Deus! Ó Deus! Onde estás que
não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela
tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Castro Alves
O Estadão registrou ontem
fala do Min. Barroso a estudantes da UnB sobre o processo de impeachment.
Confesso que, como ex-aluno dele, fiquei um pouco mais decepcionado, mas não
mais chocado. Há pouco ainda capaz de chocar no Brasil atual – e isso inclui a sua
mais alta Corte.
(i) A fala de Barroso
- Penélope (Barroso) borda
um lindo bordado durante o dia
O impeachment depende de
crime de responsabilidade. Mas, no presidencialismo brasileiro, se você
procurar com lupa, é quase impossível não encontrar algum tipo de infração pelo
menos de natureza orçamentária. Portanto, o impeachment acaba sendo, na
verdade, a invocação do crime de responsabilidade, que você sempre vai achar,
mais a perda de sustentação política.
Eu acho que quem acha que (o
impeachment) é golpe tem fundamentos razoáveis para dizer que não há uma
caracterização evidente de crime político e, na verdade, está-se exercendo um
poder do ponto de vista de quem foi derrotado nas eleições. Esse é um discurso
plausível. O outro é: a presidente não tinha mais sustentação política para
fazer o que o País precisava, e a maior parte da sociedade e a maior parte do
Congresso acharam que era melhor afastá-la.
- Mas a própria Penélope
(Barroso) desfaz todo o seu bordado à noite
Não é papel do Supremo jogar
o jogo político quando ele chega nesse estágio. Essa deixa de ser uma questão
de certo ou errado e passa a ser uma questão de escolhas políticas. Não é papel
do Supremo fazer escolhas políticas.
(ii) Traduzindo a fala
Na primeira parte, em que a
suprema Penélope faz o bordado, fica claro o que diz: este impeachment é sim
golpe – descontadas as firulas retóricas.
Mas e a segunda parte, em
que Penélope desfaz o próprio bordado?
Nela diz Barroso: é golpe
sim, mas eu não vou fazer nada a respeito. E eis a desculpa que vou dar para a
minha omissão: o STF deve se omitir para não se queimar em definitivo com
nenhum dos nossos comensais em Brasília.
(iii) O que pretende Barroso
com a fala? Por que agora e não três meses atrás ou três meses para frente?
O timing desse ataque de
semi-sinceridade é um tanto óbvio. Se tinha essas convicções antes, engoliu-as.
E aí, oportunisticamente esperou para ver no que que o golpe ia dar.
E aí...
Ficou feio demais neste
menos de 1 mês (!) de usurpação e “pausa democrática”. Ações como a intervenção
pesada e o desmonte até de instituições unânimes, como Fórum Nacional de
Educação (FNE), IPEA, CGU, EBC, etc., não deixaram dúvidas. Não há – e não
haverá – limite para os golpistas. Para eles não há impedimento constitucional,
legal, moral e - sobretudo - institucional.
Pior ainda a coisa ficou
depois que a conspiração ficou escancarada pelos grampos de Sérgio Machado. Os
áudios revelam até mesmo uns tais “entendimentos” dos conspiradores com
“MinistroS” do Supremo.
Houve, ainda por cima,
demonstrações do proto-autoritarismo e da mesquinharia do golpe: entre outras
coisas, cortou-se avião e a comida de Dilma; provocou-se cortes sucessivos de
energia no Alvorada; pediu-se ao Exército para espionar o PT (!); e impôs-se
barreira militar no Alvorada para controlar quem vai e quem vem falar com a
Presidente.
Eita!
Então, antes que o golpe
seja consumado no Senado, a vaidade de Barroso o obriga a se descolar do mesmo.
Mas não em demasia, bem entendido. Ele não se coloca contra. Coloca-se sim
pairando acima.
Oh! Ouço harpas tocando no
éter e o cheiro de ambrosia...
Desculpe-me, mestre, mas não
cola não. O golpe, feio que só ele, ficará sim colado à sua biografia, caso
siga o script de omissão que traçou para si. O Sr. é brilhante, todos sabemos.
Mas não somos parvos tampouco.
