Explica por que não
renunciará
O Conversa Afiada reproduz a
íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura da 4ª Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres:
Discurso da Presidenta da
República, Dilma Rousseff, durante cerimônia de abertura da 4ª Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres
Centro de Convenções Ulysses
Guimarães – Brasília/DF, 10 de maio de 2016
Boa tarde. Boa tarde,
queridas companheiras. Boa tarde para todas as mulheres que estão aqui e que
representam as mulheres brasileiras de todo o Brasil, de Norte a Sul, de Leste
a Oeste, do interior. As mulheres lá da Amazônia, do Rio Grande do Sul, as
mulheres de todos os 27 estados. As mulheres no Nordeste, lá no Centro-Oeste,
enfim, as mulheres desse País. As mulheres do Ceará, as mulheres de Sergipe, as
mulheres de Pernambuco, as baianas, as mineiras, as matogrossenses, as
matogrossenses do Sul, as goianas, as mulheres aqui do DF, as mulheres que
vivem no Norte do País, Rondônia, Roraima, Acre, Amapá, as de Santa Catarina,
as do Paraná, as de São Paulo, as do Rio de Janeiro, as do Espírito Santo,
Maranhão, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí… minha filha, a fronteira é
imensa, um País imenso com uma fronteira imensa. Bom, falei todos os estados. A
Amazônia eu já falei!
Eu queria aqui cumprimentar
Rosemary Maria Vieira Teles e por meio da Rosemary eu cumprimento todas as
companheiras aqui presentes, as conselheiras.
Queria também cumprimentar
aqui as ministras, cumprimentando a ministra Nilma Lino Gomes, das Mulheres, da
Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. A nossa querida Eleonora
Menicucci, secretária especial das Mulheres. Cumprimentar a Tereza Campello, do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a ministra do Bolsa Família. A Inês
Magalhães, das Cidades, que é responsável pelo programa Minha Casa Minha Vida.
Queria cumprimentar a
embaixadora dos Estados Unidos da América no Brasil, a embaixadora Liliane
Ayalde,
Cumprimentar as ministras
das mulheres ao longo dos ultimos 13 anos, responsáveis por tudo que nós
construímos: a Emília Fernandes, a Iriny Lopes, a Nilcea Freire.
Queria cumprimentar as
nossas aguerridas senadoras: Angela Portela, Fátima Bezerra, Gleisi Hoffmann,
Regina Souza, Vanessa Graziotim.
Queria cumprimentar os
deputados estaduais e as deputadas estaduais aqui presentes: a Ana Peruguni, a
Angela Albino, a Benedita da Silva, a Érica Kokay, o Helder Salomão, a Jandira
Feghali, a Jô Moraes, Lidiane Lins, a Luciana Santos, a Maria do Rosário, a
Margarida Salomao, o Paulão, a professora Marcivânia,
Cumprimentar aqui dois
secretários especiais: o Ronaldo Barros, da Promoção da Igualdade Racial, e o
Rogério Sottilli, dos Direitos Humanos.
Queria cumprimentar também a
presidenta da Caixa Econômica Federal, a Miriam Belchior,
Queria cumprimentar
representantes de organismos internacionais: a Laisa Abramo, diretora da
Unidade de Direito da Cepal; a Luísa Carvalho, diretora regional da ONU; a
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil,
Queria dirigir um
cumprimento especial à deputada federal Alice Portugal. Vejam vocês, não
botaram ela aqui, mas ela ganhou um cumprimento especial.
A Moeminha Gramacho.
Bom, todas vocês eles esqueceram
de botar. Um abraço para todas.
A Neuza Geralda Tito,
coordenadora-executiva da 4ª Conferência Nacional de Políticas para as
Mulheres,
Queria cumprimentar as
jornalistas, fotógrafas, as cinegrafistas e também os jornalistas, os
fotógrafos e os cinegrafistas.
Olha gente, para mim é um
momento muito importante, é um momento decisivo. É um momento decisivo para a
democracia brasileira esse momento que nós estamos vivendo hoje. Sem dúvida,
nós estamos num momento em que a gente sente que nós estamos fazendo a história
desse País.
E para mim é muito
importante que hoje eu participe aqui da 4ª Conferência das Mulheres com cada
uma de vocês. Eu não poderia estar em um lugar melhor do que esse. Um lugar em
que eu sinto a energia de vocês, sinto o acolhimento de vocês e sinto essa
imensa capacidade de luta, de resistência e a determinação das mulheres
brasileiras.
