Ai, essa doeu.
O golpe desceu mais um
degrau da desmoralização.
Se houvesse imprensa no
Brasil, a contestação dos juristas citados no relatório do impeachment
constariam em manchetes garrafais.
Na atual conjuntura, porém,
em que a própria imprensa é parte do golpe, apenas as opiniões de Janaína
Paschoal, a satânica, valem a primeira página.
O UOL deu um resumo
envergonhado, escondido em meio a outras notas.
A título da nota publicada
pelo UOL, porém, é de uma suavidade à beira da mentira, porque os autores
citados por Anastasia não apenas "criticam relatório pelo
impeachment", eles afirmam, categoricamente, ao final do artigo, à guisa
de conclusão, "que o impeachment está sendo usado de forma
inconstitucional".
Em outras palavras, é golpe!
No mundinho encantado da
mídia, porém, a denúncia de golpe é um delírio do governo, de petistas e de
radicais da internet, não importa se milhões de brasileiros vão às ruas fazer a
mesma denúncia, se milhares de juristas, intelectuais, acadêmicos, assinam
manifestos, se ocorrem centenas de debates Brasil à fora para denunciar o
golpe, se movimentos sociais vem se articulando com muita força para fazer
frente ao fascismo político que espreita, animado, debaixo da saia do
impeachment.
***
No
UOL.
Autores citados por Anastasia criticam relatório pelo impeachment
Os três autores de um artigo citado pelo
senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) em seu parecer pela admissibilidade da
denúncia de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff publicaram nota
nesta sexta (6) para criticar a interpretação feita pelo tucano em seu
relatório. Para Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e
Alexandre Bahia, a citação feita por Anastasia de texto do trio publicado em
"Comentários à Constituição do Brasil" sobre o artigo 85, que define
crimes de responsabilidade, "não considera de modo adequado a integridade
do texto, nem do trecho referido". Segundo os autores, Anastasia os cita
"para tirar uma conclusão com a qual não concordamos, pois o fato de o
elenco do art. 85 ser exemplificativo não significa que esteja afastada a
exigência de previsão legal taxativa dos crimes de responsabilidade" -- no
caso, a lei 1.079/50, que tipifica os crimes de responsabilidade. "A
estratégia do Relatório Anastasia é a de se admitir que não há a tipificação
taxativa dos crimes de responsabilidade, mas que isso 'não é um problema', pois
que 'o tipo seria aberto' e, então, poder-se-ia a ele aderir legislações e
capitulações que lhe são estranhas, como a responsabilidade fiscal ou qualquer
outra. Ora, se há previsão de hipóteses de 'crime de responsabilidade' e 'crime
comum' de Presidente da República, a serem apreciados em processos diferentes,
é justamente porque há crimes, ainda que diferentes", criticam os
acadêmicos. Streck, Oliveira e Bahia terminam a nota, divulgada no site Empório
do Direito, dizendo que o impeachment está sendo usado de forma
inconstitucional sob a "vontade de uma maioria tardiamente formada".
Abaixo, a íntegra do artigo.
No Empório do Direito
Breve
Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de
impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República
Por
Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Gustavo Melo
Franco de Moraes Bahia – 06/05/2016
A citação feita no Relatório
Anastasia[1] do texto dos comentários ao art. 85 da Constituição da República
que escrevemos[2] não considera de modo adequado a integridade do texto, nem do
trecho referido. Para nós, o fato do rol do art. 85 ser exemplificativo reforça
ainda mais a exigência prevista no parágrafo único do mesmo artigo da
Constituição de que a lei especial e regulamentar tipifique e defina os crimes
de forma completa, afastando, portanto, “tipos abertos”, bem como a
interpretação extensiva ou por analogia – o que não é possível por se tratar de
crime. Indicamos, portanto, a leitura do trecho dos Comentários à Constituição
do Brasil:
“Para os crimes de
responsabilidade valem os dispositivos constitucionais e sua regulamentação
através da Lei 1.079/50.” E, logo em seguida, “O rol previsto no art. 85 é
meramente exemplificativo, constando sua definição completa naquela citada
norma infraconstitucional”, ou seja, a Lei 1.079/50. Este é o último parágrafo
do texto dos comentários ao artigo 85, in Comentários à Constituição do Brasil,
p. 1287. Depois de ter explicado, portanto, que a Lei 1.079/50 tipifica os
crimes.
