Os governos do PT colocaram
os pobres no orçamento. Na esteira do que a Constituição de 88 timidamente
apontava, esses governos resolveram investir a sério nos cidadãos mais
necessitados, nos excluídos históricos que não entravam nos orçamentos, nas
universidades, nos hospitais, nos empregos com carteira, nos aeroportos e nos
shoppings.
O resultado foi que 36 milhões
de cidadãos deixaram a miséria e outros 40 milhões entraram na classe média, ou
na nova classe trabalhadora. O resultado foi que o índice de Gini (indicador
que mede a desigualdade) do Brasil caiu de 0,610 pra 0,490. O resultado foi o
filho do pedreiro que virou doutor. O resultado foi a filha da Senzala que
virou médica. O resultado foi mais democracia, mais soberania e maior
dinamização da economia real.
O investimento nos pobres
deu certo, muito certo. Para cada real investido no Bolsa Família, o PIB
aumentou em R$ 1,75. O aumento real do salário mínimo em 72%, a expansão do
crédito popular, a geração de 23 milhões de empregos formais, entre outros
fatores, mais que duplicaram o tamanho do comércio varejista no país. Essa
grande dinamização do mercado interno propiciada pelo combate à pobreza e às
desigualdades, e combinada com um bem aproveitado ciclo internacional das
commodities, transformou a 12ª economia do mundo, em 2002, frágil, vulnerável a
choques externos e dependente do FMI, na 6ª economia mundial, em 2011, com
reservas internacionais de US$ 380 bilhões e credora do FMI.
Contudo, o agravamento da
crise internacional, o baixo crescimento do comércio mundial, a guerra cambial
e o fim do superciclo das commodities impuseram, em anos recentes, sérios
entraves ao desenvolvimento de muitos países emergentes. No Brasil, esses
graves entraves externos se combinaram com uma crise política profunda,
provocada intencionalmente por grupos políticos reacionários e
antidemocráticos, que não reconheceram a vitória da presidenta Dilma Rousseff,
para mergulhar o país na recessão. Como agravante, a Lava Jato, operação
imprescindível para o combate à corrupção, paralisou importantes setores
econômicos do Brasil, levando, segundo avaliações independentes, a uma queda do
PIB situada entre 2% e 2, 5%.
Pergunta-se: qual a culpa da
inclusão dos pobres no orçamento na deflagração da presente crise? Nenhuma.
Saliente-se que, até o agravamento da crise internacional, em 2014, os governos
do PT fizeram superávit primário, isto é, gastaram menos do que arrecadaram.
Ademais, mantiveram a dívida líquida da União em torno de 35% do PIB, em
contraste com os 60% do PIB, que tínhamos ao final dos governos neoliberais de
FHC.
Mas o governo do golpe
coloca a culpa na crise nos pobres. Com efeito, o governo golpista vê o
investimento nos pobres como "gasto". Gasto excessivo e inútil. O
ministro Meirelles já afirmou que o Brasil andou "gastando muito" com
Educação e Saúde. Parece piada, mas não é. É trágico. E o Usurpador, além de
trair a presidenta eleita, agora diz que vai trair o povo e tomará
"medidas impopulares", assim que o Senado confirmar o golpe.
Não se trata de qualquer
medida impopular. Não se trata de um cortezinho ali, um ajustezinho acolá.
Trata-se de uma loucura austericida que não existe em nenhum país do mundo.
Querem colocar na Constituição Federal um congelamento das despesas primárias
por pelo menos 20 anos. Dessa forma, os gastos com juros ficariam liberados,
mas os gastos com Educação, Saúde, Previdência, Assistência Social, Segurança
Pública, Ciência e Tecnologia, etc. seriam congelados. Mesmo que o PIB aumente
e a receita cresça, o Brasil ficaria impedido de investir na melhoria dos
serviços públicos e nos programas sociais que são vitais aos mais pobres.
Se tivéssemos serviços
públicos com a qualidade que alguns países da Europa Ocidental já têm, tal
medida, ainda que insana, seria, até certo ponto, suportável. Obviamente, não
temos. O Brasil ainda precisa investir muito em Educação, Saúde, Segurança
Pública, Previdência, Ciência e Tecnologia etc. para ser um país mais
competitivo e justo. Portanto, essa medida, que não existe em nenhum país do
mundo, essa grande Jabuticaba do Mal, é absolutamente insuportável e
insustentável.
Os desinvestimentos seriam
assustadores. Se tal medida esquizofrênica estivesse em vigor há 10 anos, os
rombos acumulados na Saúde seriam de R$ 180 bilhões. Na Educação, seriam de R$
320 bilhões. Na Previdência, R$ 890 bilhões. Na Assistência Social, R$ 187
bilhões. Na Defesa, R$ 95 bilhões. Na Ciência e Tecnologia, R$ 22 bilhões. Na
Segurança Pública, R$ 28 bilhões. No Transporte, R$ 82 bilhões. Na Cultura, R$
7 bilhões. No Meio Ambiente, R$ 23 bilhões. E por aí vai.