Três semanas atrás (23/5),
no iniciozinho do golpe, Barroso fez questão de se sentar na primeira fila na
cerimônia de posse dos novos Secretários, realizada no Palácio ocupado
ilegitimamente pelos usurpadores. Lá se colocou para prestigiar seu ex-aluno,
Marcelo Calero, o interventor na Cultura. Calero, para sorte dele e azar o
nosso, acabou virando depois não mais Secretário, mas Ministro de Estado. Isso
aos trinta e poucos anos e em área alheia a si.
Como disse um observador
sênior do mundo do Direito, Barroso queria ao mesmo tempo mostrar prestígio
pessoal - "imaginem vocês que fui professor do novo
ministro...ho-ho-ho..." - mas também dar prestígio à cerimônia oficiada
pelo grão-mestre do golpe.
Fosse a cerimônia hoje já
não estou tão seguro da presença de Barroso. Talvez lá na última fila e longe
das câmeras.
Timing é tudo, não é mesmo?
Será que Barroso quer com a
sua fala evitar que haja no “Brazil Forum 2016”, a se realizar em Londres no
dia 17 próximo, “recepção calorosa” como as que tem tido o chanceler José Serra
em suas viagens internacionais?
(iv) A degeneração de nossas
lideranças e a falta de figuras referenciais
Eu mesmo lembrei meses
atrás, aqui no blog, do dia em que Raimundo Faoro, então Presidente da OAB,
saiu em socorro de Barroso e de seus colegas do Centro Acadêmico da Faculdade
de Direito da UERJ. Os jovens eram então intimidados pelo arbítrio naquele 1978,
sendo convocados para depor no DPPS - Departamento de Polícia Política e
Social.
Imaginem se Faoro,
Presidente de uma instituição relevante da República, a OAB, pensasse então
como o Barroso de hoje. Parafraseando o próprio Barroso, imaginem se Faoro tivesse
dito:
Não é papel (da OAB) jogar o
jogo político quando ele chega nesse estágio. Essa deixa de ser uma questão de
certo ou errado e passa a ser uma questão de escolhas políticas.
Valha-nos Deus!
(Isso... aquele mesmo... o
embuçado da epígrafe que fica nos céus que não nos responde)
(v) “Escolhas políticas”
(sic)
Barroso diz:
Não é papel do Supremo jogar
o jogo político quando ele chega nesse estágio. Essa deixa de ser uma questão
de certo ou errado e passa a ser uma questão de escolhas políticas. Não é papel
do Supremo fazer escolhas políticas.
Escolha política ou escolha
da classe política?
Acho que o mestre e eu temos
entendimentos diferentes sobre o que é política e sobre o que são escolhas
políticas. Para mim a política é, grosso modo, a arte do possível diante da
correlação de forças na sociedade. “Escolhas políticas” para mim são, por
excelência, eleições.
Já para Barroso, parece que
a política pode ser a conspiração levada a cabo por certas oligarquias de
políticos. E que “escolhas políticas” podem ser acordões alinhavados em becos
escuros por membros dessas oligarquias – ora, sem grampos, por favor!
Discordamos mesmo, mestre.
Ainda a esse respeito,
causou-me estranheza a certeza de Barroso ao afirmar que “a maior parte da
sociedade e a maior parte do Congresso acharam que era melhor afastá-la
(Dilma)”.
Que “maior parte”?
A do Ibope?
Ou a da Paulista e da
Avenida Atlântica?
Aliás, tem diferença entre
essas duas “maiorias” da sociedade?
A verdadeira maioria, aquela
que se expressou nas urnas em 2014, queria que Dilma saísse para ficar com o
governo Temer?
Ela queria o programa de
governo do golpe, diametralmente oposto àquele no qual votou?
O Min. Barroso terá a
oportunidade para esclarecer melhor o seu posicionamento sobre isso na ação que
relata, movida pelo PDT, em que se questiona justamente o poder de Temer para
dar a guinada de 180° que deu no governo. E ainda no dia 1 (!) do interinato
(!).
Espero ansioso, mestre.