O Senador Anastasia, assim,
nos cita para tirar uma conclusão com a qual não concordamos, pois o fato de o
elenco do art. 85 ser exemplificativo não significa que esteja afastada a exigência
de previsão legal taxativa dos crimes de responsabilidade, conforme o parágrafo
do mesmo artigo.
Como na Carta aberta a
Anastasia que foi encaminhada por professores, estudantes e servidores da
Faculdade de Direito da UFMG:
2) A CR/88 dispõe em seu art.
85, parágrafo único, que uma lei especial definirá os crimes de
responsabilidade e estabelecerá as normas de processo e julgamento do
impeachment. Esta lei, como já afirmado pelo STF no julgamento do caso Collor
em sucessivos mandados de segurança (MS 21.564, MS 21.623 e MS 21.68) e agora
na ADPF 378 é a Lei 1079/50. Entendemos que em consonância com o devido
processo constitucional as hipóteses de crime elencadas pela lei do impeachment
devem ser atendidas taxativamente, não cabendo, portanto, interpretações
extensivas ou analógicas em respeito às garantias do próprio sistema
presidencialista, e do ordenamento jurídico como um todo, em que restrições de
direitos devem ser interpretadas de forma taxativa.”[3]
Para a Constituição da
República, justamente porque o rol é exemplificativo que a lei especial
regulamentará tipificando os crimes, por uma questão de segurança jurídica! Ou
seja, cabe à lei especial definir por completo. Como diria Gomes Canotilho,
estamos diante de uma vinculação expressa do legislador à Constituição.
Sabemos, pois, quais são os crimes de responsabilidade e qual o procedimento de
impeachment porque a Constituição estabeleceu os parâmetros no art. 85, incisos
e parágrafo, e no art. 86 (também art. 51, I, e art. 52, I), e a Lei 1.079/50
os regulamentou, prevendo, taxativamente e definindo de forma completa, os
tipos penais.
Não cabe assim interpretação
extensiva e analógica dos crimes completamente definidos pela lei especial
prevista no parágrafo do art. 85. O preceito fundamental em questão é mesmo o
princípio da reserva legal. Somos, pois, daqueles que concordam com Marcelo
Neves[4] e Alexandre Morais da Rosa[5] no sentido de que crime de
responsabilidade é crime e se submete à reserva legal, em lei específica, no
caso, a lei 1.079/50, no que foi recepcionada[6]. O fato de o rol do art. 85
não ser numerus clausus não afasta, muito antes pelo contrário, a exigência
constitucional, prevista no parágrafo único do art. 85, de que a lei especial
taxativamente o faça. Ou, como dissemos no texto dos Comentários, defina
completamente os crimes. Questão mesmo de segurança jurídica, não há como se
falar em “tipos abertos”. Ou seja, o Senador Anastasia termina por tirar
conclusões com as que jamais concordaremos.
A estratégia do Relatório
Anastasia é a de se admitir que não há a tipificação taxativa dos crimes de
responsabilidade, mas que isso “não é um problema”, pois que “o tipo seria
aberto” e, então, poder-se-ia a ele aderir legislações e capitulações que lhe
são estranhas, como a responsabilidade fiscal ou qualquer outra. Ora, se há
previsão de hipóteses de “crime de responsabilidade” e “crime comum” de
Presidente da República, a serem apreciados em processos diferentes, é
justamente porque há crimes, ainda que diferentes.
Cabe lembrar, ademais, que,
embora estejamos numa República democrática em que, com certeza, o Presidente é
responsável, o sistema de governo constitucionalmente adotado é o
presidencialismo e não o parlamentarismo. Logo, no Brasil, o Presidente da
República só pode ser impedido quando estiver configurado crime, segundo a
Constituição e nos estritos termos da legislação a que a própria Constituição
se refere.
Nesse sentido, cabe dizer
que é perceptível desde o início qual seria a estratégia do relatório. A
estratégia de pretender descaracterizar o caráter de crime do crime de
responsabilidade para defender a possibilidade de afastar a exigência jurídica
de taxatividade dos crimes previstos em lei especial, abrindo espaço para a
interpretação extensiva e por analogia, defender uma responsabilidade objetiva,
sem dolo, e por atos que a Presidente não cometeu, como bem mostrou Alexandre
Morais da Rosa[7], mesmo no caso das chamadas “pedaladas fiscais” (sic)
referentes ao Plano Safra, fato atípico posto que não há de se confundir o
atraso no repasse dos valores referentes a subvenções sociais com operações de
crédito e onde sequer há atos cometidos pela Presidente da República, como bem
mostrou, mais uma vez, Ricardo Lodi[8].
