Em
primeiras linhas é preciso explicitar que o dano moral na órbita do sistema
jurídico brasileiro — ao contrário de outros, a exemplo, italiano[1],
francês[2], alemão e mesmo o norte-americano (muito propagado pela faceta das
punitive demages, sanções não albergadas pelo nosso sistema por
incompatibilidade e que possuem inúmeras balizas[3] como a overdeterrence) —
tem como referência a dualidade de responsabilidade: dano material (aqui se
funda o negativo/lucro cessante, ou, mesmo, positivo/dano emergente) e/ou dano
extrapatrimonial.
Sopesa-se,
ainda, que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.245.550-MG,
rel. min. Luis Felipe Salomão – julgado em 17/3/2015) sedimentou posicionamento
albergado na doutrina de Sérgio Cavalieri Filho[4] pela prescindibilidade da
noção de angústia, dor, humilhação como molas propulsoras do dano moral sendo,
lado outro, estas as consequências imediata do ato ilícito[5].
Com
isso, acabou-se por alinhar referidos danos ao Código Civil peruano[6], pouco
dimensionado em nosso sistema, porém, único no mundo a abranger, com amplitude,
proteção integral à pessoa e o dano moral (múltiplas facetas do direito à
personalidade).
Assim,
o dano extrapatrimonial, em síntese, é indenizável, desde que, necessariamente,
seja certo e atual (características de todo dano para sua responsabilização),
bem como, também, aflija/macule direitos, repisa-se, da personalidade, o que
por certo, o interliga com o principio valor da dignidade da pessoa humana em
sua órbita constitucional.
Além
disso, segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o dano moral erige do
princípio da reparação integral aliado ao princípio da justiça corretiva
desenvolvida por Aristóteles, no sentido de que a obrigação de indenizar tem
por objetivo a compensação daquele que o sofreu em virtude de certos fatos.
Do
mesmo modo, o Código Civil de 2002 ancorada na diretriz da eticidade de Reale,
exerce três funções: a) função indenizatória: vedação ao enriquecimento injustificado
do lesado; b) função compensatória: reparação da totalidade do dano; c) função
concretizadora: a avaliação concreta dos prejuízos efetivamente sofridos
sintetizados pela doutrina francesa — todo o dano, mas não mais que o dano[7].
Destarte,
na sua maciça abrangência existe por si só, ou objetivamente (in re ipsa),
despiciendo, assim, torna-se sua comprovação subjetiva apta a suplantar a
barreira do mero aborrecimento.
Nesse
ponto, necessário colacionar novo e elucidativo julgado do Superior Tribunal de
Justiça condensando as balizas de entendimento da corte superior sobre o tema
que, por certo, também o torna paradigma:
DIREITO
DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA PELA MERA INCLUSÃO DE VALOR
INDEVIDO NA FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. Não há dano moral in re ipsa quando a
causa de pedir da ação se constitui unicamente na inclusão de valor indevido na
fatura de cartão de crédito de consumidor. Assim como o saque indevido, também
o simples recebimento de fatura de cartão de crédito na qual incluída cobrança
indevida não constitui ofensa a direito da personalidade (honra, imagem,
privacidade, integridade física); não causa, portanto, dano moral objetivo, in
re ipsa. Aliás, o STJ já se pronunciou no sentido de que a cobrança indevida de
serviço não contratado, da qual não resultara inscrição nos órgãos de proteção
ao crédito, ou até mesmo a simples prática de ato ilícito não têm por
consequência a ocorrência de dano moral (AgRg no AREsp 316.452-RS, Quarta
Turma, DJe 30/9/2013; e AgRg no REsp 1.346.581-SP, Terceira Turma, DJe
12/11/2012). Além disso, em outras oportunidades, entendeu o STJ que certas
falhas na prestação de serviço bancário, como a recusa na aprovação de crédito
e bloqueio de cartão, não geram dano moral in re ipsa (AgRg nos EDcl no AREsp
43.739-SP, Quarta Turma, DJe 4/2/2013; e REsp 1.365.281-SP, Quarta Turma, DJe
23/8/2013). Portanto, o envio de cobrança indevida não acarreta, por si só,
dano moral objetivo, in re ipsa, na medida em que não ofende direito da
personalidade. A configuração do dano moral dependerá da consideração de
peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e comprovadas nos autos. Com
efeito, a jurisprudência tem entendido caracterizado dano moral quando
evidenciado abuso na forma de cobrança, com publicidade negativa de dados do
consumidor, reiteração da cobrança indevida, inscrição em cadastros de
inadimplentes, protesto, ameaças descabidas, descrédito, coação,
constrangimento, ou interferência malsã na sua vida social, por exemplo (REsp
326.163-RJ, Quarta Turma, DJ 13/11/2006; e REsp 1.102.787-PR, Terceira Turma,
DJe 29/3/2010). Esse entendimento é mais compatível com a dinâmica atual dos
meios de pagamento, por meio de cartões e internet, os quais facilitam a
circulação de bens, mas, por outro lado, ensejam fraudes, as quais, quando
ocorrem, devem ser coibidas, propiciando-se o ressarcimento do lesado na exata
medida do prejuízo. A banalização do dano moral, em caso de mera cobrança
indevida, sem repercussão em direito da personalidade, aumentaria o custo da
atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor.
