O
golpe em marcha contra o governo Dilma Rousseff tem por trás de si a mão do
imperialismo? Os Estados Unidos estão por trás das táticas e estratégias que,
principalmente no segundo mandato da atual chefe de Estado brasileiro, vêm
cercando e minando todas as possibilidades políticas, jurídicas e econômicas de
a gestão petista se tornar viável? Segundo analistas ouvidos pela RBA, embora
não haja como "provar" que sim, os dados e as relações políticas e
históricas evidenciam que, nesse campo, nada acontece por acaso.
"Evidências
realmente concretas nós não temos. Mas temos ações que indicam o interesse
muito claro em uma mudança de poder no Brasil. Já um tempo atrás, as pessoas
acabam esquecendo, houve denúncias que vazaram pelo Wikileaks sobre espionagem
em uma das principais empresas brasileiras, que é a Petrobras. Logo em seguida,
inicia-se um processo de denúncias em torno das atividades dentro da empresa e
o próprio monitoramento da presidente da República", lembra Analúcia
Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"Ou
seja, os Estados Unidos têm o que a gente pode entender como uma espécie de
governo invisível. Estão presentes em diferentes países das mais diferentes
formas. Seja através da utilização de alta tecnologia, que permite espionagem,
seja através de figuras que de fato atuam dentro do Brasil e tentam se
aproximar do governo. Isso pode acontecer por meio de organizações não
governamentais, por exemplo", analisa a professora da UFRGS. "A
igreja evangélica norte-americana tem um poder financeiro e de atuação
internacional muito grande. Não é à toa que a igreja evangélica no Brasil foi
ganhando terreno político. São ações que não são facilmente confirmadas,
concretamente, mas sabemos que existem."
Armando
Boito, professor de Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp),
cita a participação, segundo ele, clara, de entidades norte-americanas no atual
processo brasileiro. "Por exemplo, os irmãos Koch, com suas diferentes
fundações, que formam lideranças, financiam o movimento Estudantes pela
Liberdade e o Movimento Brasil Livre (MBL). Isso já está provado, é um fato
notório." Ele se refere aos irmãos Charles e David Koch, do Charles Koch
Institute, que possuem uma fortuna de U$ 43 bilhões, segundo a Forbes. "Já
o quanto as instituições do Estado norte-americano, propriamente dito, estão
envolvidas nisso a gente ainda não sabe, mas que tem a mão do capital
imperialista na mobilização contra Dilma, tem. E os Estados Unidos teriam
muitos motivos para preferir o fim dos mandatos dos governos do PT", diz
Boito.
Analúcia
cita políticas desenvolvidas pelos governos do PT nos últimos anos claramente
incômodas aos Estados Unidos. Como a autonomia em relação à produção de
petróleo ou a questão relacionada ao pagamento da dívida externa.
Para
Boito, é possível enumerar uma série de iniciativas e políticas desenvolvidas
pelos últimos governos brasileiros, nos planos econômico, político e militar,
que, por si só, atingem frontalmente os interesses do país mais poderoso da
Terra em seu próprio continente e são motivos mais do que suficientes para se
desconfiar de que não é o acaso que está por trás da poderosa conjunção de
forças aliadas contra Dilma.
No
plano econômico, Boito lembra que os EUA deixaram de ser o principal parceiro
econômico do Brasil, "posto que ocuparam por 80 anos", e hoje é
ocupado pela China. No plano econômico-diplomático, o Brasil foi um dos
principais responsáveis pela criação do G-20. E foi peça importantíssima nos
Brics e na criação do Banco dos Brics. "São iniciativas que retiram dos
Estados Unidos a hegemonia absoluta em escala internacional. Eu considero a
iniciativa do Banco dos Brics uma das mais importantes dos últimos anos",
diz.
E
não é só. O Brasil fez representação na Organização Mundial do Comércio (OMC)
contra a produção de algodão dos Estados Unidos, por exemplo, além de etanol.
"Atritos de natureza econômica não faltaram", afirma o professor da
Unicamp.
