Enquanto
a direita demoniza a maconha, os Estados Unidos estão vivendo uma epidemia de
vício em uma droga “legal”, daquelas que se compram na farmácia: os analgésicos
opioides, ou seja, derivados do ópio (natural ou sintético), como a morfina. As
mais recentes mortes de artistas por overdose que vimos na mídia foram causadas
não por substâncias “ilegais”, como a cocaína, mas por overdose destes
medicamentos: os cantores Michael Jackson e Prince e os atores Heath Ledger e
Brittany Murphy morreram por overdose de analgésicos opioides. Os números são
brutais: apenas em 2014, 28 mil pessoas morreram nos EUA da mesma forma que
estas celebridades. Nada menos que 76 pessoas por dia.
A
devastação promovida pela indústria farmacêutica com estas drogas motivou ações
judiciais de cidades inteiras contra os principais fabricantes, como ocorreu
com Chicago. Finalmente, uma das empresas, a gigante Pfizer, resolveu se
antecipar e anunciou que vai colocar nas embalagens dos remédios que eles
causam dependência e que são absolutamente ineficazes após algumas semanas. A
questão da eficácia, aliás, é o ponto-chave da questão: há pouquíssimos estudos
que comprovam que analgésicos opioides de fato funcionam para enfrentar a dor
crônica. Tudo pode ter sido apenas um truque para vender remédio que viciou
multidões. Novas denúncias estão vindo à tona mostrando como a indústria
farmacêutica publicou estudos com falsos grupos de pacientes e como comprou a
opinião de médicos para avalizar os opioides.
Leiam
este texto publicado no site Alternet que traduzi e adaptei para vocês sobre a
epidemia dos opioides nos EUA e a decisão da Pfizer de admitir os riscos do
medicamento. Além de muito esclarecedor, o artigo coloca em evidência a
hipocrisia de uma sociedade que condena as drogas vendidas por traficantes
enquanto compra na farmácia substâncias prescritas por médicos que causam
dependência e levam à morte.
***
Por Martha
Rosenberg, no Alternet
Não
é segredo que os analgésicos opioides causam dependência inclusive quando
usados como prescritos; por isso eram altamente restritos até bem recentemente.
Também não é segredo a falta de evidência da utilidade do uso continuado de opioides
para combater a dor crônica, apesar do marketing antiético da indústria
farmacêutica.
Agora
a Pfizer, a segunda companhia de medicamentos do mundo, concordou em colocar
uma advertência para estas drogas perigosas que causam pelo menos 60 mortes por
dia nos EUA. A Pfizer irá admitir que os opiáceos “trazem sério risco de causar
dependência –mesmo quando usados apropriadamente”, publicou o Washington Post.
A empresa também promete “não promover opiáceos para usos não comprovados, como
dor nas costas crônica. A empresa admite ainda que não há comprovação da
eficácia dos opioides após 12 semanas de uso”.
As
revelações e advertências da Pfizer não são um mea culpa. A cidade de Chicago
processou cinco fabricantes de opiáceos em 2013 –Johnson & Johnson, Purdue
Pharma, Teva Pharmaceutical Industries, Endo Health e Actavis–, mas a Pfizer
não era uma delas. A Pfizer, que vende um analgésico opioide, não aparece no
processo, e não há admissão de delito.
Em
vez disso, a Pfizer está voluntariamente elaborando um código de venda de
opiáceos, disse um porta-voz da empresa, porque considera o mau uso de opioides
um “problema de saúde pública”, e está “feliz por se colocar ao lado deles
(Chicago) para garantir que os analgésicos estão sendo comercializados de forma
responsável. Nós queremos garantir que as pessoas que realmente precisam deles
os consigam”. O código reflete as políticas de marketing atuais da Pfizer,
disse o porta-voz, e segue os programas de controle de risco da FDA (Food and
Drug Administration) para opioides de liberação prolongada e de uso continuado.
A
Pfizer produz e vende o analgésico opioide de liberação prolongada Embeda, que
não é tão responsável pelo vício epidêmico em opioides como o OxyContin, o
opioide de longa duração da Purdue (associado às mortes de Michael Jackson,
Prince e Heath Ledger).
A
ação judicial de Chicago e outras semelhantes nos condados de Santa Clara e
Orange, na Califórnia, acusam os fabricantes de conspirar durante duas décadas
para obter lucro com a venda de opiáceos, além de disseminar informações
médicas enganosas que subestimaram o vício e de mentir sobre a eficácia do uso
continuado de opioides. As municipalidades acusam os fabricantes de opioides de
criarem falsos grupos de “pacientes” que clamavam por mais opioides e de
comprar a opinião de médicos respeitados. Os planos de saúde de Chicago
gastaram milhões de dólares em opioides, que a cidade afirma terem sido
inapropriadamente prescritos aos funcionários municipais.
Ineficácia
contra dor crônica
Como
o AlterNet recentemente noticiou, a indústria farmacêutica sacudiu o mercado de
dor crônica vendendo opioides, apesar de sua ineficácia. “Após mais de uma
década do boom do uso de analgésicos narcóticos para combater a dor crônica,
continua escassa ou inexistente a sólida evidência da eficácia destas drogas”,
publicou John Fauber, do the Journal Sentinel.
Uma
década depois de a indústria farmacêutica prometer a médicos e pacientes que os
opioides são bons e necessários para a dor crônica, duas pesquisas patrocinadas
pelo governo no Annals of Internal Medicine em 2015 revelaram que há poucos
estudos mostrando alívio na dor crônica em curto prazo e quase nada no uso
continuado.
Como
a Pfizer agora admite, não há “pesquisa positiva sobre a eficácia dos opioides”
além de 12 semanas. E não é só isso. Os opioides podem na verdade piorar as
dores, diz Richard W. Rosen’quist, da clínica Cleveland, um fenômeno chamado
“hiperalgesia induzida por opioides” (OIA, na sigla em inglês).
“Tratei
pessoalmente de pacientes que estavam aterrorizados de desmamar seus opioides
porque tinham medo que a dor voltasse, até que descobriram que tinham menos dor
sem eles”, escreve Sridhar Vasudevan em Multidisciplinary Management of Chronic
Pain, que oferece muitos tratamentos não-cirúrgicos e sem opioides para a dor
crônica.
Muitos
pacientes com dor crônica sem malignidade ou sem estarem em estado terminal
beberam dessa poção mágica. O problema real é a “desinformação” da mídia em
relação aos opioides, para deleite da indústria farmacêutica. Eles não lembram
que, 20 anos atrás, antes do marketing, ninguém tinha ouvido falar de tratar
dor crônica com narcóticos.
As
vítimas dos opioides não são apenas jovens que partem para a heroína após não
conseguir opioides. Pacientes mais velhos também são afetados pela febre dos
opioides. “Cérebros e corpos mais velhos são mais sensíveis às complicações com
as drogas, desde quedas e problemas respiratórios até problemas cognitivos e
demência”. “Como corpos mais velhos metabolizam as drogas menos rapidamente,
estas medicações tendem a se acumular no seu organismo”, diz um estudo
publicado em 2014.
A
Pfizer está certa e poderia ser parabenizada por admitir que opioides viciam e
que não funcionarão após algumas semanas –se isso não fosse um fato conhecido
durante todos estes 20 anos de epidemia em opioides.
Martha
Rosenberg é repórter investigativa na área de saúde e autora de “Born With a
Junk Food Deficiency: How Flaks, Quacks and Hacks Pimp the Public Health
(Random House).”
http://www.socialistamorena.com.br/pfizer-admite-que-opioides-viciam/
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