Aguardo com esperanças de que dessa vez não se trate de “escolhas políticas”
alheias ao Supremo.
Por fim, quando Barroso fala
que “a presidente não tinha mais sustentação política para fazer o que o País
precisava”, ele não conta a história toda.
Já passamos pela perda de
sustentação política na Av. Paulista e na Av. Atlântica, certo?
Também já passamos pela tal
da “disputa política” que é na verdade disputa entre as oligarquias da classe
política.
Pois bem.
E o que dizer dos membros da
classe política que não estavam nem no núcleo original da conspiração nem no
núcleo de apoio ao governo, mas indecisos ou independentes?
Bem... sobre isso temos um
exemplo cristalino de como se deu a tal “disputa política” do Min. Barroso.
Como registrei em “Basta de jogo dúbio, Janot”, ainda no início de abril, o
ex-Presidente Lula, na qualidade de Ministro da Casa Civil da Presidente Dilma,
acertara o apoio do PP. Com esse apoio barraria definitivamente o impeachment
na votação da Câmara dos Deputados.
Imediatamente o destemido
PGR, Rodrigo Janot, tirou – do seu baú particular de facas no pescoço de
políticos – uma saraivada de pedidos de indiciamento de membros do PP do Senado
e da Câmara, todos com relação à Lava-a-jato.
Timing é tudo, não é mesmo?
(2)
Veja, Min. Barroso, que não
somos parvos e tampouco o são os políticos do PP. Entenderam imediatamente o
recado. Como bem colocou o Sen. Romero Jucá, de forma bem esquemática,
entenderam que a tal “sangria” não pararia enquanto “ela” permanecesse Presidente.
E como responderam?
Ato contínuo se bandearam
para o lado de Cunha e de Temer, não sem vender o apoio por centenas de cargos
na administração pública por cada voto.
Houve quem se perguntasse,
ademais, se havia outros incentivo$...
Incentivo$ cuja aceitação se
consignasse com uma “senha” registrada em cadeia nacional, para que as duas
partes ficassem igualmente amarradas no acerto: a tal da dedicação do voto “à
família”. Ninguém se esqueceu do deputado que votara, depois saíra da área do
microfone e tempos depois, quando o deputado seguinte já ia votar, voltou
correndo e agarrou o microfone para – ele também – poder dedicar o voto “à
família”. Esquecera de fazer algo tão importante, o pobre!
Resumindo:
- PGR Janot atirando de
metralhadora em quem fechasse apoio a Dilma;
- Discurso de que a
“sangria” pararia apenas quando “ela” saísse;
- Incentivos do fisiologismo
às centenas de cargos por cabeça; e
- Supostos inventivo$ para
honra e glória da “família”.
Diante desses “argumentos”,
há “perda de sustentação política” capaz de ser evitada, Min. Barroso?
Nem que a Presidente Dilma
fosse uma cruza de Churchill, F.D. Roosevelt, Getúlio Vargas e Lula!
(vi) “Pairando no éter”,
“acima do mundano”, só está Barroso mesmo
A ação cronometradíssima do
PGR Janot não foi a única intervenção das corporações públicas para dinamitar a
tal da “sustentação política” de Dilma Rousseff. Ninguém ignora o cronograma da
“Força Tarefa” da Lava-a-jato e do juiz Sérgio Moro, casado com o tempo da
política. Tampouco se ignora o papel de colega seu lá de Diamantino-MT, Min.
Barroso. Esse colega sim “mata no peito” todas as bolas (oi, Min. Fux!). E é
fominha: chama todas as bolas para si. Como esquecer o episódio em que concedeu
cautelar impedindo a posse de Lula, passando por cima da jurisprudência –
inclusive da de sua própria autoria! – da lei processual e da falta de
legitimidade de partido político para propor aquela ação?
Impossível!
O partidarismo nas
instituições – e no seu STF! – é claríssimo e desequilibra a disputa política.
Ninguém quer ser alvo de retaliações da PF, do MPF e da Justiça. Nenhuma pessoa
em sã consciência tem desejos suicidas, Min. Barroso. Políticos, vivos que só eles,
muito menos.
