Pois
é amigos. Embora eu tenha trabalhado muito tempo na área criminal e tivesse
ciência desta máxima que impera nas periferias e dentro das casas prisionais,
diante dos eufemismos que são utilizados pelas novas legislações que tratam da
tal delação premiada, eu até já havia me esquecido dela.
Lembro-me
de uma época em que os passeios com minha companheira e meu filho ainda
criança, eram justamente para visitar clientes pelos presídios do Rio Grande do
Sul. Eu chegava em casa e perguntava se queriam passear e eles já me inquiriam
sobre o presídio e a cidade na qual nós iríamos. E lá partíamos nós a bordo do
meu velho Fusca 1977, com o objetivo de fazer uma defesa, participar de uma
audiência, pedir um benefício ou até mesmo conversar com algum preso dentro da
cadeia para levar a ele alguma esperança e um mínimo de conforto de saber que
aqui do lado de fora, havia alguém lutando por ele.
Acontece
que, embora eu tenha parado de atuar na área penal, ainda tenho alguns velhos
clientes que de vez em quando passam em minha casa e param para bater um papo
informal. E foi um deles que, ao me perguntar o que era esta tal delação
premiada que ele tanto ouvia no rádio e na televisão, acabou me alertando para
esta questão que permanecia ainda um pouco difusa em minha mente.
Eu
tentei responder da maneira mais didática e simples possível de modo que ele
pudesse entender e realmente foi o que aconteceu.
Após
me escutar atentamente, ele me questionou: mas na verdade o que o senhor está
me dizendo é que tudo não passa de “caguetagem”? Sim, porque pessoas que
entregam os “manos” para livrar a pele aqui nas quebradas nós chamamos de alcagueta,
dedo-duro, traíra e outros nomes. E mais: aqueles que resolvem tomar este
caminho, deverão imediatamente sumir das quebradas onde eles viviam, pois aqui
na periferia, eles não se criam. E dentro dos presídios, como o “doutor deve se
lembrar, eles ficam no “seguro”, pois se caírem nas mãos dos outros
presidiários, eles irão para a vala...
É
isso aí gente. Em um momento em que todos aqueles “engravatados” que cometeram
seus deslizes criminais estão tentando se livrar das penas da lei às custas de
entregar outras pessoas, culpadas ou não (pois este é um momento que eles por
vingança podem querer prejudicar pessoas inocentes apenas porque são seus
desafetos), na verdade estamos caminhando para a criação de uma República de
Traidores. E isso não é bom amigos, pois levará as pessoas a se fecharem cada
vez mais para a solidariedade.
Mas
acho que os tais delatores devem começar a se preocupar com o que pode vir após
a “caguetagem”, conforme falou meu velho cliente de processos criminais.
Ah,
mas é gente “graúda” entregando outros “graúdos”, dirão alguns, argumentando
que “o nível é outro”.
Pois
eu digo que não. Passar uma temporada no interior de uma casa prisional,
elimina de qualquer pessoa, seja do nível intelectual e cultural que for,
qualquer resquício moral ou ético que ela ainda possua. Em regra, aquele que sofre
as agruras de viver em um presídio, por menos tempo que seja, sai de lá
disposto a tudo: a matar ou a morrer. E se ele não conseguir se vingar das
pessoas que o colocaram lá dentro, ele se vingará na sociedade de forma
indiscriminada. Fruto de nossa equivocada política criminal que trata presidiários
pior do que animais, a tudo criminalizando e agravando penas como se isto fosse
uma panaceia para todos os nossos problemas.
E
com os tais “engravatados” não será diferente. Embora os delatores possam vir a
continuar vivendo dentro dos seus condomínios fechados e seus parentes a circularem
no interior de shoppings cercados de seguranças, os delatados um dia também
retornarão a estes mesmos locais em que já viveram nos dias que antecederam as
suas prisões. E inevitavelmente em um certo momento, seus caminhos se cruzarão.
E
então, o que acontecerá? Terão os delatados a magnanimidade de perdoar seus
acusadores? Ou já estarão tão impregnados das violentas leis que imperam no
interior dos presídios que irão buscar impor uma vingança cruel contra seus
delatores?
Não
posso responder por enquanto, pois a aplicação indiscriminada da caguetagem
premiada ainda é recente e vai demorar um pouco para mostrar seus efeitos
futuros. Mas como antigo militante das causas criminais, não posso deixar de
relembrar a máxima de meu antigo cliente: NA PERIFERIA, ALCAGUETE NÃO SE CRIA...
Jorge André
Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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