No
plano político, o Estado brasileiro se aliou aos regimes do Hugo Chávez na
Venezuela, de Raul e Fidel Castro em Cuba, de Evo Morales na Bolívia, "o
que destoava da política estadunidense para a América Latina". "O
Marcelo Odebrecht (hoje preso pela Operação Lava Jato) deu entrevistas seguidas
à imprensa defendendo o governo Chávez."
O
Porto de Mariel, em Cuba, inaugurado em janeiro de 2014, com a presença da
presidenta Dilma Rousseff, e tornado viável graças a financiamento do BNDES, é
outra iniciativa brasileira fora dos padrões até então conhecidos no
continente.
E,
no plano militar, lembra Boito, o governo Lula engavetou o projeto de lei
herdado do governo Fernando Henrique Cardoso de ceder a base de Alcântara para
o controle dos Estados Unidos. Fora isso, o Brasil assinou acordos militares
com a França para a construção de submarino nuclear e optou por caças de
fabricação Sueca, em 2014, em vez dos F-15 estadunidenses, por exemplo, o que
trouxe benefícios ao Brasil, já que a Suécia ofereceu transferência de
tecnologia na negociação.
Nada
é por acaso
Na
análise da professora da UFRGS, não é por acaso que a oposição, que desencadeia
um bombardeio incessante desde o primeiro dia após a reeleição de Dilma, tenha
conseguido "virar o jogo", que estava completamente a favor do
governo até antes das manifestações de 2013. Assim como não é por acaso que
Bernie Sanders, pré-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, tenha
afirmado, ontem, que seu país precisa parar de "derrubar" governos na
América Latina. "Sim, este interesse (de que o governo Dilma chegue ao fim)
existe. Abriu-se espaço para que a oposição, que estava extremamente
fragilizada, conseguisse rapidamente um espaço de atuação. Se considerarmos o
momento em que todas essas coisas acontecem, mais claramente a partir de 2013,
em três anos a oposição virou o jogo no Brasil", diz Analúcia.
A
oposição sente-se tão à vontade que, segundo o site Brasil 247, hoje (20),
liderada pelo Solidariedade, chegou a pedir à Justiça Federal para impedir
Dilma de viajar aos Estados Unidos para participar de um evento na Organização
das Nações Unidas (ONU), na sexta-feira (22), onde, espera-se, ela fará um
discurso denunciando o golpe no país.
Nesse
contexto, para Analúcia, também não é coincidência que o senador Aloysio Nunes
Ferreira tenha ido aos Estados Unidos um dia após a votação da Câmara dos
Deputados que aprovou no domingo (17) a admissibilidade do impeachment.
"Não tem nenhuma coincidência. Eu não acredito em coincidências. Tudo é um
grande jogo político. O próprio juiz Sérgio Moro tem instrução norte-americana.
Moro estudou e teve contato muito próximo com o Departamento de Estado
norte-americano", diz. "O problema é que as coisas acabam acontecendo
muito nos bastidores e a mídia divulga aquilo que interessa."
Na
mesma linha, Armando Boito avalia: "Muitos dizem que não é possível que
Sérgio Moro tenha se apropriado de tanta informação sobre a Petrobras em tão
pouco tempo, a não ser que algum espião tenha entregado alguma coisa para
ele". "Os Estados Unidos espionavam Dilma e a Petrobras, isso o
Wikileaks mostrou. E sabemos que a Chevron quer mudar o regime de partilha, e
que o José Serra, do PSDB, se comprometeu a mudar o regime de partilha, caso
vencesse as eleições em 2010. O Wikileaks revelou isso."
Finalmente,
há os indicadores históricos irrefutáveis. Se, hoje, como diz Analúcia, não
temos "evidências mais concretas" da interferência de Washington,
apesar de essas evidências serem quase cristalinas a partir das próprias
revelações do Wikileaks, é muito provável que no futuro os dados hoje "supostos"
sejam reconhecidos como fatos.
"Existe
um fato histórico, que consiste no seguinte: o imperialismo conspira,
sim", diz Armando Boito. "Não conspirou no golpe no Chile, em 1973?
Não conspirou no golpe no Brasil, em 1964? Basta ver o filme O Dia que Durou 21
anos. O imperialismo e a classe dominante conspiram e existe conspiração na
história", afirma Boito.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/04/o-governo-invisivel-dos-eua-e-o-golpe.html?spref=tw
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