segunda-feira, 11 de abril de 2016

DELATOR AVISA AUTORIDADES. COMEÇA A REPRESSÃO EM VILA RICA (1789)


A carta de delação de Joaquim Silvério dos Reis ao governador de Minas Gerais, Visconde de Barbacena, datada de 11 de abril de 1789, alertando as autoridades coloniais para a existência de um movimento clandestino em Vila Rica, que pretendia proclamar a república libertar o Brasil de Portugal, detonou uma brutal repressão contra a Inconfidência Mineira. Quarenta dias depois, a conjuração estava controlada e seus principais líderes, presos. Seriam condenados por traição em 1792. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado o líder do movimento, foi enforcado e esquartejado. Outros acusados foram também condenados à morte, mas a pena, mais tarde, foi transformada em degredo perpétuo.

Leia também os Autos da Devassa, documento oficial com o resultado das investigações e as sentenças atribuídas aos réus.

Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Barbacena

Meu Senhor:

Pela forçosa obrigação que tenho de ser leal vassalo a nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se me tirar a vida, como logo se me protestou, na ocasião em que fui convidado para a sublevação que se intenta e prontamente passei a pôr na presença de V. Ex.ª o seguinte: Em o mês de fevereiro deste presente ano, vindo da revista do meu Regimento, encontrei no arraial da Laje o sargento-mor Luís Vaz de Toledo e falando-me em que se botavam abaixo os novos Regimentos, porque V. Ex.ª assim o havia dito, é verdade que eu me mostrei sentido e queixei-me de Sua Majestade que me tinha enganado, porque em nome da dita Senhora, se me havia dado uma patente de coronel chefe do meu Regimento, e com o qual me tinha desvelado, em o regular e fardar, e grande parte à minha custa, e que não podia levar a paciência ver reduzido a uma inação, todo o fruto do meu desvelo, sem que eu tivesse faltas do real serviço e juntando mais algumas palavras em desafogo de minha paixão.

Foi Deus servido que isto acontecesse, para se conhecer a falsidade que se fulmina. No mesmo dia viemos a dormir à casa do capitão José Resende e, chamando-me a um quarto particular, de noite, o dito sargento-mor Luís Vaz, pensando que o meu ânimo estava disposto para seguir a nova conjuração, pelo sentimento das queixas que me tinha ouvido, passou o dito sargento-mor a participar-me, debaixo de todo o segredo, o seguinte: "Que o desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da conjuração, havia acabado o lugar de Ouvidor dessa Comarca, e que nesse posto se achava há muitos meses nessa Vila, sem se recolher a seu lugar na Bahia, com o frívolo pretexto de um casamento, que tudo é idéia, porque já se achava fabricando leis para o novo regime da sublevação e que se tinha disposto da forma seguinte: procurou o dito Gonzaga o partido e união do coronel Inácio José de Alvarenga, e o padre José da Silva de Oliveira e outros mais, todos filhos da América, valendo-se, para reduzir outros, do alferes pago José da Silva Xavier, e que o dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: e que o dito coronel Alvarenga havia de mandar 200 homens, pés-rapados, da Campanha, paragem onde mora o dito coronel, e outros 200 o padre José da Silva, e que haviam de acompanhar a estes vários sujeitos que já passam de 60, dos principais destas Minas, e que estes pés-rapados haviam de vir armados de espingardas e foices, e que não haviam de vir juntos por não causar desconfiança, e que estivessem dispersas, porém perto da Vila Rica e prontos à primeira voz, e que a senha para o assalto que haviam ter cartas, dizendo - tal dia é o batizado, e que podiam ir seguros, porque o comandante da tropa paga, o tenente-coronel Francisco de Paula, estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda que o mesmo sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam desgostosos pela frouxidão que encontravam no dito comandante que por essa causa se não tinha concluído o dito levante e que a primeira cabeça que se havia de cortar era a de V. Ex.ª e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se havia de fazer uma fala ao povo cuja já estava escrita pelo dito Gonzaga e para sossegar o dito povo, se haviam levantar os tributos e que logo se passaria a cortar a cabeça ao Ouvidor dessa Vila, Pedro José de Araújo e ao escrivão da Junta, Carlos José da Silva e ao adjudante-de-ordens Antônio Xavier, porque estes haviam seguir o partido de V. Ex.ª e como o Intendente era amigo dele Gonzaga, haviam ver se o reduziam a segui-los, quando duvidasse também se lhe cortaria a cabeça. Para este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns barris de pólvora, e que outros já tinham mandado vir e que procuravam o meu partido por saberem que eu devia a Sua Majestade quantia avultada, e que esta logo me seria perdoada, e como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos escravos, me seguravam fazer um dos grandes; e dito sargento-mor me declarou várias entradas neste levante, e que se eu descobrisse, me haviam de tirar a vida como já tinham feito a certos sujeitos da Comarca de Sabará.

Passados poucos dias, fui a Vila de São José, donde o vigário da mesma, Carlos Correa me fez certo quanto o dito sargento-mor me havia contado e, disse-me mais, que era tão certo que, estando ele dito, pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito demissão de sua igreja, e seu irmão, e que o dito Gonzaga embaraçara na jornada, fazendo-lhe certo que, com brevidade, cá o poderiam fazer feliz, e que por este motivo suspendera a viagem. Disse-me o dito vigário, que vira parte das novas leis, fabricadas pelo dito Gonzaga, e que tudo lhe agradava, menos a determinação de matarem V. Ex.ª e que ele dito vigário, dera o parecer ao dito Gonzaga que mandasse antes botá-lo do Paraibuna abaixo, e mais a senhora viscondessa e seus meninos, porque V. Ex.ª em nada era culpado e que se compadecia do desamparo em que ficava a dita senhora e seus filhos, com a falta de seu pai, ao que lhe respondeu o dito Gonzaga que era a primeira cabeça que se havia de cortar, porque o bem comum prevalece ao particular, e que os povos que estivessem neutrais, logo que vissem o seu general morto, se uniram ao seu partido. Fez-me certo este vigário que para esta conjuração trabalhava fortemente o dito alferes pago, Joaquim José Xavier, e que já naquela Comarca tinham unido ao seu partido um grande séquito, e que havia de partir para a capital do Rio de Janeiro, a dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era também cortar a cabeça do senhor vice-rei e que já na dita cidade, tinham bastante parciais. Meu senhor, eu encontrei o dito alferes, em dias de março, em marcha para aquela cidade, e pelas palavras que me disse, me fez certo o seu intento que levava e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito alferes se acha trabalhando isto particularmente, e que a demora desta conspiração era enquanto não se publicava a Derrama; porém que, quando tardasse, sempre se faria. Ponho todos estes importantes particulares na presença de V. Ex.ª pela obrigação que tenho da fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam de ver a ruína de pessoa alguma, o que espero em Deus que com o bom discurso de V. Ex.ª há de acautelar tudo e dar as providências, sem perdição dos vassalos. O prêmio que peço tão-somente a V. Ex.ª é o rogar-lhe que, pelo amor de Deus, se não perca a ninguém. Meu senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou continuando na mesma diligência, o que tudo farei ver a V. Ex.ª, quando me determinar. O céu ajude e ampare a V. Ex.ª para o bom êxito de tudo: beija os pés de V. Ex.ª o mais humilde súdito.

Joaquim Silvério dos Reis, Coronel da Cavalaria das Gerais, Borda do Campo, 11 de abril de 1789.

Fonte. http://www.franklinmartins.com.br

http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=delator-avisa-autoridades-comeca-a-repressao-em-vila-rica-1789

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