Novamente:
Nem que a Presidente Dilma
fosse uma cruza de Churchill, F.D. Roosevelt, Getúlio Vargas e Lula!
(vii) Garoto propaganda do
golpe dentro do golpe: o semi-presidencialismo
Min. Barroso, como disse,
hoje costumo ficar mais decepcionado do que propriamente chocado com o que vejo
no Brasil. Uma exceção a essa regra foi a chocante defesa que o Sr. fez do
semi-presidencialismo em uma palestra recente em São Paulo.
Escrevi extensamente sobre
esse tema – árido para os não “iniciados” – e sobre a sua fala a respeito no
post “Paradoxo no(s) golpe(s) brasileiro(s): tempos esquisitíssimos e
normalíssimos?”. Por isso, limito-me a reproduzir a conclusão:
Vendo os acenos do meu
ex-professor fico muito preocupado com o futuro do meu país. E começo a antever
- como outros - um golpe dentro do golpe, com a instituição “malandra” (estou
gentil hoje) do parlamentarismo. Já comentei como isso seria a quebra final do
pacto social de 1988 nos posts “Golpe: saldo do Senado, STF e próximos passos”
e “Julgamento do parlamentarismo no STF - Poncio Pilatos não foi para o céu
não!”. Os cinco esquisitíssimos “pauta e não julga” do STF – em sequência –
tornaram esses posts mais antigos ainda atuais. Devo agradecer aos Ministros
por isso?
Começo a temer seriamente
que aqueles que atualmente ocupam – legitima ou ilegitimamente – nossas
instituições estejam tramando tirar do povo, na mão grande, o direito de eleger
diretamente o Chefe do Executivo nacional. Terá Dilma sido a última em 2014?
Esse pesadelo tem fim? “Meu Deus... parece que essa é a nossa (sic) alternativa
de poder mesmo!” E que quer vir para ficar.
(viii) Qual o propósito de
estar aqui?
Devo dizer, Min. Barroso,
que invejo as suas certezas sobre esses temas capitais para a sociedade
brasileira de hoje e de amanhã e sobre como deve agir diante deles.
Será fruto de muita análise?
De yoga e meditação? De exercício budista de renúncia e desapego?
Estou longe de chegar nesse
seu nirvana...
O Brasil a ser legado para
as próximas gerações, incluindo os seus filhos, ainda me angustia muito.
Mas o Sr. tem muito claro o
seu papel como Ministro do STF. Por um lado, ser ousado e iluminista em temas
que são unânimes entre a parcela humanista da sociedade, como casamento gay,
interrupção de gravidez de anencéfalo, políticas afirmativas e outros tão
relevantes quanto. Por outro lado, deve exercer a autocontenção no momento em
que a ordem constitucional de 1988 é
completamente subvertida e ameaçada mesmo de implosão, quando o PGR resolve
derrubar todo o sistema político da Nova República.
Acho que temos visões
divergente a esse respeito também.
Se eu estiver correto –
apenas arguendo se o Sr. me permite – então penso que a sua trajetória pessoal
é um exemplo que mostra as limitações da formação aristocrática para ocupar uma
determinada função. Como o Sr. bem sabe das aulas que deu sobre teoria geral do
Estado, um dos argumento a favor da Monarquia é a suposta preparação do futuro
soberano desde o berço para o dia em que terá coroa na cabeça e cetro na mão.
Mal comprando, o Sr. vem de
uma família com situação confortável, com pai já estabelecido no mundo do
Direito e, contando com aptidões pessoais, esforçou-se por toda a vida adulta
para chegar onde está hoje, no STF. Possui currículo invejável mesmo entre seus
pares, os Ministros supremos.
E no entanto...
Bem... e no entanto ponto.
Perdoe a deselegância de
tocar em tema ainda mais sensível, mas nem voltar do prognóstico médico mais
sombrio possível o faz se animar a se atrever mais com relação ao legado que
deixa para as próximas gerações. Está em paz com o que faz nesta segunda vida
que lhe foi oferecida.
