O
colunista Jânio de Freitas, em artigo publicado na Folha, escreveu “que o
afastamento da presidente se faz em um estado de hipocrisia como jamais houve
por aqui. (…) Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o
Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito
tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais.”
Por
Roberto Kuppe Do Mais Ro
Os
holofotes do jogo jogado do impeachment – desde o momento no qual um bandido,
no comando da Câmara, com a conivência do Supremo, instalou o processo – estão
todos voltados para o Congresso e, neste momento, no Senado, como se lá fosse o
único palco dessa encenação ridícula. Mas, é preciso reconhecer que, não
obstante o fato de termos um Parlamento majoritariamente ocupado por ratazanas,
a falta de lideranças com credibilidade, respeito e reconhecimento nos campos
político, econômico, social, religioso, artístico e intelectual impossibilitou
uma saída democrática para a crise instalada desde 2013.
Sob
o ponto de vista sociológico e político, as elites são os principais atores que
orientam os rumos dos governos e da sociedade, porque têm grande poder de vocalização
de seus interesses e, portanto, extensa capacidade de mobilizar, publicizar e
definir a agenda pública.
O
papel sociedade civil é central no tensionamento de processos políticos com
vistas à ampliação da cidadania e dos direitos. Mas, as elites, queiramos ou
não, são fundamentais para induzir o desenvolvimento social, político,
econômico e cultural de qualquer sociedade.
O
Brasil, apesar de historicamente dirigido por elites muito conservadoras –
cujos grupos majoritários dessas elites têm fortes tendências antidemocráticas
-, já teve expoentes que, em situações de crise intensa, conseguiram articular
grandes concertações em torno de ideias e ideais capazes de produzirem
significativos avanços sociais, econômicos, culturais, políticos…
Já
tivemos na elite política referências como Ulisses Guimarães, Franco Montouro e
Tancredo Neves. Hoje, os líderes bajulados pelas elites são Temer, Cunha,
Aécio, Renan, Serra, Bolsonaro, Caiado…
Na
cultura, orgulhávamos de personalidades como Guimarães Rosa, Antonio Cândido e
Chiquinha Gonzaga. Hoje, as elites batem palma para Reinaldo Azevedo e
Alexandre Frota.
Tínhamos
elites intelectuais do porte de Paulo Freire, Sérgio Buarque, Euclides da Cunha
e Darcy Ribeiro. Hoje, as elites intelectuais cultuadas são Olavo de Carvalho e
Lobão.
Já
convivemos com economistas do porte de Roberto Campos e Celso Furtado. Hoje,
segmentos mais visíveis das elites seguem as dicas econômicas de Rodrigo
Constantino e Miriam Leitão. E já tivemos empresários que defendiam uma indústria
nacional forte e geradora de riqueza e renda para o Brasil e os brasileiros.
Agora, os homens de negócio dessa terra resolveram criar a filosofia
empresarial do pato amarelo.
O
espaço da liderança religiosa que era ocupado por figuras da estatura de Paulo
Evaristo Arns, Helder Câmara e Luciano Mendes de Almeida é protagonizado,
agora, por vultos como Malafaia, Cunha, Malta, Macedo e Feliciano.
Lula
é a última grande liderança política e social que teve a capacidade de
movimentar uma ampla coalizão, num momento de bons ventos da economia – apesar
de não ter enfrentado as grandes mazelas nacionais com reformas estruturais,
quando presidente. Sonhou, como um operário que sempre fica devendo favores ao
patrão, tido um bom cristão, que era possível conciliar o mundo do trabalho,
historicamente oprimido, com o mundo das elites, historicamente privilegiado.
Para tanto, arriscou a jogar o mesmo jogo das elites políticas tradicionais,
historicamente comprometidas com a corrupção, o patrimonialismo, o clientelismo
e a apropriação privada do espaço público. Acreditou, inclusive, que jogando o
mesmo jogo dos políticos tradicionais seria poupado, com a crença que a justiça
e as elites agiriam com isonomia, caso suas estratégias fossem delatadas. Todos
sabemos o enredo dessa história…
Não
obstante, Lula conseguiu avanços sociais e econômicos reconhecidos
internacionalmente. Gostemos ou não, por uma década, sob sua liderança, os
brasileiros sonharam com a possibilidade de uma sociedade na qual os interesses
de classe poderiam se conciliar. E esse sonho começou a se transformar em
pesadelo naquele junho de 2013, quando as ruas foram invadidas por hordas de
interesseiros.
Provavelmente,
por ter conseguido transformar a realidade social do país, apesar de algumas
ações erráticas, Lula é caçado tresloucadamente por uma juristocracia, uma
elite jurídica que, aliada aos outros segmentos conservadores das elites
sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais sempre determinaram os
lugares sociais a partir de seus interesses de classe.
E
foi através de uma coalizão de amplos setores dessas elites conservadoras, com
a participação descomunal da mídia, que uma engenharia golpista bem-sucedida
foi sendo arquitetada, desaguando num processo fajuto de impeachment, cujo
resultado qualquer mortal sobre a terra já tem conhecimento.
Os
ricos e poderosos e os segmentos rancorosos e privilegiados da classe média –
portanto, parte significativa das elites sociais, econômicas, políticas,
culturais e religiosas -, são coniventes com o golpe. Creem que o governo que
tomou de assalto a República manterá intactos seus privilégios. Não percebem
que o golpe à democracia nos coloca na situação de uma sociedade atrasada e que
esse retrocesso repercutirá negativamente na vida de todos os segmentos
sociais.
Um
golpe na democracia não é um jogo de soma zero, no qual uns ganham e outros
perdem. Trata-se de uma involução social, política, econômica, cultural e ética
que tomos, com intensidades diferentes, amargaremos nos próximos anos.
Inclusive a classe média que sentirá, mais cedo ou mais tarde, os reflexos de
um governo pouco comprometido com a Nação. Várias medidas anunciadas pelo
governo interino sinalizam perdas de direitos que incidirão sobre todos os
brasileiros, inclusive a classe média. É questão de tempo…
Portanto,
o malsinado caminho do golpe punirá terrivelmente os trabalhadores e os pobres,
mas certamente penalizará também os hipócritas que naturalizam e desejam
invisibilizar essa violência estúpida à Constituição, ao estado de direito e à
democracia, chamada impeachment.
http://www.geledes.org.br/classe-media-antipetista-ira-pagar-em-breve-o-preco-de-apoiar-temer/#ixzz4HAy1Ba00
Nenhum comentário:
Postar um comentário