O
Supremo Tribunal Federal perdeu o bonde da História. Mais precisamente, ao
negar cinco ações pedindo a suspensão da votação do impeachment neste domingo,
perdeu a oportunidade de impedir que o poder seja tomado de assalto por
políticos corruptos e, mais grave ainda, esquivou-se de evitar a explosão de
confrontos de rua que podem culminar em derramamento de sangue. O STF,
infelizmente, frustrou as esperanças dos milhões de brasileiros de bom senso,
que esperavam uma ação de verdadeiro guardião da Constituição. Ao contrário,
porém, do que deveria ser o seu papel, preferiu, pela maioria dos seus membros,
manter-se indiferente neste momento importante para a História do nosso país,
apesar da tragédia anunciada pelo quadro sombrio que vem se desenhando desde o
início das manobras para a execução do golpe. E muitos se perguntam: de onde
vem a força descomunal que consegue intimidar a mais Alta Corte de Justiça do
país?
O
ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo, disse, ao final da sessão
extraordinária, que a Corte não fechará as portas para "analisar a
tipificação do crime de responsablidade" do impeachment, ou seja, para
dizer se a Presidenta praticou ou não o crime de que a acusam. Isso não é
consolo. Depois do caldo derramado – ou do sangue derramado – tal análise não
fará muita diferença e muito menos apagará os acontecimentos decorrentes da
votação do impeachment. Afinal, por que não fizeram essa análise na sessão
extra de quinta-feira? Por que deixaram para depois do fato consumado? Aliás,
também deixaram para depois o julgamento do mérito da liminar do ministro
Gilmar Mendes que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil do governo,
certamente porque se o impeachment for aprovado a liminar perderá a sua
finalidade. Vale lembrar, a título de ilustração – quem quiser tire suas
próprias conclusões - recente declaração do ministro Lewandowski pedindo à
oposição paciência "para aguentar por mais três anos" o governo da
presidenta Dilma Roussef.
Como
o Supremo não fez o que a maioria do povo esperava, ou seja, a suspensão da
votação do impeachment, o ritual para o afastamento de Dilma já teve início na
Câmara dos Deputados com uma nova exposição da acusação e da defesa,
representados respectivamente pelo jurista Miguel Reale Junior e pelo advogado Geral
da União José Eduardo Cardozo. Na verdade, mera encenação, perfeitamente
dispensável, porque nada do que disseram mudará o voto dos deputados, já
definido antes mesmo do processo chegar à Câmara. Mas como político se comporta
como camaleão, isto é, muda de cor de acordo com as circunstâncias, ninguém
pode afirmar, com segurança, o resultado da votação de domingo, apesar do
documento em que 186 deputados se comprometem a votar contra o golpe. De
qualquer modo, espera-se que o impeachment não passe da Câmara, evitando o caos
e um retrocesso no país, com incalculáveis prejuízos para todos, inclusive para
os que estão empenhados em conquistar o poder a qualquer preço.
É
claro que tal resultado não impedirá a apresentação de novos pedidos de
impeachment – na realidade já existem mais de 30, até um pedido pornográfico de
um ator pornô – porque aqueles que ambicionam o poder não desistirão facilmente
do golpe, especialmente o vice-presidente Michel Temer, tão confiante que já
começou até a montar o seu ministério. E como o brasileiro não poderá contar
com o Supremo Tribunal Federal para por um fim na banalização do impeachment,
considerando o seu comportamento de indiferença, Dilma vai ter de viver nesse
clima até o final do seu mandato. Os seus opositores, não há dúvida, vão
insistir no impeachment, porque é a única maneira de Temer assumir a
Presidência, já que a outra alternativa, a cassação, pelo Tribunal Superior
Eleitoral, do mandato de Dilma, não atende aos interesses do vice-presidente,
porque ele sai junto. Isto porque é praticamente impossível dissociar Temer da
chapa, cuja eleição foi questionada pelos tucanos.
Se,
por outro lado, o impeachment for aprovado e o golpe consumado Michel Temer não
terá condições para administrar o país, muito menos para solucionar os
problemas criados pela própria oposição ao gerar as crises, com a decisiva
participação da grande mídia. Primeiro porque lhe faltará legitimidade, o que
inclusive dificultará o seu reconhecimento pelas outras nações; e, segundo,
porque o povo não lhe dará trégua, especialmente o PT e as entidades sindicais.
Consciente disso, o seu mais novo aliado, o ex-deputado Roberto Jefferson,
recém-saido da prisão, declarou recentemente que já sugeriu ao "novo"
presidente a adoção de medidas rigorosas para sufocar os movimentos sociais, o
que, na prática, seria uma ditadura. Com essa sugestão, Jefferson se credencía
a ocupar o Ministério da Justiça e dar a sua "valiosa" contribuição
ao "novo governo democrático".
Existe,
também, um detalhe muito importante que tem sido esquecido pelos observadores:
se o golpe se consumar e Temer assumir o governo o presidente da Câmara,
deputado Eduardo Cunha, será o novo vice-presidente, que assumirá a Presidência
da República nos seus impedimentos. Seria o absurdo dos absurdos. Segundo um
velho ditado, todo povo tem o governante que merece. Mas o povo brasileiro não
merece isso, porque não elegeu Temer nem Cunha para presidir o Legislativo. Os
seus iguais, aqueles que o colocaram no comando da Câmara e o apoiam nas
manobras para derrubar a Presidenta, esses, sim, o merecem. E também a mídia,
que igualmente o apoia. A esta altura, nenhum deles tem autoridade moral para
acusar alguém de corrupção. Como bem afirma a sabedoria popular: "Quem com
porcos se mistura, farelo come".
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/ribamarfonseca/226170/Cr%C3%B4nica-de-uma-trag%C3%A9dia-anunciada.htm
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