Gozado... mesmo sendo uma
geração mais jovem e não tendo passado por situação tão dramática de balanço da
vida, esse tipo de preocupação já povoa a a minha mente e influencia as minhas
ações. Não por outra razão ignorei fuso-horário, demandas do trabalho e da
família e o risco de (mais) retaliações profissionais para dedicar boa parcela
do meu tempo e da minha energia a escrever este blog.
Sabe o dia em que comecei?
No dia da condução coercitiva
do Presidente Lula.
Pensei então:
- Estou muito bem, obrigado,
aqui na Suíça. Mas o meu país de origem e do coração está rumando em alta
velocidade para o arbítrio. O que estou fazendo a respeito? O que faço para que
a próxima geração receba um país melhor do que recebi e não o contrário? Bem, o
exílio me impede de ir a atos públicos... então o que me resta é escrever.
Aliás, esse próprio exílio me permite justamente falar o que outros que estão
no Brasil não podem, devido às muitas retaliações.
E assim a coisa foi. Devo
confessar que agradeço aos golpistas por esse efeito colateral do seu
atrevimento e da sua conspiração. O retorno que tenho neste blog tem sido das
coisas mais gratificantes na minha vida atualmente.
Mas voltando ao Sr., uns
supõem verem uma nítida diferença da postura altiva do Barroso que chegou ao
STF para a postura acanhadíssima de hoje. Identificam o ponto de inflexão como
o backlash àquele seu voto, que estabeleceu o rito do impeachment. Aquele voto
contrariou interesses dos mais nefastos da vida pública brasileira, como os do
notório Eduardo Cunha, por exemplo.
Seguiu-se ao voto campanha
vil no submundo da internet escandalizando operação de planejamento tributário
da sua esposa. A operação é em tudo legal, embora entenda que possa gerar
constrangimento. Assim como também gerou para o seu ex-colega, o Min. Joaquim
Barbosa.
Entendo que a pressão que
sofrem nossos familiares seja muito dolorida. Lembro-me do relato do bullying
covarde que a sua filha sofreu no Colégio Teresiano. O ataque foi perpetrado
pela própria professora, diante de toda a classe. Teve como motivação a sua
atuação no julgamento dos embargos infringentes do Mensalão.
E depois disso ainda adveio
o ataque vil à sua senhora.
Entendo e tem minha
solidariedade. Mas se não quer expor seus familiares a isso – sem sacrificar a
consciência – que peça para sair do STF, ora. A sua tão aguardada estadia na
Corte, do jeito que está, não nos tem valido. Melhor que vá aproveitar o clima
ameno de Itaipava junto dos seus. O golpe seguirá com ou sem você. Mas
escolhendo permanecer, ocupou a cadeira de alguém que poderia ter sido um
símbolo – nem que tão somente isso – da resistência democrática e legalista.
Alguém como um Eugênio Aragão ou como o seu colega de movimento estudantil da
UERJ, Wadih Damous. Aliás, rogo que ele não passe outros 20 anos sem falar com
o senhor, revoltado com o que vê hoje.
(ix) Considerações finais
Peço desde já desculpas,
Min. Barroso, por algumas indelicadezas e pela falta de reverência devida pelo
aluno ao mestre. Não é justificativa, mas se no Brasil não vige mais nem a lei
nem a decência, ainda têm lugar a polidez e tais mesuras?
A Suíça, onde vivo, é país
onde vige a lei e a decência, bem como, via de regra, a polidez e as mesuras
apropriadas. Há, ademais, farta democracia – talvez até democracia demais. Ou
melhor: talvez haja uma distorção do conceito de democracia, dando poder
excessivo à maioria e seus referendos, muitas vezes xenofóbicos e odiosos. Mas
mesmo nesse contexto a situação institucional está anos luz da do Brasil atual.
Ilustração disso, que chega
a ser engraçada e triste ao mesmo tempo, é o relato anedótico do correspondente
do Estadão aqui na Suíça, Jamil Chade, de 18 de março. Traduz bem o abismo
entre a institucionalidade do Brasil atual e a da Suíça. Conta Chade:
Explicando o Inexplicável
Acabo de ter uma conversa
com um político suíço que, sem entender nada do que ocorria, me ligou para
"tirar umas dúvidas" sobre o que ele tem lido no noticiário sobre o
Brasil.
