Mossoró
é a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.
Desde
2005, abriga a Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), criada no
primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nas
últimas três semanas seus estudantes protagonizaram dois momentos históricos.
O
primeiro, em 22 de junho, na solenidade de colação de grau de vários cursos.
Os
estudantes transformaram a maior formatura da história da universidade em ato
pelo Fora Temer.
À
estudante de Agronomia Maria Clara Dias coube a homenagem aos pais. Em discurso
emocionante, ela reconheceu as conquistas sociais obtidas nos governos Lula e
Dilma.
“Não
iremos aceitar, em hipótese alguma, algum retrocesso desse governo golpista, só
estamos aqui hoje graças a uma grande expansão universitária”, afirmou Maria
Clara, imediatamente apoiada pela maioria dos colegas que gritava. “Fora
Temer!”
Os
dois vídeos, gravados de celular por ângulos diferentes, estão com baixa
qualidade. O primeiro tem corte brusco no fim. O segundo contém a íntegra do
discurso. Valem como registro histórico.
O
segundo momento foi nesse sábado, 10 de julho. Na festa dos formandos de
Direito, um novo “Fora Temer!”.
É
a segunda turma de Direito a se formar lá.
Daniel
Valença, professor deles no curso de Direito e na extensão popular da Ufersa,
comemora:
“Para
nós, essa formatura tem significado especial. É o resultado do esforço de uma
geração - não só aqui, mas no País - por um curso de Direito voltado para os
problemas concretos das pessoas, para a diversidade e a construção de uma
sociedade mais humana”.
Explica-se.
No curso de Direito, as atividades vão além da sala de aula.
Em
2010, nasceu lá o Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América
Latina (Gedic), integrado por cinco professores e estudantes – a maioria de
Direito, mas há de Agronomia, como Maria Clara Dias.
O
grupo desenvolve pesquisas sobre direito à terra, diversidade e gênero, dívida
pública e direitos sociais, constitucionalismo e processos políticos
latino-americanos, etnia e negritude.
Também
ações de educação popular e assessoria jurídica para o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), Associação de Catadores de Material Reciclável
(Acrevi), grupo de mulheres e sindicatos rurais.
O
grande diferencial desses alunos, segundo Valença, é que eles são da própria
região, portanto se debruçarão sobre problemas que conhecem e vivenciam, como a
questão da terra e a convivência com a seca no semiárido.
O
próprio Gedic, por sua vez, é outro grande diferencial.
Nós
conversamos com Pedro Brendo, formando de Direito, sobre essa experiência
inovadora. Ele está na foto abaixo. É o primeiro da esquerda para a direita.
Seguem-se Thariny Lira (de óculos) e a irmã Thaíssa, Ronaldo Maia e Najara
Thayany. Com exceção de Thaíssa Lira, todos participantes do Gedic.
Como
foi participar do Gedic?
O
Gedic é um grupo de estudos em Direito crítico. A sua proposta é conhecer o
Direito a partir da realidade social, não como algo distante e feito apenas em
casas legislativas, mas enquanto resultado das disputas de classes.
Compreender
essa “equação” permite entender como o Direito funciona dentro da sociedade
enquanto instrumento constituído para a manutenção das coisas como estão,
portanto legitimação das desigualdades decorrentes.
Já
a compreensão do Direito enquanto disputa de classes permite-nos constatar que,
diante das contradições que surgem numa sociedade capitalista, é possível
garantir direitos de grupos minoritários.
Assim,
o Gedic, com o passar dos anos, adquiriu caráter de pesquisa e extensão,
permitindo-nos a experiência do contato com grupos minoritários e sua luta por
reconhecimento de direitos.
Em
que medida, contribuiu para a sua formação?
Contribuiu
- e ainda contribui - para uma formação humana e crítica minha e das demais
pessoas que atuarão na resolução de conflitos sociais.
Acredito
que isso seja um importante diferencial diante da realidade das faculdades de
Direito do Brasil, em sua grande maioria particulares e comprometidas
basicamente com as relações comerciais com seus estudantes.
E
na Ufersa o que mais te chama atenção?
