Democracia:
Que regime político é esse?
A
democracia é um regime político baseado na soberania popular.
E
o povo exerce a soberania escolhendo os governantes por meio do voto.
E,
para exercer a soberania, o soberano precisa ser educado.
Por
isso, a sociedade moderna, que alçou a democracia como forma preferencial de
regime político, necessitou organizar, em cada país, os respectivos sistemas
nacionais de ensino de caráter universal, público, laico, gratuito e
obrigatório.
A
escola foi, então, concebida como redentora da humanidade.
Seu
papel seria o de redimir a humanidade de seu duplo pecado histórico: a
ignorância, miséria moral e a opressão, miséria política.
Ocorre
que essa mesma sociedade moderna que erigiu o povo como soberano se constituiu
dividindo o povo em duas classes fundamentais: uma, quantitativamente menor,
constituída pelos detentores dos meios de produção e dos instrumentos de
trabalho concentrados no capital; e outra, amplamente majoritária, constituída
pelos detentores apenas de sua força de trabalho e obrigados, nessa condição, a
pôr em movimento sua força de trabalho com os instrumentos e os meios de
produção dos detentores do capital.
São
constrangidos, portanto, a vender sua força de trabalho em troca do salário
como meio de adquirir o que necessitam para sobreviver.
Os
primeiros, por deterem o poder econômico, detêm, também, o poder político.
Em
consequência, eles têm a iniciativa de indicar os candidatos aos cargos
públicos.
Nessas
circunstâncias, a possibilidade de indicação de governantes sintonizados com os
interesses populares é bem pequena.
Assim,
enquanto os membros dos grupos dominantes procuram eleger os melhores
candidatos, de seu ponto de vista, os membros das camadas populares não podem
escolher os melhores, segundo seu ponto de vista, porque estes raramente
conseguem se candidatar.
Assim,
eles acabam tendo de buscar eleger os menos piores.
O
quadro descrito põe em evidência o caráter formal do regime democrático que se
instalou nos diversos países no contexto da implantação e consolidação da
sociedade moderna.
Isto
significa que o regime democrático se caracteriza pela igualdade e liberdade
formais de todos os membros da sociedade superando, assim, tanto a divisão da
sociedade em castas como os governos autocráticos.
A
democracia formal é, então, insuficiente porque necessita evoluir na direção de
sua transformação em democracia real.
No
entanto, embora insuficiente, ela é necessária enquanto um conjunto de regras
que devem ser respeitadas por todos como garantia dos direitos dos cidadãos
individualmente e socialmente considerados.
Em
consequência, a quebra da institucionalidade democrática abre as portas para
toda sorte de arbítrios.
Conscientes
disso, até porque vivenciaram o arbítrio no decorrer da ditadura
empresarial-militar instaurada em 1964, a maioria dos intelectuais tem se
manifestado contra o impeachment, mantendo sua independência em relação a
partidos e governos.
No
Brasil, o regime democrático esteve sempre em risco porque, considerando a
tendência da população de escolher, especialmente para os cargos majoritários,
os menos piores de seu ponto de vista, que são os piores do ponto de vista
dominante, os governantes de tendência popular sempre foram alvos de tentativas
de golpe.
Assim
ocorreu com Getúlio Vargas, que foi conduzido ao suicídio em 1954. Com
Juscelino Kubitschek quando se tentou impedir sua posse em 1955 e com João
Goulart que foi deposto por um golpe militar apoiado pelo empresariado em 1964.
Esses
foram golpes de força que recorreram às Forças Armadas.
Agora
a estratégia mudou na direção da desestabilização seguida de destituição, por
via parlamentar, de governos populares.
É
nesse contexto que hoje, 12 de maio de 2016, Dilma Rousseff foi afastada da
presidência da República em consequência de um golpe
jurídico-midiático-parlamentar.
Ao
desrespeitar a Constituição afastando uma presidente que não cometeu crime
algum e que só poderia ser afastada por crime de responsabilidade, quebrou-se a
institucionalidade democrática. Sem crime a presidenta, na vigência do regime
democrático, só poderia ser julgada pelo próprio povo no exercício de sua
soberania.
Em
todo esse episódio cumpre registrar a coragem e coerência da Presidenta Dilma
Rousseff que não se dobrou em nenhum momento às chantagens, pressões e ameaças
de seus opositores.
Vem,
pois, a propósito a reflexão de Marcelo Zero trazendo à baila o caso de
Sócrates em analogia com o caso Dilma.
Lembra
ele que os acusadores de Sócrates não conseguiram demonstrar qualquer ato
criminoso.
E
Sócrates recusou a solução do pagamento de uma multa porque isso equivaleria a
admitir a existência de um crime não cometido.
Preferiu
a cicuta. Igualmente Dilma recusou a renúncia, pois isso também significaria a
admissão de crimes não cometidos.
Preferiu
suportar a injustiça até o fim.
E
Marcelo Zero completa: “Sócrates foi grosseiramente injustiçado. Ao condená-lo,
Atenas condenou a sua democracia”.
E
podemos concluir: Dilma está sendo grosseiramente injustiçada.
Ao
condená-la, o judiciário, a grande mídia e os parlamentares estão condenando a
democracia brasileira.
Resta
a resistência ativa de todos os inconformados com as injustiças para evitar que
se consuma, no julgamento em curso no Senado Federal, a usurpação da soberania
popular na qual se baseia o regime político democrático.
Dermeval
Saviani é pesquisador Emérito do CNPq e professor da Unicamp
http://www.viomundo.com.br/politica/dermeval-saviani-ao-condenar-dilma-judiciario-midia-e-parlamentares-estao-condenando-democracia-brasileira.html
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