Se
alguém suspeita de parcialidade da Polícia Federal, Ministério Público e
Judiciário na caça aos corruptos deve comparar a Lava Jato com o quase
esquecido Escândalo Banestado para tirar sua conclusão.
Foi
o escândalo da hora na Era FHC, entre 1996 e 2003, também nas mãos do juiz
Sérgio Moro, mas sem a pirotecnia do Petrolão.
Um
retrato da época mostra que nem todo delegado federal é um caçador de petistas.
Que
nem todo procurador do MPF investiga corruptos em nome de Deus.
E
que o juiz premiado não teve o mesmo apetite justiceiro diante dos poderosos do
tucanato.
O
Escândalo do Banestado serviu de modelo para as grandes operações midiáticas
Mensalão e Petrolão da Era Lula-Dilma e é o melhor exemplo do pior das três
instituições, cinco se incluídos Legislativo e Imprensa.
Nele,
apurou-se que 124 bilhões de dólares foram levados e lavados no exterior.
Nele,
estavam envolvidos grandes empresas (Globo) e políticos expressivos.
Mas
estranhamente a CPI do caso deu em nada.
E
o Judiciário, no primeiro grande caso nas mãos de Moro, jogou pesado com
laranjas, prendendo apenas chinelões.
O
procurador Celso Três e o delegado José Castilho levantaram a tampa do esgoto e
se deram mal – suas carreiras acabaram quando denunciaram tucanos e seus
aliados.
Castilho
e Três viraram críticos das instituições em que trabalham. A experiência
pioneira deles foi desprezada pela cúpula.
Hoje
seus nomes ainda são respeitados entre a maioria dos colegas. Mas seus exemplos
de seriedade, honestidade e competência não empolgaram as novas gerações.
Muitos viram que agir como eles é ruim para a carreira.
Ninguém
duvida: suas carreiras estagnaram por apontar culpados com longa folha de
serviços prestados à elite que domina o país há séculos, o verdadeiro centro do
poder.
Esta
é a história deles.
Delegado
Castilho: “Lava Jato vai pegar Renan, Jucá, Cunha e Temer”
“Tenho
convicção que a Lava Jato pegará Renan (Calheiros, presidente do Senado), Jucá
(Romero, senador), Cunha (presidente afastado da Câmara) e até o Temer (Michel,
presidente da República)”, disse o delegado federal José Castilho Neto, 56, em
entrevista ao DCM.
Castilho
é referência dentro da PF. Tem fama de competente e incorruptível.
Está
na geladeira desde que conduziu o inquérito do Escândalo do Banestado, no
governo tucano de FHC – rombo de 124 bilhões de dólares que bota Mensalão e
Petrolão no chinelo.
Castilho
diz que “a Lava Jato não está só atrás de petistas, como parece. Ela busca
atingir a corrupção no núcleo do poder da República, agora é a vez de ir atrás
dos outros”.
Acredita
nisso “porque é a PF e o MPF que estão comandando a luta contra a corrupção, o
juiz Sérgio Moro só se manifesta com base nas ações e pedidos destas duas
instituições”.
Castilho
está na geladeira da PF desde 2003, quando esteve no auge, na transição de FHC
para Lula. O posto dele em Joinville é considerado menor: “É o meu exílio
profissional”.
Ele
acredita que foi posto lá porque “denunciei na TV o envolvimento de gente da
cúpula do governo FHC no caso Banestado”. Castilho afirma que “a linha
divisória entre a impunidade da classe dominante e período de vigência da lei
foi o caso Banestado”.
Ele
é considerado precursor no uso das técnicas de investigação adotadas pelas
equipes da PF. Castilho já tinha trabalhado com o juiz Moro no Banestado, onde
rastreou contas internacionais de empresários e políticos. Foi o primeiro a
prender o doleiro Alberto Youssef, o delator zero do Petrolão.
Castilho
revela mágoas por ter sido afastado na transição do governo FHC para Lula “pela
panelinha que comanda a PF”, mas acha que a vida é assim, “é a dinâmica do
poder”.
Ele
atribui sua queda e exílio em Joinville (depois de outros postos menores ainda)
porque “fiz a denúncia pública dos nomes de gente poderosa cujas contas no
exterior foram reveladas, entre eles Jorge Bornhausen, José Serra, Sérgio Motta
e do operador de FHC, Ricardo Oliveira”.