Por outro lado, a indenização por dano moral, se comprovadas consequências
lesivas à personalidade decorrentes da cobrança indevida, como, por exemplo,
inscrição em cadastro de inadimplentes, desídia do fornecedor na solução do
problema ou insistência em cobrança de dívida inexistente, tem a benéfica
consequência de estimular boas práticas do empresário. REsp 1.550.509-RJ, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016, DJe 14/3/2016.
Tecidas
as sucintas considerações acerca dos parâmetros danos morais, é preciso
dimensioná-lo com a teoria da perda do tempo útil. É cediço que, nos tempos que
correm, era da informatização e da multiplicação do conhecimento em velocidades
espantosas, o tempo livre torna-se, cada vez mais, diante da sua escassez,
precioso.
Por
isso, a perda do tempo livre/útil, ocasiona, inquestionavelmente, inúmeros
efeitos deletérios e, nos dizeres do escritor inglês Philip Chesterfield, “é a
mais lamentável de todas as perdas”. Pois bem.
A
propósito, quanto ao tópico, resta consolidado na jurisprudência[8] que, dentre
outros vetores de sopeso do dano moral, estão à
razoabilidade/proporcionalidade, capacidade econômica das partes, grau de culpa
do ofensor e a extensão do dano.
Desta
via, independentemente do caráter autônomo desta nova vertente, o que não se
esmiúça nestes sucintos apontamentos, é possível sua inserção em dois dos
vetores de mensuração do dano moral: grau de culpabilidade e intensidade/extensão
do dano.
Assim,
ainda que, em geral, não ocasione a perda do tempo útil, por si só prima facie,
o dano moral — ao contrário, por exemplo, de outros “novos” danos
extrapatrimoniais como a perda de uma chance — pode, sim, por certo, a depender
das peculiaridades do caso concreto, transpassar da barreira do mero
aborrecimento para o dano moral indenizável como critério que
intensifica/macula o grau de culpa do ofensor e a extensão do dano.
Nesse
ínterim, urge amealhar, sequencialmente, contemporâneos julgados dos tribunais
de Justiça de São Paulo — de relatoria do doutrinador e desembargador Sérgio
Shimura — e do Rio de Janeiro, a saber:
AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO –
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS –
PRESTAÇÕES DO FINANCIAMENTO DE VEÍCULO –
PERDA DO TEMPO ÚTIL DO CONSUMIDOR (...) Mesmo seguindo a orientação do
banco, este deixou de dar baixa em seu sistema, promovendo a cobrança da
parcela que reputou como inadimplida, além de ameaçar com a negativação e busca
e apreensão do veículo financiado –
Danos morais configurados – Abuso
na cobrança e negligência do banco na correção do sistema, gerando a perda do
tempo útil do consumidor – Valor da
indenização fixado em R$ 8.000,00, que se mostra adequado ao caso em tela
– RECURSOS DESPROVIDOS. (Relator(a):
Sérgio Shimura; Comarca: Santos; Órgão julgador: 23ª Câmara de Direito Privado;
Data do julgamento: 17/02/2016; Data de registro: 19/02/2016)
0434769-73.2014.8.19.0001
– APELACAO. DES. NATACHA TOSTES OLIVEIRA - Julgamento: 12/05/2016 - VIGESIMA
SEXTA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR Apelação Cível. Ação Declaratória de Obrigação de
Fazer c/c Indenizatória e pedido de antecipação de tutela. Telefonia. Pessoa
idosa. Alegação de interrupção do serviço de linha telefônica por vários dias
seguidos. Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido autoral
condenando a ré ao conserto da linha telefônica e ao pagamento de metade das
custas e cada parte arcando com as despesas de seus advogados. Apela o autor
requerendo a reforma in totum da sentença. Dano moral configurado, pela falta
do serviço essencial à pessoa idosa, que não logrou êxito na solução
administrativa. Perda do tempo útil. Sentença que merece parcial reforma para
condenar a ré a compensar o autor pelos danos morais fixados em R$4.000,00
(...).
Tal
fator (perda do tempo útil) pode-se configurar nas mais diversas vertentes das
relações jurídicas.
Explanando,
dentre outras, em relação ao Direito consumerista, a exemplo, as infrutíferas
tentativas anteriores pelo consumidor de resolução extrajudicial e amigável do
conflito, mormente nos diferentes meios utilizados (Call Center, PROCON,
Agência Reguladora, entre outros) é fator preponderante à escala de
configuração do dano moral indenizável, alinhando-se com os vetores da Política
Nacional de Relações de Consumo no inciso V[9] do artigo 4º do CDC: rápida,
portanto, não tardia, resolução do impasse.
