Um
projeto de lei que proíbe professores de veicular conteúdo ou promover
atividades “que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais
dos pais ou responsáveis pelos estudantes” tem chamado a atenção. Apelidado de
“escola sem partido”, o Projeto de Lei 867/2015 ganhou similares em estados e
municípios. E críticas entre constitucionalistas.
O
problema apontado é que o artigo 5º da Constituição Federal garante a liberdade
de expressão, enquanto o artigo 206 garante a liberdade de ensino. Assim,
vedar, previamente, que professores falem sobre algo que “possa estar em
conflito” com a convicção alheia contraria a Constituição.
Um
dos sites em apoio ao projeto (programaescolasempartido.org) responde a tal
crítica dizendo que não se trata de censura, pois o professor não desfruta de
liberdade de expressão em sala de aula. O texto afirma que a Constituição “não
garante aos professores a liberdade de expressão, mas, sim, a liberdade de
ensinar, também conhecida como liberdade de cátedra”, fazendo referência ao
artigo 206 da Carta Magna.
O
site diz ainda que se o professor tivesse liberdade de expressão “sequer
poderia ser obrigado (como é) a transmitir aos alunos o conteúdo da sua
disciplina, pois quem exerce liberdade de expressão fala sobre qualquer assunto
do jeito que bem entende”.
Para
quem estuda o Direito Constitucional, no entanto, a interpretação está
equivocada, pois o artigo 206 não substitui o artigo 5º, mas se soma a ele. Ou
seja, por ter liberdade de ensino garantida, o professor não perde o direito à
liberdade de expressão, que não pode ser suprimido de nenhum brasileiro.
Criminalização
do pensamento
“Isso
é tentar controlar os professores por intermédio da criminalização do
pensamento”, afirma o jurista Lenio Streck, que coordenou o livro Comentários à
Constituição do Brasil. Na mesma obra, o constitucionalista Daniel Sarmento
explica que a censura, em sua concepção mais tradicional, envolve o controle
preventivo das mensagens cuja comunicação se pretende fazer. “Trata-se do mais
grave atentado à liberdade de expressão que se pode conceber”, afirma Samento.
Escola
pluralista prevê professores de diferentes ideologias, diz Streck.
Streck
se diz completamente contrário ao projeto: “Quem quer fazer escola desse modo
deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e
escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista. E nisso está incluído o
'risco' de ter um professor de esquerda... Ou de direita”.
O
professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo Pedro Estevam Serrano aponta que, ao usar termos vagos como
"preferência política", o projeto pode levar à interdição do próprio
conhecimento. “Não se pode falar de racionalidade sem ampla liberdade de
formulação dos pressupostos do pensamento. Em essência, a proposta obriga a
adoção de uma linhagem de pensamento político-religioso”, afirma Serrano.
Falar
de marxismo em sala de aula pode ser tido como preferência, diz Serrano.
Ele
exemplifica: “Falar de marxismo em sala de aula, por exemplo, pode ser tido como
preferência política, mas como falar do mundo contemporâneo e suas formações
políticas e culturais sem falar de marxismo?”.
Presidente
da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e ex-presidente do Conselho Federal da entidade, Marcus
Vinícius Furtado Coêlho aponta que tão problemático quanto um professor impor
sua opinião a alunos é ele ser obrigado a não ter uma opinião. “Assim, além de
inconstitucional, é desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da
sala de aula.”
Não
se pode obrigar o professor a ser um autômato, diz Furtado Coêlho.
Furtado
Coêlho diz que a solução precisa ser o equilíbrio: “Nem tanto ao mar nem tanto
à terra. Assegurar a liberdade de opinião do professor desde que tal seja
exercida sem impor ao aluno determinada ideologia. Cautela, ponderação e
razoabilidade não fazem mal a ninguém”.
Enxurrada
de projetos
Atualmente,
o site escolasempartido.org contabiliza que projetos de lei com base no
anteprojeto disponível no site já foram apresentados em seis estados (Rio de
Janeiro, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul) e no
Distrito Federal. Além disso, aponta que já há propostas semelhantes tramitando
em oito câmaras municipais.
Na
Câmara de Santa Cruz do Monte Castelo (PR), a proposta já foi aprovada. Em
Alagoas, desde o dia 9 de maio, os professores das escolas estaduais são
obrigados a manter a "neutralidade" em sala de aula, em questões
políticas, ideológicas e religiosas.
O
movimento ganhou destaque depois que o ministro da Educação, Mendonça Filho, em
um de seus primeiros atos após tomar posse, recebeu o ator Alexandre Frota e um
dos líderes do movimento pelo impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff
para discutir o projeto “escola sem partido”.
Na
Câmara dos Deputados, caminham o PL 867/2015 e o PL 7.180/2014, que seguem a
linha do “escola sem partido”, e o PL 1.411/2015, que tipifica o crime de
“assédio ideológico”. Este prevê detenção de 3 meses a 1 ano para quem expuser
aluno a assédio ideológico, “condicionando o aluno a adotar determinado
posicionamento político, partidário, ideológico ou constranger o aluno por
adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente”.
Para
justificar os projetos de lei, seus autores afirmam que professores e autores
de livros didáticos usam aulas e obras para tentar obter a adesão dos
estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas.
http://www.conjur.com.br/2016-jun-23/proibir-professor-abordar-temas-sala-contraria-constituicao
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