A história ainda vai dizer
quanto da violência contra a mulher, quanto de preconceito contra a mulher tem
nesse processo de impeachment golpista. Nós sabemos que um dos componentes
desse processo tem sempre uma base no fato de eu ser a primeira presidenta eleita
pelo voto popular, a primeira presidenta eleita do Brasil.
E eu quero dizer para vocês
que uma parte muito importante da minha capacidade de resistir decorre do fato
de eu ser mulher. Mas, além disso, decorre do fato de eu ter plena consciência
que eu tenho de honrar as mulheres do meu País, mostrando que nós somos capazes
de resistir e de enfrentar. Nós temos uma força que não se confunde com a
brutalidade. A nossa força não está em sermos ferozes, em sermos irascíveis,
raivosas. A nossa força está em sermos lutadoras, guerreiras e extremamente
sensíveis e capazes de amar, até porque
temos essa imensa capacidade que é dar a vida.
Então a história vai
mostrar, e vai mostrar como o fato de eu ser mulher me tornou mais resiliente,
mais lutadora. E muitas vezes como até hoje, queriam que eu renunciasse. Jamais
passou a renúncia pela minha cabeça. A renúncia passa pela cabeça deles, não
pela minha. Por que eu digo isso? Porque eu sou uma figura incômoda, porque
enquanto eu me manter de pé, de cabeça erguida, honrando as mulheres, ficará
claro que cometeram contra mim uma inominável injustiça, enorme injustiça. A
renúncia é algo que satisfaz a eles, não a nós. A nós o que satisfaz é a luta,
é isso que nos satisfaz, é a luta.
Eu asseguro, portanto, a
vocês que eu vou lutar com todas as minhas forças, usando todos os meios
disponíveis, meios legais, meios de luta, vou participar de todos os atos e as
ações que me chamarem. Quero dizer a vocês que, para mim, o último dia previsto
do meu mandato é o dia 31 de dezembro de 2018. Eu quero dizer a vocês que eu
não estou cansada de lutar, eu estou cansado é dos desleais e dos traidores. E
tenho certeza que o Brasil também está cansado dos desleais e dos
traidores. E é esse cansaço dos desleais
e dos traidores que impulsiona a mim a lutar cada dia mais.
Eles, portanto, quando
propõem a minha renúncia, têm dois objetivos. O primeiro deles: eles querem, de
todas as formas, evitar que eu continue falando com vocês e denunciando o
golpe. Querem também disseminar uma ideia: “Ah, ela é mulher, ela não tem
capacidade de resistir”.
Pois bem, eu quero dizer a
vocês que a minha capacidade é enorme. Eu
carrego comigo a força das mulheres e também dos homens que se tornaram protagonistas de seus direitos,
sujeitos de seus direitos, nesses últimos 13 anos. Eu carrego em mim a força de
vida dos 36 milhões de brasileiros e brasileiras que saíram da pobreza. Eu carrego em mim os 11 milhões que moram em
casa própria do Minha Casa Minha Vida. Eu carrego comigo os 63 milhões de brasileiros
e de brasileiras que não tinham atendimento médico e agora têm, pelo Mais
Médicos. Carrego os 9 milhões e 500 mil do Pronatec. O Pronatec, um programa de
formação profissional no qual as
mulheres são a maioria. Carrego também todos os mais de 4 milhões que
fizeram ProUni, que fizeram Fies, que entraram na universidade. E carrego todos
aqueles filhos de pedreiros que viraram doutores. Todos aqueles que tiveram
acesso à educação pela política de cotas. Por isso é que eu não, jamais vou
desistir.
Quero dizer a vocês que os
golpistas carregam outro tipo de promessa com eles mesmos. Eles carregam
promessas que nós não votamos nelas. Elas foram derrotados nas urnas em 2014.
Eles carregam com eles a promessa de retrocesso. Prometem eliminar a obrigatoriedade
dos gastos em saúde e educação. Prometem desvincular os benefícios do salário
mínimo, principalmente os previdenciários. Prometem privatizar tudo que for
possível. Prometem acabar com o pré-sal. E é isso que nos diferencia. Eu não
fui eleita para isso. Eu fui eleita com a força de vocês para garantir os
programas sociais. Eles que prometem focar e flexibilizar, eles que abrem uma
CPI da UNE, eles que perseguem todos os que são capazes de lutar a favor da
diversidade e contra o preconceito, eles são os golpistas.