O que se faz, ao fim e ao
cabo, revela, justamente o que nós, e os demais autores aqui citados, temos
dito desde o início: trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade que
sacrifica o caráter jurídico-político, portanto, constitucional, do instituto do
impeachment para reduzi-lo apenas à vontade de uma maioria tardiamente formada.
Notas e Referências:
[1] Ver Relatório, p. 53.
Disponível em
http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia.
“No mesmo sentido, encontramos fartos ensinamentos na doutrina, podendo ser
citados, como exemplos, as posições de Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia (in: Leo Ferreira Leoncy et al.,
Comentários à Constituição do Brasil, p. 1287); Bernardo Gonçalves Fernandes
(Curso de Direito Constitucional, p. 900), Gilmar Ferreira Mendes e Paulo
Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional, p. 956) e Alexandre de
Moraes (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, p.
1263). Como se vê, a doutrina praticamente unânime reafirma que a lista de bens
jurídicos protegida pelos tipos do art. 85 da CF é meramente exemplificativa.
Nada há de ilícito, portanto, na especificação de um novo tipo pelo legislador
ordinário, como ocorreu com o art. 11. Aliás, esse argumento levaria a
conclusões absurdas: o legislador, a quem cabe exclusivamente tipificar os
crimes, pois se trata de hipótese de reserva legal, não teria o poder de
tipificar nenhuma conduta, a não ser as expressamente previstas na
Constituição?”
[2] STRECK, Lenio Luiz;
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; BAHIA, Alexandre. Comentário ao artigo 85
In: CANOTILHO, JJ Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L.
(Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina,
2013, p. 1285 a 1287.
[3] Disponível em
http://emporiododireito.com.br/professores-estudantes-e-servidores-da-faculdade-de-direito-da-ufmg-escrevem-carta-aberta-ao-senador-anastasia/
[4] Parecer disponível em
https://cloudup.com/ig-cUkufb7N
[5] Ver o artigo disponível
em
http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/
[6] Sobre o tema, afirma
Lenio Streck: “As regras de interpretação – sobre as quais não existe uma
taxonomia – apontam para algumas questões básicas: quando se trata de Direito
Penal, não pode haver analogia in malam partem. E quando está em jogo a coisa
mais sagrada da democracia – que é a vontade do povo — também não se podem
fazer pan-hermeneutismos, a partir de analogias e/ou interpretações extensivas.
Parece-me que qualquer interpretação sempre deverá ser indubio pro populo. In
dubio pro vontade popular.” (Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-24/lenio-streck-constituicao-impeachment-mandato-anterior).
Ver também os diversos artigos publicados em
http://emporiododireito.com.br/category/constituicao-e-democracia/ sobre o tema
do impeachment, especialmente, o artigo “Golpe Vergonhoso passa na Câmara”,
disponível em http://emporiododireito.com.br/golpe-vergonhoso-passa/, bem como
a obra BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; BACHA E SILVA, Diogo;
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo Tribunal
Federal: História e Teoria Constitucional Brasileira. Florianópolis: Empório do
Direito, 2016.
[7] Ver o artigo disponível
em
http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/.
[8] Ver a manifestação de
Ricardo Lodi, assim como a de Geraldo Prado e Marcello Lavenère, disponível em
http://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/05/juristas-dizem-que-dilma-nao-cometeu-crime-de-responsabilidade.
Também http://www.conjur.com.br/2015-dez-04/ricardo-lodi-pedaladas-hermeneuticas-pedido-impeachment.
Autores:
Alexandre Gustavo Melo
Franco Bahia é Doutor e Mestre em Direito pela UFMG, Professor da UFOP e da
IBMEC.
Lenio Luiz Streck é
Professor da Unisinos e Unesa, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Ex-Procurador de
Justiça e Advogado..
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira é Doutor em Direito e
Professor associado da Faculdade de Direito da UFMG.
http://www.ocafezinho.com/2016/05/07/autores-citados-em-relatorio-do-impeachment-afirmam-que-processo-e-inconstitucional/
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