Muita gente me pediu, então
aqui está a minha fala no ato político de abertura do BlogProg. Queria
agradecer a todos que me procuraram para elogiar o conteúdo do discurso. Fico
muito feliz em ter encontrado o tom e o equilíbrio certo para falar sobre o
cenário político num momento tão delicado, denunciando o golpe sem deixar de
fazer as críticas necessárias aos erros cometidos pelo setor progressista,
principalmente no campo da comunicação. Abaixo na íntegra:
*****
Me coube, nesta noite, a
responsabilidade de falar neste ato político que abre o 5º Encontro de
Blogueiros e ativistas digitais representando o movimento social que está hoje
nas mais variadas frentes de luta defendendo a democracia no nosso país.
Desde que o Senado Federal
acolheu a denuncia contra a presidenta Dilma Rousseff e a afastou de sua
função, há 8 dias, que se multiplicam os atos, as ocupações, as marchas, as
intervenções culturais.
A resistência democrática
tem a cara da diversidade do povo brasileiro: é negra, indígena, branca,
mulata, é feminina, é da cidade, da floresta e das águas, é moleca, jovem,
madura e cravejada com as marcas do tempo nos rostos de quem não imaginava mais
ter que lutar para defender a democracia.
Queria começar homenageando
todos estes brasileiros e brasileiras que estão aqui e nas ruas cerrando
fileiras para derrotar o golpe e para impedir que o Brasil mergulhe em mais um
período de exceção, de ataque aos direitos duramente conquistados nos últimos
anos, de subordinação acrítica do país aos interesses do imperialismo norte-americano
e das grandes corporações internacionais.
Não nos enganemos quanto aos
objetivos do processo político que está em curso no nosso país: Ele quer acabar
com a inserção soberana do Brasil no mundo; enfraquecer a construção de um pólo
de países que questionam política e economicamente os Estados Unidos e seu
poder imperialista. O protagonismo do Brasil na construção dos Bric's é uma
ameaça à ordem econômica internacional. O objetivo do golpe é sabotar a
integração da América Latina e colocar um ponto final na Unasul e no Banco do
Sul. É para desmontar a indústria nacional e a política de conteúdo nacional,
para privatizar as empresas públicas que sobreviveram ao desmanche neoliberal
dos anos 90, para reduzir o papel do Estado e atacar direitos sociais e
trabalhistas.
A direita conservadora, que
teve seu projeto político rejeitado pela soberania do voto nas quatro últimas
eleições, não viu outro meio de impor ao país sua agenda antipopular senão o do
golpe.
Inconformada com mais uma
derrota, a direita iniciou em 26 de outubro de 2014 uma campanha oposicionista
inconsequente, que aprofundou a crise econômica, disseminando intolerância e
gerando uma grande instabilidade política no país. Assumiram a tática do quanto
pior melhor [para eles] para atacar o projeto político que, com todas as suas
limitações e apesar de muitos erros cometidos, trouxe mais dignidade e
qualidade de vida ao povo brasileiro.
O processo de impeachment
conduzido pelo parlamento contra a presidenta Dilma é baseado em fatos que não
configuram crime de responsabilidade. Sem crime de responsabilidade, qualquer
tentativa de abreviar um mantado conferido pelo povo é ilegal, é golpe contra a
democracia e suas instituições.
O que define o Estado
Democrático de Direito é o respeito às leis vigentes no país, o respeito à
Constituição Federal. Quando há violação de direitos e regras estabelecidas a
democracia corre risco. E é isto que está em curso no Brasil.
A palavra golpe tem
incomodado muita gente, porque é uma palavra dura, é uma palavra que carrega em
cada uma de suas letras uma força simbólica terrível para muitos homens e
mulheres de nosso continente. O golpe nos remete à dor física da repressão
policial, da tortura, do sequestro da liberdade.
Não aceitam a palavra golpe
porque não há tanques nas ruas. Mas talvez este golpe seja ainda mais terrível
porque se desenvolve sob a máscara da legalidade.
No dia 12 de maio de 2016, o
Brasil entrou numa máquina do tempo e foi levado de volta para o passado.
Voltamos para a época do governo dos homens brancos e ricos. Só dos homens. Eu
os tenho chamado de homens de ternos pretos. Sempre impecáveis, elegantes, eles
se reúnem como corvos ao redor de uma mesa para repartir as riquezas do país
entre si. Esta, presidenta, é a descrição da foto de Michel Temer e seus
acéclas ocupando o Palácio do Planalto.
Os homens brancos, ricos e
de terno preto prestam continência ao mercado e este já deu sua orientação:
rever o tamanho do Sistema Único de Saúde, rescindir contratos do Minha Casa,
Minha Vida, autorizar a cobrança de mensalidades nas universidades, reduzir
programas como o FIES e o ProUni, iniciar o programa de desestatização para
privatizar os bancos públicos, a Petrobras, os Correios. Nenhuma das coisas que
eu citei é especulação, elas já estão sendo colocadas em prática nestes dias.
Eles vão varrer o país, mas
não é da corrupção. Vão varrer as políticas públicas de reparação das
desigualdades sociais, que atavam o racismo, a violência e o preconceito contra
as mulheres.
Em governos de orientação
neoliberal, o que impera são as políticas de mercado. O Estado é mínimo, como
já deu para ver pelo enxugamento do governo. Afinal, o grande vilão do
neoliberalimo é o Estado. Quanto menor, melhor [para eles]. Ele só não é
extinto para oficializar o tempo da supremacia das corporações, porque as
corporações se locupletam com o Estado e este serve ao seu propósito de ser o
instrumento de repressão social para reprimir as manifestações por direitos e
em defesa da democracia.
