure entender porquê o
fez), mas não se pode punir a qualquer custo. Há regras a serem observadas.
Regras e princípios constitucionais. E no Brasil, hoje, isso não ocorre. E a
Operação Lava-Jato é um exemplo muito claro disso. Vivemos um verdadeiro
período de exceção. Hoje, não há Estado Democrático de Direito. Isso é balela!
Conduz-se coercitivamente que não pode sê-lo. Invade-se domicílio que não pode
ser invadido. Determina-se interceptações telefônicas de quem não pode ser
interceptado. Prende-se quem tem imunidade constitucional. Ministro da Suprema
Corte dá declarações em relação a processos que serão julgados pela Corte
Constitucional (inclusive de natureza político-partidária, como Gilmar Mendes).
Aqui faz o que o Judiciário quer ou o que o Ministério Público pede. Dane-se a
Constituição Federal! Estamos vivendo dias verdadeiramente sombrios. A nossa
única esperança, que era o Supremo Tribunal Federal, virou uma desesperança.
Apelar mais para quem? Isso sem falar na pauta conservadora que assola o País.
Vejamos, por exemplo, o prestígio de um Bolsonaro, um homem que não se
envergonha de fazer homenagens a um torturador e menospreza uma conduta tão
violenta quanto o estupro. Bem, mas aí é outro assunto.
Eu
até acho que a Operação Lava-Jato pode estar perto do fim. Depende do desfecho
do processo de impeachment da Presidente Dilma. Se ela, efetivamente, for
derrubada pelo Senado, acho que a Operação Lava-Jato acaba. Se não, acho que
continua. Tem que continuar, não é? Afinal de contas, o Juiz Sérgio Moro
estudou bastante nos Estados Unidos e aprendeu muito a combater a corrupção e
ele tem se mostrado um aluno bem disciplinado. Na verdade, o pessoal da de
Washington, D.C. não estava nada satisfeito com essa história do pré-sal, do
fim das privatizações, etc. Ele estava mesmo interessado em destruir as empresas
concorrentes brasileiras (como a Petrobrás e as empresas de construção civil,
mundialmente conhecidas e concorrentes), preocupados com a pauta social
distante dos princípios neoliberais, contrariados com a independência dos
BRICS, etc. Eles são implacáveis. Eles estão sempre em guerra. E nem sempre
usam as mesmas armas.
Por
fim, recordo da Operação Mãos Limpas, na Itália. Lá, como aqui, pretendeu-se
acabar com a corrupção e, tal como na Itália (um dos Países mais corruptos do
mundo, que o diga Berlusconi, filhote da Operação Mãos Limpas), a Operação
Lava-Jato não vai acabar com a corrupção, muito pelo contrário. Se ela vai
acabar com alguma coisa é com algumas das maiores empresas brasileiras (e,
consequentemente, com o emprego de nossos trabalhadores – o que vai permitir
que as empresas estrangeiras voltem ao Brasil com os seus empregados ou pagando
uma miséria à nossa mão de obra) e com os direitos e garantias individuais
arduamente conquistados com a redemocratização. Há outra semelhança: pretende-se
acabar também com um partido político, como ocorreu na Itália (Partido
Socialista Italiano). A corrupção, ao contrário do que muitos pensam, não é um
problema do Sistema Jurídico, mas do Sistema Político e do Sistema Econômico,
daí porque serem fundamentais reformas políticas e econômicas. O neoliberalismo
é perverso e o nosso modelo político favorece a corrupção. O resto é engodo
para derrubar Presidente da República legitimamente eleita e para atender aos
interesses externos.
Rômulo
de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da
Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na
pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito
Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha
(Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
http://jornalggn.com.br/noticia/como-nao-ser-um-juiz-de-direito-por-romulo-de-andrade-moreira
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