A carta de delação de
Joaquim Silvério dos Reis ao governador de Minas Gerais, Visconde de Barbacena,
datada de 11 de abril de 1789, alertando as autoridades coloniais para a
existência de um movimento clandestino em Vila Rica, que pretendia proclamar a
república libertar o Brasil de Portugal, detonou uma brutal repressão contra a
Inconfidência Mineira. Quarenta dias depois, a conjuração estava controlada e
seus principais líderes, presos. Seriam condenados por traição em 1792. Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado o líder do movimento, foi
enforcado e esquartejado. Outros acusados foram também condenados à morte, mas
a pena, mais tarde, foi transformada em degredo perpétuo.
Leia também os Autos da
Devassa, documento oficial com o resultado das investigações e as sentenças
atribuídas aos réus.
Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde
de Barbacena
Meu Senhor:
Pela forçosa obrigação que
tenho de ser leal vassalo a nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se me tirar
a vida, como logo se me protestou, na ocasião em que fui convidado para a
sublevação que se intenta e prontamente passei a pôr na presença de V. Ex.ª o
seguinte: Em o mês de fevereiro deste presente ano, vindo da revista do meu
Regimento, encontrei no arraial da Laje o sargento-mor Luís Vaz de Toledo e falando-me
em que se botavam abaixo os novos Regimentos, porque V. Ex.ª assim o havia
dito, é verdade que eu me mostrei sentido e queixei-me de Sua Majestade que me
tinha enganado, porque em nome da dita Senhora, se me havia dado uma patente de
coronel chefe do meu Regimento, e com o qual me tinha desvelado, em o regular e
fardar, e grande parte à minha custa, e que não podia levar a paciência ver
reduzido a uma inação, todo o fruto do meu desvelo, sem que eu tivesse faltas
do real serviço e juntando mais algumas palavras em desafogo de minha paixão.
Foi Deus servido que isto
acontecesse, para se conhecer a falsidade que se fulmina. No mesmo dia viemos a
dormir à casa do capitão José Resende e, chamando-me a um quarto particular, de
noite, o dito sargento-mor Luís Vaz, pensando que o meu ânimo estava disposto
para seguir a nova conjuração, pelo sentimento das queixas que me tinha ouvido,
passou o dito sargento-mor a participar-me, debaixo de todo o segredo, o
seguinte: "Que o desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da
conjuração, havia acabado o lugar de Ouvidor dessa Comarca, e que nesse posto
se achava há muitos meses nessa Vila, sem se recolher a seu lugar na Bahia, com
o frívolo pretexto de um casamento, que tudo é idéia, porque já se achava fabricando
leis para o novo regime da sublevação e que se tinha disposto da forma
seguinte: procurou o dito Gonzaga o partido e união do coronel Inácio José de
Alvarenga, e o padre José da Silva de Oliveira e outros mais, todos filhos da
América, valendo-se, para reduzir outros, do alferes pago José da Silva Xavier,
e que o dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: e que o dito coronel
Alvarenga havia de mandar 200 homens, pés-rapados, da Campanha, paragem onde
mora o dito coronel, e outros 200 o padre José da Silva, e que haviam de
acompanhar a estes vários sujeitos que já passam de 60, dos principais destas
Minas, e que estes pés-rapados haviam de vir armados de espingardas e foices, e
que não haviam de vir juntos por não causar desconfiança, e que estivessem
dispersas, porém perto da Vila Rica e prontos à primeira voz, e que a senha
para o assalto que haviam ter cartas, dizendo - tal dia é o batizado, e que
podiam ir seguros, porque o comandante da tropa paga, o tenente-coronel
Francisco de Paula, estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda
que o mesmo sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam
desgostosos pela frouxidão que encontravam no dito comandante que por essa
causa se não tinha concluído o dito levante e que a primeira cabeça que se
havia de cortar era a de V. Ex.ª e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se havia
de fazer uma fala ao povo cuja já estava escrita pelo dito Gonzaga e para
sossegar o dito povo, se haviam levantar os tributos e que logo se passaria a cortar
a cabeça ao Ouvidor dessa Vila, Pedro José de Araújo e ao escrivão da Junta,
Carlos José da Silva e ao adjudante-de-ordens Antônio Xavier, porque estes
haviam seguir o partido de V. Ex.ª e como o Intendente era amigo dele Gonzaga,
haviam ver se o reduziam a segui-los, quando duvidasse também se lhe cortaria a
cabeça. Para este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns
barris de pólvora, e que outros já tinham mandado vir e que procuravam o meu
partido por saberem que eu devia a Sua Majestade quantia avultada, e que esta
logo me seria perdoada, e como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos
escravos, me seguravam fazer um dos grandes; e dito sargento-mor me declarou
várias entradas neste levante, e que se eu descobrisse, me haviam de tirar a
vida como já tinham feito a certos sujeitos da Comarca de Sabará.
Passados poucos dias, fui a
Vila de São José, donde o vigário da mesma, Carlos Correa me fez certo quanto o
dito sargento-mor me havia contado e, disse-me mais, que era tão certo que, estando
ele dito, pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito demissão
de sua igreja, e seu irmão, e que o dito Gonzaga embaraçara na jornada,
fazendo-lhe certo que, com brevidade, cá o poderiam fazer feliz, e que por este
motivo suspendera a viagem. Disse-me o dito vigário, que vira parte das novas
leis, fabricadas pelo dito Gonzaga, e que tudo lhe agradava, menos a
determinação de matarem V. Ex.ª e que ele dito vigário, dera o parecer ao dito
Gonzaga que mandasse antes botá-lo do Paraibuna abaixo, e mais a senhora
viscondessa e seus meninos, porque V. Ex.ª em nada era culpado e que se
compadecia do desamparo em que ficava a dita senhora e seus filhos, com a falta
de seu pai, ao que lhe respondeu o dito Gonzaga que era a primeira cabeça que se
havia de cortar, porque o bem comum prevalece ao particular, e que os povos que
estivessem neutrais, logo que vissem o seu general morto, se uniram ao seu
partido. Fez-me certo este vigário que para esta conjuração trabalhava
fortemente o dito alferes pago, Joaquim José Xavier, e que já naquela Comarca
tinham unido ao seu partido um grande séquito, e que havia de partir para a
capital do Rio de Janeiro, a dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era
também cortar a cabeça do senhor vice-rei e que já na dita cidade, tinham
bastante parciais. Meu senhor, eu encontrei o dito alferes, em dias de março,
em marcha para aquela cidade, e pelas palavras que me disse, me fez certo o seu
intento que levava e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito alferes
se acha trabalhando isto particularmente, e que a demora desta conspiração era
enquanto não se publicava a Derrama; porém que, quando tardasse, sempre se
faria. Ponho todos estes importantes particulares na presença de V. Ex.ª pela
obrigação que tenho da fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam
de ver a ruína de pessoa alguma, o que espero em Deus que com o bom discurso de
V. Ex.ª há de acautelar tudo e dar as providências, sem perdição dos vassalos.
O prêmio que peço tão-somente a V. Ex.ª é o rogar-lhe que, pelo amor de Deus,
se não perca a ninguém. Meu senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou
continuando na mesma diligência, o que tudo farei ver a V. Ex.ª, quando me
determinar. O céu ajude e ampare a V. Ex.ª para o bom êxito de tudo: beija os
pés de V. Ex.ª o mais humilde súdito.
Joaquim Silvério dos Reis,
Coronel da Cavalaria das Gerais, Borda do Campo, 11 de abril de 1789.
Fonte. http://www.franklinmartins.com.br
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