Castilho
lembra que estava em Nova York trabalhando no rastreamento quando foi chamado
de volta e afastado da operação. Foi quando ele procurou a mídia para fazer as
denúncias.
Encontrou
um paredão, porque entre as empresas que usaram o recurso ilegal de enviar
dólares para o exterior estavam Rede Globo, Editora Abril, RBS e Correio
Braziliense.
Seu
momento de glória foi fazer a denúncia na Record, num programa nas altas horas,
audiência quase zero – digite o nome do delegado e veja no You Tube. Em 2003, o
caso Banestado rendeu uma CPI que deu em pizza.
Castilho
foi a estrela dela, levando um livrão verde com a lista dos nomes de 3 mil
pessoas com contas em dólar no esquema, entre mandantes e laranjas. Ele brandiu
o livro no ar no plenário da Câmara, sem sucesso: “Havia gente poderosa
envolvida, tinha gente lá de dentro, é claro que iriam abafar e foi o que
fizeram”.
Ele
diz que no início do governo Lula foi trazido de volta ao lado bom da carreira
por iniciativa de José Dirceu. “Mal eu comecei a mexer, fui outra vez afastado,
definitivamente”. Castilho sorri quando explica sua versão: “Acharam que eu era
petista, mas não sou nada. Sou contra a corrupção. Acho que o pessoal do PT
aprendeu como se fazia no Banestado e preferiu não mexer no esquema”.
O
Banestado sumiu da mídia quando começou o Mensalão. E o Petrolão substituiu o
Mensalão.
Castilho
diz acreditar que “o pessoal (da PF) que hoje atua na Lava Jato é movido não
por sua preferência política, como muitos acreditam, porque cada um tem a sua,
mas sim por uma imensa vaidade. É a mídia, é querer aparecer, estar na
vanguarda, tudo pura vaidade”.
Para
Castilho o episódio em que Moro jogou no ar a gravação do tchau querida “foi um
erro”. Aí, pensou um pouco e elaborou uma frase mais light: “Muito antes de
eventuais desvios (do juiz) há um mar de descumprimentos legais”.
Castilho
disse que a PF foi modernizada na Era Lula e cresceu muito. “Ganhamos verbas,
carros, tudo, mas o foco eram prefeitinhos e pequenos casos regionais”,
lamentou.
Ele
acredita que “por muito tempo a maior operação da PF foi a ‘cortina de fumaça’,
qualquer coisa que não chegasse ao núcleo do poder”.
Castilho
acha que “no governo FHC não havia interesse em ir fundo, porque era um governo
corrupto. Depois, a PF modernizada foi atrás dos prefeitinhos. Só agora é que o
foco está em derrubar o núcleo no poder, seja de que partido for”.
Ele
admite que “mesmo assim o que se vê é uma mira certeira em partidos de esquerda
e outros que deram sustentação a um governo de centro-esquerda”.
Castilho
se sente orgulhoso de ter contribuído no combate contra a corrupção. Ensina às
novas gerações de delegados que “dinheiro não some, alguém fica com ele” e que
o caminho “é sempre seguir a trilha dele”.
O
delegado disse que fez sua parte “deixando uma longa lista de criminosos de
colarinho branco que continua em ação, mas que já foram identificados. Está
tudo num arquivo digital na Divisão de Ações contra Ilícitos Financeiros, que
deixei lá”. Segundo ele “ali está o mapa da corrupção, estranhamente
abandonado”.
Com
sua experiência, sabe que seria mais útil se pudesse voltar ao núcleo de elite
da PF.
Aceita,
no entanto, o destino: “Minha rotina é perigosa, mas é a mesma de muitos
policiais. Acordo cedo, boto uma pistola na cintura e saio com minha equipe
para caçar traficantes. Alguém tem que fazer este trabalho.”
Procurador
Celso Três: “Conspiração da Justiça derrubou Dilma”
O
procurador federal Celso Antônio Três (55), membro do grupo anticorrupção do
MPF, é um crítico da Lava Jato: “Janot (Rodrigo, procurador geral) e Sérgio
Moro fizeram uma conspiração da Justiça contra a política para dar o golpe que
derrubou a presidente Dilma”.
Ele
fala com a autoridade de ter sido o primeiro procurador federal a seguir a
trilha de volumosa quantia de dinheiro desviado do Brasil para o exterior – o
Escândalo Banestado em 2003. Um trabalho de investigação monumental, sem os
recursos que o MPF tem hoje.