Conforme ele foi falando,
anotei as perguntas que me fazia:
- A presidente foi pega
mesmo num grampo?
- Mas ela usa telefone
normal depois de toda história da NSA?
- Lula é ou não ministro? E
vai fazer o que?
- Cunha, com contas
bloqueadas aqui na Suíça, é ainda o presidente "do Parlamento"?
- Maluf, condenado na França
e que por anos foi investigado aqui na Suíça, vai mesmo julgar o impeachment de
Dilma?
- As acusações aos membros
da oposição são investigadas mesmo?
Quando terminei de falar,
ele respirou e disse: "odeio dizer isso, mas isso faz uma república de
bananas parecer um local com estado de direito quase perfeito (em comparação ao
que vive o Brasil)".
Pois é, Jamil Chade... vivo
o mesmo drama.
Estou aqui – muito bem,
obrigado – nesta república de queijos e não de bananas. Mas e os outros 200
milhões de irmãos que deixei aí no Brasil? Infelizmente para o meu estado de
espírito, por criação e por índole pessoal, não consigo pensar só em mim.
Min. Barroso, lembro que o
Sr. gosta muito de citar, de Ortega y Gasset, “entre querer ser e pensar que já
se é, vai a distância entre o sublime e o ridículo”.
Concordo. É a verdade que
traz os pés daqueles excessivamente arrogantes de volta ao chão. Talvez até
seus joelhos batam ao solo.
Quem sabe o problema tenha
sido que o Sr. gosta tanto dessa citação que permite que ela indevidamente
ofusque na sua mente as suas próprias palavras de anos atrás. Refiro-me, por
exemplo, a parte da brilhante tese de livre docência “O direito constitucional
e a efetividade de suas normas”:
O malogro do constitucionalismo,
no Brasil e alhures, vem associado à falta de efetividade da Constituição, de
sua incapacidade de moldar e submeter a realidade social. Naturalmente, a
Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pelas
circunstâncias concretas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressão
das situações de fato existentes. A Constituição tem uma existência própria,
autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e
conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a
realidade, uma tensão permanente. É neste espaço que se definem as
possibilidades e os limites do direito constitucional.
No nível lógico, nenhuma
lei, qualquer que seja sua hierarquia, é editada para não ser cumprida. Sem embargo,
ao menos potencialmente, existe sempre um antagonismo entre o dever-ser
tipificado na norma e o ser da realidade social. Se assim não fosse, seria
desnecessária a regra, pois não haveria sentido algum em impor-se, por via
legal, algo que ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente aqui que
reside o impasse científico que invalida a suposição, difundida e equivocada,
de que o direito deve limitar-se a expressar a realidade de fato. Isso seria
sua negação. De outra parte, é certo que o direito se forma com elementos
colhidos na realidade, e seria condenada ao insucesso a legislação que não
tivesse ressonância no sentimento social. O equilíbrio entre esses dois
extremos é que conduz a um ordenamento jurídico socialmente eficaz.
Esse aí de cima foi o
Barroso que conheci e do qual me orgulho como aluno.
Perdoe-me pela indelicadeza
final, mas ao ver o Barroso de hoje me parece mais adequado recorrer a uma
paráfrase daquela sua inconfidência que se tornou célebre:
“Meu Deus! É esse o guardião
supremo da nossa Constituição?”
Lembro-me ainda do relato
que o Sr. fez ao pleno do Supremo, contando o apelo que um estudante fizera a
si por “um novo Brasil”. Talvez a vaidade de Ministro o tenha impedido de
assimilar que o tal “novo Brasil” necessariamente inclui um novo Supremo. Ou
pensa que o estudante em questão é admirador, por exemplo, de Gilmar Mendes?
Suspirando depois de vir à
minha mente a figura e os “arroubos retóricos” do Min. Gilmar, fecho o post
como comecei.
