Não
vamos nos enganar. Não é preciso ser um admirador de Maquiavel para entender
que num momento de grandes incertezas políticas como aquele que enfrentamos no
Brasil a denúncia de uma possível ameaça terrorista pode ser de grande
utilidade para forças que ocupam provisoriamente a presidência da República e
necessitam, como é visível a cada dia, "mostrar serviço" aos olhos de
uma população desconfiada de gestos e intenções para manter-se no cargo de
qualquer maneira.
Vivemos
uma situação de desagregação institucional em que tudo é política, como
reconheceu a líder do governo Rose de Freitas, ao explicar por que o Senado
afastou Dilma sem prova de crime de responsabilidade.
Não
é preciso ficar com complexo de republica bananeira, porém. Basta lucidez.
Na
França que já deu lições de liberdade, igualdade, fraternidade, o mesmo
presidente François Hollande que enfrenta uma insurreição de trabalhadores em
defesa de seus direitos -- situação que pode repetir-se no Brasil caso Michel
Temer siga em frente com seu programa de aniquilar a CLT -- transformou a
ameaça terrorista na preocupação número 1 de seu governo.
Incapaz
de dar respostas aos problemas da vida cotidiana da maioria da população, como
desemprego, perdas salariais, recessão, desde o final de 2015 Hollande
multiplica medidas de exceção que produzem indignação --a ministra de Direitos
Humanos renunciou ao cargo em protesto -- e pouco tem servido para evitar novas tragédias, como demonstrou
o ônibus assassino de Nice, menos de um ano depois do ataque ao Charlie Hebdo e
ao Bataclan.
Mesmo
assim, não há dúvida que a campanha do medo operou um previsível milagre de
natureza eleitoral. Transformou Hollande, até então um George W Bush da
social-democracia francesa, num
candidato minimamente competitivo para enfrentar o fascismo nas eleições
presidenciais.
Essa
considerações recomendam prudência e bom
senso diante da prisão de dez brasileiros que podem vir a ser um dia
considerados suspeitos de terrorismo. Para tanto, é bom lembrar, será preciso
que informações hoje em estagio muito preliminar se transformem em indícios e provas. Não
custa sublinhar -- mesmo fora de moda -- o principio da presunção da inocência.
Ninguém quer construir uma nova Guantânamo, certo?
Está
claro que nenhuma pista contra a ameaça do terror pode ser desprezada, pois, se
forem indícios consistentes e corretamente investigada, podem impedir atos de barbárie
que ameaçam vidas inocentes, inclusive crianças, como se confirmou em
Nice.
O
problema é que toda iniciativa para transformar um episódio inconclusivo em grande espetáculo, sem justificativas
razoáveis, equivale a uma demonstração de desprezo absoluto pela inteligência
do cidadão brasileiro. Também é um ato contraproducente do ponto de vista de
toda investigação, que envolve material de inteligência sensível, necessita de
prudência e segredo, em vez de espalhafato e sensacionalismo.
O
desvio para os holofotes é apenas parte do problema, porém. Outro sinal é
político e diplomático.
A
postura mostra um passo, no governo
Michel Temer, para alinhar o aparato policial e jurídico do estado brasileiro
com as prioridades do governo norte-americano. É compreensível, diante do
isolamento internacional do golpe. Deve ser visto como mais um capítulo num programa de generosas
gentilezas externas que inclui, como grande troféu, a abertura do pré-sal da
Petrobras a grandes empresas estrangeiras.
Coerente
com uma diplomacia de preservar de qualquer maneira a ordem vigente no Oriente
Médio, endereço de reservas de petróleo vitais para sua economia e para o
faturamento de uma parte de seus maiores gigantes econômicos, Washington
transformou a luta contra o terrorismo de origem árabe na pedra de toque de sua
ação internacional e dos chamados programas de cooperação.
Não
custa lembrar que o principal reflexo, no Brasil, do atentado de 11 de setembro
foi um reforço das investigações da CIA e outros órgãos do serviço secreto
contra imigrantes palestinos na região da Tríplice Fronteira, com base em
suspeitas que a própria embaixada dos EUA em Brasília considerava pouco mais do
que risíveis.
Não
por acaso, Washington não deixou de aplaudir, uma década e meia depois, a lei
anti-terrorismo aprovada pelo Congresso, por iniciativa do governo Dilma.
Interessada
em embelezar toda e qualquer medida do governo Temer que possa contribuir para
a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado, a mídia grande não perdeu a
oportunidade de ressaltar a "colaboração" do serviço secreto dos EUA
nas investigações. A realidade diplomática
entre os dois países permite acreditar que seja muito mais do que isso,
vamos combinar.
Há
outro ponto a observar. É certo que, por sua própria natureza, as ações
terroristas não obedeçam a uma lógica previsível nem racional. Não custa
ponderar porém que seus alvos mais frequentes envolvem países e governos que
tem uma postura agressiva nos conflitos do Oriente Médio, participando
ativamente de operações de apoio em relação a diplomacia norte-americana. Os
atentados de Madri e Londres ocorreram depois que os governos da Espanha e da
Grã Bretanha se engajaram na invasão do Iraque. A França entrou no radar depois
de patrocinar a queda de Kadhafi, na Líbia e realizar oções de guerra na Siria
e no Iraque. Costumava ser poupada depois que, ao lado da Alemanha e governo
brasileiro, recusou apoio a Bush guerra do Iraque.
Seguindo
este raciocínio, que está longe de ser conclusivo, estudiosos consideram que
até agora a postura diplomática do governo brasileiro, alinhado com a defesa
intransigente da soberania de cada povo para escolher e definir seus governos,
ajuda a entender porque o país tem sido preservado, até aqui,de ações dessa
natureza.
Isso
não representa garantia nenhuma, muito menos na conjuntura de um país que irá
sediar uma Olimpíada. Mas mostra a necessidade de se evitar toda e qualquer
medida fora do tom adequado.
O
único suspeito real até agora é o ministro da Justiça Alexandre Moraes, que
acabou corrigido pelo juiz do caso por dizer mais do que poderia.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/245468/Terror--golpe.htm
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