Em
entrevista ao DCM o procurador afirmou que “é inconcebível essa intromissão da
Justiça na política. É evidente que o que vai ficar na história não é essa
coisa ridícula da pedalada fiscal, mas sim a existência de uma conspiração. A
divulgação da gravação da conversa Dilma-Lula foi uma ilegalidade, e isto é
inaceitável vindo de um juiz”.
Celso
critica, também, a prisão do senador Delcídio Amaral. “A Constituição é clara
quando diz que um senador só pode ser preso em flagrante delito e por crime
inafiançável.”
Para
o procurador “se houve alguma transgressão foi da própria Justiça, que cometeu
‘um crime de hermenêutica’ ” (de interpretação da lei) – esta é a palavra usada
de forma irônica dos juristas para criticar o sistema: “Eles foram torcendo a
lei até achar um jeito de enquadrá-lo e forçar a delação”.
Assinalou
que “outra coisa grave é querer condenar políticos por receber doações legais.
Se está na lei, não é vantagem indevida. Esta história de que um parlamentar
pode ser condenado se o dinheiro veio de um desvio (no caso, da Petrobras) é
bobagem, porque precisa se provar que ele tenha participado da origem do
desvio”.
Celso
Três fala com a experiência de ter sido entre 1996 e 2003 o nome mais
importante do MPF, por sua atuação firme e corajosa no Caso Banestado.
Com
base na atuação dele o MPF passou a criar grupos especializados em crimes
financeiros . O Judiciário também criou varas idênticas, sendo a primeira delas
a do juiz Sérgio Moro. Banestado, Mensalão e Petrolão se ligam porque muitos
dos procuradores e o juiz Moro trabalharam em todos eles.
Três
vê na Lava Jato “uma excrescência jurídica e com claros atropelos da
Constituição”. Ele trabalhou com alguns dos integrantes do MPF que hoje estão
na força-tarefa da Lava Jato e acredita que “existe uma natural exacerbação que
parece de boa fé, mas inaceitável. É ridículo um procurador invocar Deus”
(referindo-se, sem citar, ao chefe da equipe de procuradores, Deltan
Dallagnol).
O
procurador disse ainda que “mais atropelos vêm aí, como aquele pacote de 10
medidas anticorrupção enviado ao Congresso. Não é tarefa do MPF, e além do mais
tem erros grosseiros no item das nulidades, só vai piorar as coisas se for
aprovado”. Três disse também que “a Justiça tem efeito indevido na política, mas
o Brasil é movido por tsunamis”.
Três
comandou o inquérito das contas CC5 do Caso Banestado. O modelo de investigação
quebrou o sigilo de milhares de pessoas e empresas, flagrando as
irregularidades.
Ele
ainda hoje mantém cópia dos volumes do inquérito em seu gabinete. Gosta de
exibi-los aos interessados. “Nunca se pôde fazer justiça porque o governo FHC
tinha altos membros envolvidos. Parte do dinheiro serviu para compra de votos
para a reeleição dele, outro escândalo da época”, lembra, manuseando os documentos.
“Nós
do MPF tivemos que desmembrar cada ação por domicílio fiscal dos suspeitos, o
que se tornou um pesadelo. O Banco Central e a PF nunca colaboraram
efetivamente, até atrapalhavam as investigações, visivelmente por ordem do
Executivo. Por causa disso os principais mandantes nunca foram presos”.
Celso
diz que “os efeitos do caso Banestado até hoje são sentidos. O atual governador
do Paraná, Beto Richa, tinha despachado para o exterior 1 milhão de dólares,
sem comprovar a origem do dinheiro”.
Ele
exibe documentos e mostra que o Banco Araucária (do ex-senador e governador
biônico catarinense Jorge Bornhausen) enviou para o exterior 2,4 bilhões de
dólares.
“Nossa
experiência de combate à corrupção serviu como modelo para a Lava Jato. Não
pudemos avançar porque a CPI deu em pizza. E um dos entraves foi quando
flagramos a Rede Globo e a RBS mandando dinheiro para fora”.
A
carreira de Três declinou depois que ele fez as denúncias da mídia para a mídia
– nunca foi indicado para nenhum prêmio. Pior: só recebeu ameaças de morte. Foi
movido para outras comarcas.
Lotado
em Santa Catarina no ano 2000, iniciou um processo que o botou na geladeira de
vez: tentou quebrar o monopólio da RBS (repetidora da Globo) no estado. Ele
sustenta que a empresa “monopolizou a imprensa em SC, controla rádio, jornais e
TVs, ferindo a Constituição”.