E todo golpe, para ser
viabilizado, precisa de um aparato ideológico que o sustente. Que conduza a
opinião pública e diga ao povo – às vezes de forma explícita, às vezes velada –
o que ele deve pensar. Esta é a função dos meios de comunicação no Brasil, mas
não só. A mídia privada brasileira é a própria promotora do golpe, ela está
umbilicalmente ligada ao mercado e à direita conservadora. A mídia é o golpe.
Aqui, presidenta Dilma,
cometemos um erro histórico. Acreditar que seria possível levar a cabo um
projeto soberano de desenvolvimento econômico para o Brasil sem garantir um
ambiente de pluralidade e diversidade nos meios de comunicação. A luta pela democratização
dos meios de comunicação é estratégica para o avanço de direitos, para a
realização das reformas estruturais que o Brasil precisa, para a consolidação
da própria democracia.
Nós, do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação, nós da mídia alternativa, nós blogueiros e
blogueiras, ativistas digitais, nós dos movimentos sociais temos repetido
exaustivamente que sem uma comunicação democrática não há democracia.
E lutamos presidenta,
lutamos desde o primeiro ano do governo do presidente Lula para tentar
construir políticas públicas e normas legais modernas e democráticas para
romper com o monopólio privado que domina a comunicação no Brasil. E não
conseguimos. Não fomos ouvidos. A falta de compreensão dos governos
progressistas sobre o caráter estratégico da pauta da comunicação resultou no
não enfrentamento deste tema.
A mídia privada permaneceu
sem regras, abusando do privilégio de serem a única voz a falar de forma
massiva para 200 milhões de brasileiros. A mídia foi a principal articuladora
da desestabilização política e econômica do país, promovendo ataques cotidianos
ao governo, espetacularizando a notícia e criando um clima de ódio e terror
diários que levou uma parcela considerável da sociedade a defender a bandeira
do seu afastamento. A sociedade brasileira encontra-se à mercê de uma mídia
concentrada e golpista.
A luta pela democratização
da comunicação não é para calar ninguém, é para que mais setores sociais possam
ter o direito à expressão. Conquistamos a duras penas e com limitações a
Empresa Brasil de Comunicação. Com a sua criação, em 2008, o país começou, de
forma muito tardia, a cumprir o previsto no artigo 223 da Constituição Federal,
que determina que as concessões de radiodifusão observem a complementaridade
entre os sistemas público, privado e estatal. A EBC estava aos poucos
encontrando o seu caminho, o seu jeito de fazer uma comunicação voltada para o
interesse público, construindo cidadania, promovendo diversidade e pluralidade.
Isso é democratização da informação, da cultura. Isso faz pensar, mostra que
uma televisão pode ser diferente.
E isso é uma ameaça aos que
se sentem donos da informação e da comunicação. O monopólio midiático do país
nunca engoliu a criação da Empresa Brasil de Comunicação, tanto é que hoje a
nossa experiência de comunicação pública, que ainda estáva na sua primeira
infância, está sendo desmontada.
Nestes anos, a luta política
de embate ao discurso único dos meios de comunicação privados tem se dado a
partir da mídia alternativa, da imprensa do movimento sindical, popular,
estudantil, de muitos veículos de comunicação formados por comunicadores
populares, dos blogs de opinião, do ativismo realizado nas redes sociais, de
coletivos e cooperativas de jornalistas que ousaram trilhar um caminho próprio,
longe da redação dos grandes meios de comunicação.
A mídia alternativa tem dado
voz aos setores invisibilisados e criminalizados pela mídia hegemônica e feito
o enfrentamento ao golpe, defendendo a democracia e direitos.
A ação da comunicação alternativa
incomoda muito o monopólio, os partidos de direita e a elite conservadora. Para
tentar nos calar, eles se utilizam da Justiça, através de ações que impõe
multas econômicas desproporcionais aos meios alternativos. Querem nos calar
pela intimidação e pela asfixia econômica, porque ousamos fazer uma narrativa
contra-hegemônica dos fatos em curso no país. Temos sofrido a violência moral,
física e até a morte de comunicadores no Brasil. A censura econômica e privada
é hoje o principal obstáculo à liberdade de expressão no país. Mas se eles
pensam que vão nos calar, estão muito enganados.
Neste momento estamos
ocupados exigindo o retorno do Minc e a manutenção das políticas públicas de
cultura, estamos lutando para impedir o fim da comunicação pública através do
desmonte da Empresa Brasil de Comunicação. Temos que defender a mídia alternativa
dos ataques que já estão se ampliando. Exemplo disso foi a notícia de que o
contrato de patrocínio firmado com a Caixa Econômica para a realização deste
evento não será honrado. O Estado não pode patrocinar eventos que discutem a
democratização dos meios de comunicação, pior até, que constróem diariamente
uma comunicação mais democrácia, mas pode patrocinar os encontros do Instituto
Millenium, onde são elaboradas as políticas para retirar os direitos sociais e
que reúne a nata do golpe para patrocinar e articular o golpe.
Temos que impedir
retrocessos no campo da Internet, tentando barrar projetos de lei que
desfigurem uma das poucas conquistas obtidas no campo da comunicação, que foi a
aprovação do Marco Civil da Internet.
E, principalmente, temos o
desafio de ao lado dos movimentos sociais defender a democracia e denunciar o
golpismo em nosso país. Nossa luta está apenas no começo e saíremos vitoriosos.
Venceremos.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/05/contra-o-golpe-por-uma-midia-democratica.html?spref=tw
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