A
demora, a perda de tempo útil/livre agrava, como explicitado antes, vetores da
indenização por dano moral.
Desfechando,
portanto, mesmo se determinada conduta, em primeira análise, for caracterizada
como mero aborrecimento, entrementes, havendo comprovada subtração de valioso
tempo do ofendido, em desrespeito a condutas não adversariais, acabará, por tal
razão, atingindo direitos da personalidade e, por isso, não só irá transpor
para o dano moral indenizável como, igualmente, potencializara as balizas da
extensão do dano e o grau de culpa do ofensor.
[1]
Somente se admite o dano moral nos casos expressamente previsto na legislação (logo conduta deve ser típica).
Art. 2.059 do Código Civil Italiano: Il danno non patrimoniale deve essere
risarcito solo nei casi determinati dalla legge.
[2]
Não há uma categoria própria e, sim, é alavancado ao dano oriundo de contratos
ou quase delitos. Código Civil Francês: Artículo 1382 Cualquier hecho de la
persona que cause a otra un daño, obligará a aquella por cuya culpa se causó, a
repararlo.
[3]
A propósito são balizas do referido sistema o grau de reprovação da conduta do
ofensor; relação entre os danos compensatórios e punitivos; comparação com as
sanções civis aplicadas pelo Estado; não podem, por fim, ultrapassarem a
relação 1:10 de proporcionalidade com o bem da vida almejado.
[4]
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. SAQUE INDEVIDO EM CONTA-CORRENTE. FALHA NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SUJEITO
ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. ATAQUE A DIREITO DA PERSONALIDADE. CONFIGURAÇÃO DO DANO
MORAL. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO ESTADO DA PESSOA. DIREITO À DIGNIDADE. PREVISÃO
CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO DEVIDA(...).2. A atual Constituição Federal deu ao
homem lugar de destaque entre suas previsões. Realçou seus direitos e fez deles
o fio condutor de todos os ramos jurídicos. A dignidade humana pode ser
considerada, assim, um direito constitucional subjetivo, essência de todos os
direitos personalíssimos e o ataque àquele direito é o que se convencionou
chamar dano moral. 3. Portanto, dano moral é todo prejuízo que o sujeito de
direito vem a sofrer por meio de violação a bem jurídico específico. É toda ofensa
aos valores da pessoa humana, capaz de atingir os componentes da personalidade
e do prestígio social.4. O dano moral não se revela na dor, no padecimento, que
são, na verdade, sua consequência, seu resultado. O dano é fato que antecede os
sentimentos de aflição e angústia experimentados pela vítima, não estando
necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima.(...) REsp
1245550/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
17/03/2015, DJe 16/04/2015).
[5]
FILHO. Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. 2014.
Atlas. Pag. 111.
[6]
Em seus artigos 1.984 e 1.985, a seguir: Articulo 1984º.- Daño moral El daño
moral es indemnizado considerando su magnitud y el menoscabo producido a la
victima o a su familia. Articulo 1985º.- Contenido de la indemnizacion La
indemnizacion comprende las consecuencias que deriven de la accion u omision
generadora del daño, incluyendo el lucro cesante, el daño a la persona y el
daño moral, debiendo existir una relacion de causalidad adecuada entre el hecho
y el daño producido. El monto de la indemnizacion devenga intereses legales
desde la fecha en que se produjo el daño.
[7]
CHAVES. Cristiano de Farias. Curso de Direito Civil. Vol. 3. 2015. Ed.
Juspodivm. Pag. 50.
[8]
PROCESSUAL CIVIL E
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO
DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO
FORNECIMENTO POR DÉBITO PRETÉRITO. O
DANO É IN
RE IPSA, BASTANDO,
PARA QUE RESTE CARACTERIZADO A COMPROVAÇÃO DA
PRÁTICA DE ATO
ILEGAL, IN CASU, A SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DO
SERVIÇO POR DÉBITO PRETÉRITO.
VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA COM
RAZOABILIDADE NA SENTENÇA EM R$ 10.000,00 E MANTIDA PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. INCABIMENTO DE ALTERAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DA COMPANHIA
ENERGÉTICA DE PERNAMBUCO DESPROVIDO. (...) 3.
No que tange ao quantum
indenizatório, é pacífico nesta Corte o entendimento de que, em sede de Recurso
Especial, sua revisão apenas é
cabível quando o valor arbitrado nas instâncias originárias
for irrisório ou exorbitante. No caso
dos autos, o valor dos honorários fixados
em R$ 10.000,00,
foi arbitrado na
sentença tendo por parâmetro a
natureza e a
extensão do prejuízo, a repercussão do fato, o grau de culpa do ofensor
e a condição econômica das partes(...) (AgRg no AREsp 371.875/PE, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe
04/04/2016)
[9]
CDC. Art. 4º (...) V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes
de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de
mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.
http://www.conjur.com.br/2016-mai-28/fernando-rezende-dano-moral-teoria-perda-tempo-util
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