O
caso ainda está pendente de decisão do TRF4, em Porto Alegre. Celso Três é
procurador em Novo Hamburgo, no interior do Rio Grande do Sul.
ENTENDA O
ESCÂNDALO DO BANESTADO
O
que é: maior caso de evasão de divisas do Brasil.
Quanto:
128 bilhões de dólares. Quase 420 bilhões de reais ao câmbio atual.
Quando:
1996 a 2003.
Onde:
epicentro em Foz do Iguaçu (PR), com raio de ação em todo Brasil, Nova Iorque e
Bahamas.
Origem
do nome: o caso foi descoberto na agência do Banestado, em Foz do Iguaçu.
Investigados:
3 mil pessoas, empreiteiras, mídia, bancos e casas de câmbio.
Condenados:
26 laranjas, nenhum político ou empresário poderoso.
Legado:
o modelo de investigação internacional reinventou o papel do Ministério Público
Federal, criou as bases da moderna Polícia Federal para investigar crimes
financeiros, obrigou o Judiciário a criar varas especializadas como aquela que
Sérgio Moro comanda, forçou o Executivo a reequipar a PF e o MPF, e serviu de
modelo para a Lava Jato.
Personagens: Procurador do MPF Celso Três e
delegado da PF José Castilho Neto.
COMO FOI
Mídia
envia dinheiro ao exterior e boicota escândalo
Políticos
e empresários usaram doleiros e laranjas para remeter dinheiro para paraísos
fiscais entre 1996 e 2003, burlando o sistema legal de remessa pelas contas
internacionais conhecidas como CC5 (por isso também conhecido como Escândalo
das CC5). O MPF em Foz do Iguaçu descobriu a fraude porque a agência local do
Banestado enviou para a agência de Nova York cerca de 30 bilhões de dólares – o
total com outros bancos chegou aos 124 bilhões.
A
movimentação era demais naquele final dos anos 90 e levou o até então
desconhecido procurador Celso Três a começar a investigação. Como o MPF não
tinha técnicos e supercomputadores, quem deu início ao rastreamento de contas
pela internet foi um motorista do órgão. Apaixonado por computadores, ele usou
um PC apreendido de contrabandistas para descobrir a fraude.
O
procurador formou dupla com o delegado federal José Castilho Neto para levar a
investigação aos Estados Unidos, seguindo a trilha do dinheiro enviado para o
exterior. A investigação identificou dezenas de doleiros, entre eles o mesmo
Alberto Youssef delator da Operação Lava Jato, e cerca de 3 mil laranjas
(pessoas comuns, usadas por políticos e empresários para enviar dinheiro em
seus nomes).
Foram
flagrados com remessas ilegais os políticos Jorge Bornhausen, José Serra,
Sérgio Motta (já falecido), Ricardo Oliveira (operador nas campanhas de FHC e
José Serra) e até o jovem Carlos Alberto Richa (Beto Richa), hoje governador do
Paraná, que remeteu 1 milhão de dólares. Quase todos eram da cúpula do governo
FHC. O doleiro Youssef foi preso e tornou-se delator pela primeira vez. O
trabalho do procurador e do delegado deu base para a abertura de uma CPI, em
2003.
A
mídia promoveu boicote depois que foram apresentados documentos de remessa
ilegal de dinheiro pela Rede Globo, Editora Abril, RBS e Correio Braziliense.
No front político, a investigação do Banestado morreu na CPI. No front
jurídico, o MPF e a PF foram esvaziados, perdendo poderes. Ainda em 2003, quase
no final, um novo juiz assumiu o caso: Sérgio Moro. Mas as investigações não
avançaram.
O
procurador e o delegado foram afastados. A investigação foi desmembrada, numa
decisão que depois se mostrou equivocada ou, quem sabe, muito bem calculada
para chegar aonde chegou: a nada. Cada laranja deveria enfrentar processo em
seu domicílio fiscal, em dezenas de comarcas pelo Brasil. Houve 91 prisões de
”peixes miúdos”, do quais só 26 foram efetivamente fisgados. Muitas das ações
ainda estão dormindo nos tribunais. Parece que a Justiça se desinteressou
depois que o Mensalão (2004) pintou na mídia. É um pesadelo logístico saber
quantas ações do caso Banestado já caducaram.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-o-dcm-joga-novas-luzes-sobre-o-escandalo-do-banestado-por-renan-antunes-de-oliveira/
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