Nós temos um lado, o nosso
lado é o lado que garante que as mulheres hoje sejam aquelas que recebem o
cartão do Bolsa Família, que dá prioridade à titularidade da mulher no Minha
Casa Minha Vida, que combate a violência contra a mulher, que aprovou a Lei do
Feminicídio. Nós somos aquelas que queremos a casa da mulher brasileira porque
queremos uma forma eficaz, efetiva, de garantir acolhimento, proteção às
mulheres vítimas de violência. Nós queremos um País em que a intolerância, em
que o preconceito não tenha espaço para crescer. Nós queremos um País em que
sejamos cidadãos diferentes, porém não desiguais. É esse o país pelo qual todos
nós lutamos.
Eu quero dizer a vocês que o
povo brasileiro votou em mim duas vezes, e agora eu quero dizer que esses 54
milhões de votos que eu recebi das urnas no ano de 2014, eu vou honrá-los. Por
isso eu quero dizer a vocês que esse processo de impeachment é um golpe, é
golpe contra tudo isso que eu acabo de dizer. É um golpe.
Muitos deles dizem: “Ah”...
Quando eles dizem: “Olha, na Constituição Brasileira está previsto o
impeachment”. O que eles estão fazendo é contar só uma parte, uma parte da
verdade. Eles ocultam que a Constituição Brasileira diz que impeachment só pode
ocorrer se houver crime de responsabilidade. E eu não cometi crime de
responsabilidade. Eles me acusam de seis decretos e uma transferência para o
Plano Safra. Os seis decretos dos quais eles me acusam não são decretos feitos
para beneficiar a Presidência da República, a minha pessoa ou quem quer que
seja. São decretos de funcionamento do governo, decretos feitos pelos
presidentes que me antecederam, como esses foram feitos 27 no governo de
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E se naquela época não era crime, não
é crime hoje também.
E eu vou dizer para vocês
que tipo de decretos são esses. Não são decretos difíceis de entender. Um
deles, por exemplo, diz respeito a pedido do Tribunal Superior Eleitoral, não
tem nada a ver com Executivo. O Tribunal pede que nós aumentemos, suplementemos
a verba de que ele possui por quê? Porque ele teve um excesso de arrecadação,
porque arrecadou mais fazendo concurso público. Então, pedi a suplementação.
O outro pedido é do MEC, do
Ministério da Educação, que pedia suplementação para hospitais federais. O
outro, por exemplo, é do Ministério da
Justiça, que pedia para suplementar verbas para escoltas. Nenhum deles tem
nenhum traço de irregularidade. O que eles questionam é que nós não poderíamos
suplementar, que nós tínhamos de cortar despesas. É isso que eles questionam.
Mas acontece que nós já tínhamos cortado as despesas. Então, há uma manipulação
clara nesse caso.
E eu quero dizer a vocês:
não tem nenhuma acusação, não tem nenhuma acusação de usar indevidamente o
dinheiro público. Todos os decretos diziam respeito a ações e práticas limpas,
límpidas, corretas. Se aplicado este mesmo princípio, vários governadores do
Brasil teriam também de sofrer processo de impeachment. Isso é um absurdo, é um
expediente que usam contra mim.
Agora, ainda pior é a acusação
sobre o Plano Safra. O Brasil faz e financia, e financia - e nós temos orgulho
disso: financiamos, financiamos, sim, a agricultura brasileira. Ela gera
empregos, ela bota comida na mesa. E, portanto, o Plano Safra, ele é feito pelo
Banco do Brasil. O governo, num período, atrasou o pagamento ao Plano Safra. E
eles falam que esse atraso de pagamento é uma espécie de empréstimo que o Banco
do Brasil fez para o governo, e isso não pode ocorrer. Eu nunca ouvi dizer que
atraso de pagamento é empréstimo. Quando qualquer pessoa atrasa seu aluguel ou
seu pagamento, ela não está pegando um empréstimo, até porque ela vai pagar
juros e multa pelo atraso. Nós pagamos.
E tem mais, o que é pior ainda: eu, pela
lei, desde 1994, por essa lei, nenhum presidente da República executa o
Plano Safra. Não somos nós que executamos o PLano Safra. Não tem uma assinatura
minha nesse processo.
