Entenda os problemas dos
argumentos a favor do aumento da idade de aposentadoria, cerne da reforma da
Previdência proposta por Michel Temer
O adiamento, na terça-feira
28, do envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso pelo presidente
interino Michel Temer é o segundo fracasso desse ponto da pauta socioeconômica
mais regressiva de uma administração federal desde os anos 1990.
O cerne da proposição, de
elevação da idade mínima de aposentadoria, foi recusado pelas centrais
sindicais aliadas, convocadas pela segunda vez a ratificar a fórmula de Temer e
do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Aumentar a idade de
aposentadoria é irrealista não só pela dificuldade de implantação, como mostra
a reação até de parceiros, mas devido também a falta de correspondência entre
os argumentos e a realidade em diversos aspectos, em um descasamento certamente
não fortuito:
A comparação absurda entre o
Brasil e países avançados
A maior parte da mídia
utiliza como referência as idades mínimas mais elevadas vigentes em países
avançados na tentativa de mostrar um presumido atraso do Brasil na área. Faltou
comparar também as condições médias de trabalho, renda, moradia, transporte,
ensino, saúde e bem estar social institucionalizadas há décadas naqueles países
com a situação brasileira.
O contexto das sociedades
avançadas garante uma vida digna, portanto um envelhecimento decente, ambos
inatingíveis nas condições brutais à disposição da maioria da população do
País, apesar de alguns avanços inegáveis nas últimas décadas. Equalizar idades
mínimas de aposentadoria entre países avançados e o Brasil, em qualquer
patamar, seria tratamento igual de desiguais, portanto injustiça flagrante.
Aos 50 anos, o trabalhador
brasileiro está exaurido
Dada a baixa renda familiar
predominante, o jovem com frequência se vê forçado a abandonar ou não chega a
iniciar os estudos para obter ocupação remunerada e assim minorar a penúria
doméstica.
Sob condições de trabalho
raramente decentes, forçado a uma rotatividade de empregos imposta pelas
empresas e legitimada pela legislação com o objetivo de perpetuar um ciclo de
rebaixamento de salários, chega aos 50 anos inevitavelmente exaurido, quase
sempre doente, sem dinheiro suficiente para comprar medicamentos e com
probabilidade mínima de obter emprego.
Nessas condições, não cabe
recriminá-lo por dar entrada a um pedido de aposentadoria para garantir uma
“renda pequena mas certa”, anota o economista Amir Khair.
A idade mínima já aumentou
com a regra 85/95
Um aumento de idade de fato
já ocorreu. Como observou Khair em entrevista à CartaCapital, quem está na
regra 85/95 recebe a média de 80% dos maiores salários. Quem não atingiu a
regra 85/95 e contribuiu no mínimo por 35 anos, no caso dos homens, ou 30 anos,
no caso das mulheres, multiplica aquela média pelo fator previdenciário. Mas
quanto mais os anos passam, maior o tempo de sobrevida calculado todos os anos
pelo IBGE, portanto a cada ano cai o fator previdenciário.
Sem manipulações contábeis,
há superávits, não déficits
Falta sentido à proposta de
aumento da idade para a aposentadoria pelas razões específicas expostas acima e
também por uma questão mais geral e decisiva. A Constituição Federal estabelece
que o Executivo deve elaborar e executar três orçamentos: fiscal, de
investimento das empresas da União e da seguridade social.
O governo apresenta,
entretanto, dados consolidados de apenas dois demonstrativos de execução
orçamentária, o orçamento de investimento das empresas da União e o orçamento
fiscal e da seguridade social. O último agrega as receitas e gastos fiscais e
da seguridade num único orçamento.
Em consequência, as receitas
próprias da seguridade social (contribuições sociais) aparecem unificadas às
outras receitas de impostos pertencentes ao orçamento fiscal, assim como as
despesas misturam-se para daí sair um resultado consolidado de dois orçamentos,
concluiu a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
após uma pesquisa profunda que embasou a sua tese de doutorado, referencial
sobre o assunto. Respeitada a Constituição, portanto, não há déficit e essa é a
interpretação legal e contabilmente defensável.
As contribuições
previdenciárias são “brutalmente sonegadas pelas empresas”
Além da possibilidade de
tornar a Previdência superavitária com o fim da manipulação contábil dos
orçamentos constitucionalmente estabelecidos, é possível elevá-las de modo
substancial, argumentam o economista José Dari Krein e o auditor fiscal do
Trabalho Vitor Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais
e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp.
A formalização do trabalho
assalariado sem carteira assinada acrescentaria ao orçamento anual 47 bilhões
de reais, o fim da remuneração “por fora” aos trabalhadores 20 bilhões, o
reembolso pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho 8,8 bilhões, a
extinção do enquadramento de acidentes de trabalho como doenças comuns 17
bilhões, e a eliminação das perdas de arrecadação por subnotificação de
acidentes, 13 bilhões.
Segundo os pesquisadores, os
números evidenciam que “as contribuições previdenciárias são brutalmente
sonegadas pelas empresas no Brasil”.
Acrescente-se a eliminação
dos desvios de receitas e das renúncias fiscais e se terá uma previdência com
fôlego para sustentar algo mais próximo do estado de bem estar social criado na
Europa.
Fonte. Carta Capital
http://www.cartacapital.com.br/economia/por-que-aumentar-a-idade-de-aposentadoria-e-uma-proposta-irrealista?utm_content=bufferbd997&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer
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