“Ministra do STF barra ação
de advogado contra decisão de Waldir Maranhão”, esse é o título de uma notícia
narrando a decisão de Rosa Weber, que segundo intérpretes do comportamento
judiciário tem o claro objetivo de manter o Supremo alheio a questões
substantivas e comprometido somente com a lisura dos procedimentos do processo
político, no momento atual dominado pelo tema do impeachment da presidente
Dilma Rousseff.
Sim, o STF quer se colocar
em um lugar que não existe: fora da política. Se é correta a leitura destes
analistas, e ela parece até certo ponto estar, esse coletivo de juízes sofre de
um caso grave de alucinação ou será outra a afecção?
É sim alucinatória a
pretensão de se colocar fora da política. As decisões do Supremo, como as dos
outros poderes são imediatamente e irremediavelmente políticas. Claro que o
adjetivo “política” tem muitos significados, mas o mais profundo deles é o que
diz respeito à preservação ou defesa da república. Em época de normalidade
institucional, a distinção entre o procedimental e o substantivo, ainda que
nunca totalmente nítida, pode funcionar como modus operandi de um poder que em
si não detém a legitimidade de representar a soberania popular. Em época de
crise profunda nas instituições, ou seja, em que a república e a Constituição
que a sustenta estão sob risco tremendo, todas as ações se tornam políticas.
A chave para entender
momentos de crise não está em nenhum manual de direito constitucional, mas sim
em um livro de conselhos para príncipe escrito por um fiorentino do século XV,
cujo nome era Niccolò Machiavelli. Entre outras coisas, esse político-filósofo
nos ensina que não há ato que não seja político quando a preservação da
república está em questão. Assim, deixar de agir é o mesmo que agir errado.
Nossos ministros do Supremo,
contudo, tomam a omissão da ação como se fosse opção para preservar o que imaginam
ser sua função procedimental. Ao fazerem isso dão liberdade para aqueles que
politizaram as instituições; que as submeteram a interesses partidários,
facciosos ou pessoais. A lista destas omissões é assustadora. Permitiram que
Moro, um contumaz violador das garantias constitucionais de seus acusados,
espionasse advogados de defesa, e até a presidente e o vice, e divulgasse
ilegalmente o produto de escutas ilegais na mídia. Permitiram que membros
politizados do poder judiciário barrassem o direito do cidadão Luis Inácio da
Silva de se tornar ministro, engavetando sine die o julgamento do recurso
contra decisão tão arbitrária. E o pior de tudo, permitiram que Eduardo Cunha,
acusado desde dezembro de crimes de corrupção de monta e com clara motivação política,
presidisse um processo de impeachment da Presidente da República na Câmara. A
irritação do Ministro Teori com o agendamento do julgamento de ação contra
Cunha pelo pleno revelou que havia combinação entre os pares de se “sentar em
cima” do processo.
As omissões do Supremo
incentivaram o caos institucional. Se antes o Procurador Geral da República
sustentava uma fachada de austeridade enquanto seus subordinados atuavam de
maneira abertamente politizada na Lava Jato, vazando informações sigilosas para
a imprensa e postando no Facebook fotos de participação em manifestações
antipetistas, agora ele próprio tomou coragem de vir à público chamar um
partido político de organização criminosa e de oferecer denúncia contra Dilma e
Lula exatamente na semana do julgamento do impeachment no Senado, baseado
exclusivamente em delação premiada do réu confesso Delcídio Amaral.
O legislativo federal
encontra-se em estágio avançado de desintegração. E o STF tem seu quinhão de
responsabilidade nisso. Até o último minuto, Cunha prosseguiu manipulando
votações, caçando o direito de voz de seus opositores e o direito de acesso dos
cidadãos à chamada Casa do Povo. Sua destituição foi muito tardia para evitar o
caos parlamentar. Os partidos estão muito enfraquecidos. Bancadas temáticas
(nome brando para o antigo termo facção) se autonomeiam e reclamam autonomia.
Quem quer que seja o chefe do executivo no futuro próximo, vai enfrentar custos
altíssimos de transação com o Congresso.
Por fim, as omissões do
Supremo têm incentivado o ativismo judicial em níveis nunca antes vistos.
Qualquer juiz de primeira instância hoje se acha com poderes para brecar
decisões que impactam a nação inteira. O caso mais recente da paralização
judicial dos serviços do Whatsapp é exemplo do estado vergonhoso em que se
encontra nosso judiciário, não porque tenha acontecido, como muitos possam
pensar, mas exatamente porque foi rapidamente solucionado. Enquanto isso, o
cidadão Lula tem seus direitos negados em primeira instância e essa negação é
sustentada por omissão do Supremo. Se não bastasse isso, e contribuindo para a
desmoralização geral, o presidente do Supremo ainda é flagrado negociando um
aumento polpudo para a categoria judiciária com o próprio Eduardo Cunha, poucos
dias antes deste ser apeado do poder.
Mesmo que possamos imaginar
que os ministros do Supremo queiram preservar a aparência da instituição, as
consequências de suas omissões são tão terríveis que de maneira alguma
justificam essa suposta vaidade. Estão sacrificando e essência em nome de tal
aparência. Ou melhor, infelizmente, já sacrificaram. Resta-nos esperar que a
história lhes reserve o lugar merecido, que reside entre o esquecimento e o
escárnio. Para nós, viventes do presente, contudo, isso não é consolo
suficiente.
http://jornalggn.com.br/noticia/stf-a-responsabilidade-politica-da-omissao-por-joao-feres-jr#.VzMVFZFs-3o.twitter
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