Se tal medida estivesse em
vigor há 10 anos, não haveria FIES, PROUNI, Ciência sem Fronteiras, Mais
Médicos, Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos e tantos outros programas que
fizeram a diferença na vida das brasileiras e dos brasileiros. Se tal medida
estivesse em vigor há 10 anos, o Bolsa Família seria uma fração daquilo que é
hoje. Se tal medida estivesse em vigor há 10 anos, o Brasil não teria saído do
Mapa da Fome.
O irônico é que a
Constituição de 88 continha limitação para taxas de juros, que não podiam
exceder 12% ao ano, em termos reais. Os conservadores criticavam muito esse
dispositivo, que nunca foi respeitado, e diziam que era um absurdo se inserir
tal limite na Carta Magna. Agora, no entanto, consideram normal e desejável se
colocar um limite constitucional fixo para investimentos sociais.
Considere-se que os gastos
com juros são os únicos que não geram nada para a economia real e para o país.
Em contraste, os "gastos" com Educação, Saúde, Previdência, etc.
estimulam a economia real e contribuem decisivamente para tornar o Brasil um
país mais justo e democrático.
É claro que numa conjuntura
de crise e de incertezas, é normal que o país busque certo equilíbrio das
contas públicas. Porém, tal busca não pode resultar em medidas insanas, que
seriam rejeitadas até mesmo pelo FMI, o qual já fez seu mea culpa, no que tange
ao apoio irracional às políticas contraproducentes de austeridade. O governo
golpista, porém, ainda não chegou ao FMI moderno e a Piketty, ficou parado na
reaganomics da década de 1980.
Além disso, tal equilíbrio
poderia ser obtido não tirando os pobres do orçamento, mas colocando os ricos
na arrecadação.
Os 71 mil cidadãos mais
ricos do país pagam apenas 6% de sua renda em impostos. Em contraste, você,
leitor de classe média, paga até 27,5% da sua renda ao fisco. E os mais pobres,
mesmo isentos dos impostos diretos, gastam boa parte de sua renda em impostos
indiretos. A bem da verdade, a carga tributária real para os que ganham até um
salário mínimo é de 37%. Por conseguinte, nossa estrutura tributária é muito
regressiva, socialmente injusta, e praticamente não incide sobre os ganhos do
capital. Só incide realmente sobre os rendimentos do trabalho. Na OCDE, apenas
a Estônia tem estrutura tributária semelhante.
Uma boa reforma tributária
poderia, numa conjuntura de estagnação do comércio mundial e baixo crescimento
da economia internacional, assegurar a receita necessária para a continuidade
dos investimentos públicos que estimulariam a economia real e permitiriam ao
Brasil sair mais rapidamente da crise. Ao mesmo tempo, se poderia fazer esforço
maior para coibir a sonegação fiscal, responsável por um rombo anual de mais R$
500 milhões, muito maior que o rombo ocasionado pela corrupção estrito senso,
qual mal chega a R$ 70 bilhões.
O governo golpista, no
entanto, não quer mexer no "andar de cima". Não tem interesse em
combater a sonegação e a evasão fiscal. Não quer mexer nas contas suíças. Não
deseja incluir os ricos na arrecadação. Na realidade, quer manter e ampliar os
gastos estéreis de mais de R$ 500 bilhões que temos anualmente pagando juros a
rentistas e ao sistema financeiro, que acumula hoje os maiores lucros da sua
história. Numa conjuntura em que muitos países praticam taxas de juros
negativas, o Brasil do golpe insiste em praticar uma das maiores taxas de juros
do mundo. Numa conjuntura recessiva, você, leitor de classe média, é obrigado a
pagar 256% de juros do cheque especial e até 420% de juros em seu cartão de
crédito. Isso não acaba apenas com as suas economias, isso acaba com a economia
do país.
Mas para esse governo
golpista, a culpa da crise é do pobre coitado que sobrevive graças ao Bolsa
Família, do estudante que faz universidade graças ao Prouni e ao Fies, do idoso
que recebe um aposentadoria equiparada ao salário mínimo, do paciente que hoje
pode se consultar com um médico de verdade graças ao Mais Médicos e ao SUS. Eles
seriam os "gastadores". Eles é que têm de ser punidos.
O governo Temer/Cunha não
engana ninguém. Ele não veio simplesmente para tirar Dilma Rousseff do poder.
Ele veio para tirar os
pobres do orçamento.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/marcelozero/242177/Temer-veio-para-tirar-os-pobres-do-or%C3%A7amento.htm
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