Ver
que nela existem dois projetos em uma disputa muito nítida.
De
um lado, o projeto de universidade popular, que reconhece as desigualdades
sociais e até atua para ajudar a superá-los. Nele, cabem várias pautas cada vez
mais colocadas à sociedade por seus sujeitos.
São
pessoas LGBTs dizendo que a universidade precisa romper o silêncio que garante
a existência do discurso de ódio contra elas.
São
mulheres se organizando e lutando contra o machismo e o patriarcado, que
permeiam as relações de construção do conhecimento, da ciência e do fazer
pedagógico.
São
os negros denunciando o racismo estrutural, responsável por manter um espaço de
poder hegemonicamente branco e por invisibilizar as pessoas que entram na
universidade por políticas de inclusão.
E,
aliada, a todas essas pautas, o recorte econômico de classe, que não deixa de
ser pautado por esses sujeitos políticos.
Do
outro lado, o projeto de universidade conservadora, fundamentado na
meritocracia branca e burguesa. Nele, cabem todos aqueles que lutam para manter
vivas as opressões estruturais. São sujeitos abertamente machistas, misóginos,
racistas e que odeiam pessoas LGBTs, muitos tendo o Bolsonaro como sua
referência política.
Atualmente,
qual desses projetos tem hegemonia?
Hoje,
nenhum dos dois. Mas temos trabalhado muito para avançar no aprofundamento das
transformações empreendidas na última década. Essa é uma tarefa incansável do
movimento estudantil de esquerda e popular.
Como
é fazer parte de um projeto progressista, popular, de universidade, estando
numa cidade reduto do DEM, dominada por uma elite ultraconservadora em todos os
sentidos?
Como
eu te disse, nós temos dois projetos muito nítidos disputando espaço na Ufersa.
Essa realidade é resultado do meio em que vivemos.
Numa
cidade como Mossoró, ainda muito dominada por uma política coronelista e
conservadora, o resultado dificilmente seria diverso. E essa realidade impõe
constantemente tarefas difíceis, isso porque a reação a qualquer pauta
progressista ou democrática é rápida e feroz.
Uma
breve visita ao grupo da Ufersa no Facebook possibilita ter a exata noção do
quanto é conservadora parte da comunidade acadêmica. E o mais curioso: não
possuem pudor algum em serem racistas, machistas, misóginos e reproduzirem ódio
às pessoas LGBTs. É tudo muito escancarado. Isso não nos desestimula, mas
consome quantidade considerável de energia.
Um
detalhe que não pode passar despercebido foi a presença de um vereador do PSDB
este ano no dia da eleição para direção do DCE. Felizmente, eles perderam.
E
o “Fora Temer” na colação de grau e na festa da formatura?
(Risos)
O “Fora Temer” agrega diversos setores dentro da sociedade, independentemente
do apoio ao mandato da presidenta Dilma. E numa universidade pública, tem
simbologia muito importante, pois é a tradução da defesa do ensino público.
Na
colação de grau, nós nos comunicamos com as famílias dos 400 formandos que
estavam ali. No momento de homenagem aos pais e mães foi como se disséssemos:
“A educação pública e a democracia serão defendidos em todos os espaços, não
reconhecemos governo golpista!”
Na
colação de grau, durante o discurso da Maria Clara houve vaias. Você se
surpreendeu?
Houve
vaias, sim, de seleta parte de estudantes, mais precisamente de algumas
engenharias. O conservadorismo ainda é muito presente nesse seguimento da
comunidade acadêmica. Eles ficaram muito incomodados com os aplausos e o coro à
fala da Maria e vaiaram.
Não
me surpreendi, não. Foi apenas reação de quem está se sentindo incomodado por
ver os privilégios serem rompidos. E que bom que se trata disso. O sentimento
de estar cumprindo nossa tarefa é cada vez maior. Fizemos, fazemos e faremos
muita história nessa universidade. Não descansaremos até que ela seja bem negra
e colorida, feminista, popular e com caráter classista.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/07/a-formatura-que-virou-ato-do-fora-temer.html
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