Então, eu estou sendo
acusada por uma coisa que não é crime. E além de não ser crime, eu não estava
presente nos atos. Não porque não queira, porque a lei assim prevê. E eles
sabem disso. Por isso que isso é um golpe, o mais deslavado golpe. Mas não é um
golpe qualquer. É um golpe que nós temos de entender a natureza dele. Esse
pessoal não consegue chegar à Presidência da República por meio do voto
popular, porque não vamos votar no projeto deles, que é um projeto de desmonte
do Brasil. Então, eles usam esse processo do impeachment para fazer uma espécie
de eleição indireta da qual o povo está alijado e não participa.
É isso que está em curso no
Brasil: uma verdadeira eleição indireta. E nós temos de dar nomes aos bois.
Esse é um processo conduzido pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em
aliança com o vice-presidente da República. Os dois proporcionaram ao País esta
espécie moderna de golpe. Um golpe feito não com as armas, um golpe feito não
com baionetas, um golpe feito rasgando a nossa Constituição.
Eu tenho certeza que essa é
uma luta pela democracia, é uma luta por essa democracia brasileira ainda
jovem, ainda frágil, mas que está nas nossas mãos fortalecer. Como na vida das
pessoas as crises servem para que cresçamos, para que avancemos, para que nos
tornemos mais fortes. Da mesma forma num país um processo como esse deve servir
para garantir que nós sejamos capazes de defender aquilo que conquistamos. Seja
aquilo que conquistamos no plano da cidadania, seja aquilo que nós conquistamos
no plano dos nossos direitos e das nossas lutas.
Vejam vocês, cada um de nós
é diferente dos outros. E no Brasil essa diferença serviu para condenar alguns
à escravidão, serviu para alijar a grande maioria do povo dos benefícios desse
enorme, rico e cheio país, desse país imenso, continental.
Porém, o que nós fizemos,
nos últimos 13 anos, foi mudar esse processo e mudar por um caminho: nós
reconhecemos a diversidade, nos achamos que ela nos dá força, que ela nos dá
vida. Mas nós sabemos que as oportunidades têm de ser iguais. As oportunidades.
Quando as pessoas cantam que o filho do pedreiro vai virar doutor, que o filho
da empregada doméstica vai se transformar em um médico, esse é o caminho pelo
qual nós lutamos nos últimos 13 anos. É essa nossa proposta: a mudança radical
em relação às oportunidades.
E aí nós vimos isso ocorrer.
Nós vimos isso ocorrer quando quem nunca viajava de avião passou a viajar de
avião. Muitos olharam e falaram: “O que esse pessoal está fazendo nesse lugar
que era só nosso?” Esse lugar não é mais só deles, esse lugar é de todos
nós. Essa foi a maior revolução pacífica
feita num país. E a força dela está em que nós provamos juntos, em cada uma das
conferências, em cada um dos nossos diálogos, em cada uma das políticas que
implementamos, que era possível mudar a realidade.
E quando se mostra que é
possível mudar a realidade ninguém, ninguém, vai deixar de garantir que ela
continue mudando. O que nós conquistamos, nós temos de ter clareza, foi só o
começo. Tem muito para conquistar. Foi só um começo.
É óbvio que num país que há
pouco tempo era um país escravista, um país que estava acostumado a um nível de
diferença e de desigualdade social gigantesca, este foi um processo que trouxe
descontentamentos de várias pessoas, não é de uma maioria, é de uma minoria.
Daqui para frente nós vamos ter de assegurar também a nossa democracia, porque
esse processo é um processo virtuoso, porque foi feito dentro da legalidade,
sem violência. E nós vamos assegurar que a nossa democracia continue viabilizando,
garantindo as oportunidades, construindo a participação de homens e mulheres.
E no nosso caso específico,
no caso da desigualdade de gênero, nenhum fundamentalismo vai impedir que a
nossa perspectiva de gênero se afirma cada vez mais. Nós sabemos o quanto
existe, o quanto existe de misoginia, o quanto existe de machismo em algumas
visões. Nós vamos reafirmar a nossa perspectiva de gênero. E eu tenho certeza
que uma conferência desse porte, desse tamanho, dessa envergadura é, sem
dúvida, uma das nossas mais importantes plataformas de luta.
Eu quero finalizar dizendo o
seguinte para vocês: eu me sinto injustiçada, sim. Eu sou vítima de uma
injustiça. Mas eu sou um tipo de vítima como nós brasileiros e brasileiras
somos, principalmente nós brasileiras, vítimas, porém lutadoras, vítimas que
não desistem, vítimas com consciência, vítimas com capacidade de luta.
Muito obrigada e um beijo em
todas vocês.
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/dilma-se-despede-a-vida-quis-coragem
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