Repito a súplica do poeta
dos escravos:
Deus! ó Deus! onde estás que
não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela
tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Sim, porque rogar a Deus – e
à irresignação do povo – é o que resta para quem, diferentemente do Sr. e do seu
Supremo, não está no golpe e não tem “golpista” tatuado na testa.
* * *
Do
Estadão:
Crime de responsabilidade no Brasil não basta para destituir
presidente, diz Barroso
Gustavo Aguiar
09 junho 2016
Em evento da UnB, ministro
do STF disse que no presidencialismo é 'quase impossível' não achar infração
orçamentária
BRASÍLIA - O ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou na quarta-feira, 8,
que crime de responsabilidade não basta para desencadear um processo de
impeachment no País. Em uma palestra para alunos da Universidade de Brasília
(UnB), ele sustentou que, embora tenha havido infrações em outros governos, a
perda de apoio político é condição indispensável para o afastamento do
presidente da República.
"O impeachment depende
de crime de responsabilidade. Mas, no presidencialismo brasileiro, se você
procurar com lupa, é quase impossível não encontrar algum tipo de infração pelo
menos de natureza orçamentária. Portanto, o impeachment acaba sendo, na
verdade, a invocação do crime de responsabilidade, que você sempre vai achar,
mais a perda de sustentação política", afirmou o ministro ao fazer uma
crítica sobre o sistema político do País.
O argumento é semelhante ao
que sustenta a defesa da presidente afastada Dilma Rousseff no processo de
impeachment. Segundo ela, os supostos crimes pelos quais responde no Senado
foram cometidos por outros presidentes no passado sem maiores consequências. As
chamadas pedaladas fiscais, por exemplo, foram adotadas tanto por Luis Inácio
Lula da Silva quanto por Fernando Henrique Cardozo, os dois antecessores de
Dilma.
Barroso defendeu, no
entanto, que "pessoas razoáveis e bem intencionadas" têm bons
argumentos ou para afirmar que o processo contra a presidente afastada é
ilegítimo ou para pensar o contrário. Na avaliação dele, se, por um lado, a
perda de popularidade não justifica o afastamento da petista, a falta de
sustentação política para aprovar medidas capazes de tirar o País da crise não
ajuda a situação dela.
"Eu acho que quem acha
que (o impeachment) é golpe tem fundamentos razoáveis para dizer que não há uma
caracterização evidente de crime político e, na verdade, está-se exercendo um
poder do ponto de vista de quem foi derrotado nas eleições. Esse é um discurso
plausível. O outro é: a presidente não tinha mais sustentação política para
fazer o que o País precisava, e a maior parte da sociedade e a maior parte do
Congresso acharam que era melhor afastá-la".
Jogo político. O ministro
rechaçou a possibilidade de o STF tomar uma posição a respeito do assunto e
disse que, se a Corte escolher um lado, perde a legitimidade. "Não é papel
do Supremo jogar o jogo político quando ele chega nesse estágio. Essa deixa de
ser uma questão de certo ou errado e passa a ser uma questão de escolhas
políticas. Não é papel do Supremo fazer escolhas políticas", defendeu.
Indicado por Dilma em 2013
para ocupar uma cadeira no STF, Barroso foi relator da decisão sobre o rito do
impeachment no ano passado, após o julgamento em que o argumento dele saiu
vitorioso ao admitir a tese do governo petista de que os deputados apenas
autorizavam o andamento da denúncia, mas a decisão de instaurar o processo
dependia do Senado.
Pouco antes de Dilma ser
afastada, o ministro chamou atenção ao fazer duras críticas ao PMDB, partido do
qual faz parte o presidente em exercício Michel Temer. "Meu Deus do céu!
Essa é a nossa alternativa de poder", afirmou o Barroso sem saber que
estava sendo filmado pelo sistema interno de TV do STF sobre a hipótese de Temer
e seus aliados assumirem o governo.
http://jornalggn.com.br/blog/romulus/latim-gasto-em-vao-stf-goste-ou-nao-golpe-esta-tatuado-na-testa-de-seus-ministros#.V1skO0XE6P9.twitter
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