Márlon
Reis e Luiz Flávio Gomes escrevem artigo sustentando tese jurídica
Quem está na linha de
sucessão do Planalto não pode ser réu em processo criminal
O presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve ser afastado do cargo se o Supremo
Tribunal Federal aceitar a denúncia que será formulada contra ele por causa da
Lava Jato.
Essa é a avaliação do juiz
Márlon Reis, um dos idealizadores do Movimento da Ficha Limpa, e do jurista
Luiz Flávio Gomes, magistrado aposentado e presidente do Instituto Avante
Brasil.
O raciocínio de Reis e de
Gomes é que alguém que esteja na linha de sucessão da Presidência da República
não pode ser um réu num processo criminal.
Eduardo Cunha é o terceiro
na hierarquia da República: assume o Planalto se Dilma Rousseff e Michel Temer
(presidente e vice-presidente) saírem de suas funções.
Eis, a seguir, a íntegra do
artigo preparado por Márlon Reis e Luiz
Flávio Gomes com exclusividade para o Blog e para o UOL:
Afastamento cautelar dos presidentes dos Poderes em caso de
recebimento de denúncia
por Márlon Reis (juiz de
direito, membro do MCCE e autor do livro O Nobre Deputado) e Luiz Flávio Gomes
(jurista e presidente do IAB).
A Constituição Federal de
1988 conferiu relevância ímpar para o exercício do cargo de presidente da
República. Tratando-se de posição institucional da mais alta envergadura, a
Presidência do Brasil está protegida por um amplo leque de garantias
institucionais. Dentre essas garantias institucionais que dizem respeito à
Presidência, não daqueles que temporariamente a ocupe, está o primado do não
exercício do cargo por quem é réu em processo criminal. Embora presumido inocente,
chefe de Poder que se transforma em réu não pode continuar no exercício da
função. Trata-se de uma exceção constitucional para a preservação do exercício
das altas funções de chefia. O nacional investido no papel de presidente da
República deve ser compulsória e imediatamente afastado do posto no momento e
sempre que o Supremo Tribunal Federal vier a decidir pelo recebimento de
denúncia, autorizando a instauração da ação penal.
Trata-se de instituto que
visa a assegurar proteção e higidez máxima ao mais elevado cargo eletivo da
União. O dispositivo citado quer, com toda clareza, impedir que a Presidência
seja, mesmo que de forma transitória, exercida por pessoa contra quem paira ação
penal com tramitação admitida pela Suprema Corte. Essa medida é justificada
pelas elevadas atribuições da pasta, não sendo razoável – segundo patenteado
pela visão do Constituinte – que mácula dessa grandeza venha a conspurcar a
reputação e a imagem esperadas do mais alto mandatário do País (aliás, dos mais
altos mandatários do País).
A providência é reclamada
pelo § 1º, inciso I, do art. 86 da Constituição Federal. Segundo o dispositivo,
“O presidente ficará suspenso de suas funções, nas infrações penais comuns, se
recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal''. O § 2º
deste mesmo dispositivo estipula um prazo de 180 dias para a conclusão do
julgamento, cuja superação implica em retorno do réu ao respectivo cargo.
A norma é cogente. Recebida
a denúncia, o afastamento é medida que se impõe por força da literalidade da
norma constitucional, descabendo ao Supremo Tribunal Federal ventilar discussão
quanto à oportunidade ou utilidade do ato. Não se afasta por conveniência da
instrução penal ou como reação a eventual desvio de conduta do réu, mas como
mecanismo de proteção da própria institucionalidade democrática. Não há que se
cogitar, pois, se o acusado buscou intimidar testemunhas, ocultou documentos ou
se valeu do cargo para intimidar integrantes dos demais Poderes. Basta o
recebimento da denúncia. Se presentes os motivos extraordinários que acabam de
ser alinhados, o afastamento cautelar terá outro fundamento, que é o art. 319,
VI, do CPP.
Registre-se, por outro lado,
que tanto o presidente quanto os que estão em posição de assumir a presidência
estão todos sujeitos à incidência do dispositivo mencionado. Se o
vice-presidente da República, o presidente da Câmara ou do Senado ou o
presidente do Supremo Tribunal Federal tiverem denúncia recebida contra suas
pessoas, devem igualmente ser afastados, por força do mesmo mandamento
constitucional, a fim de se preservar a integridade do cargo de presidente da
República já que podem, a qualquer momento, ascender transitória ou
efetivamente àquela posição. Ou seja: a regra vale tanto para quem está quanto
para quem possa estar eventualmente na presidência da República.
Não fosse assim, em caso de
afastamento ocasional (por motivo de viagem, enfermidade, férias, afastamento
judicial ou determinado pela Câmara) ou definitivo do titular (por perda ou
suspensão dos direitos políticos, cassação ou renúncia), a presidência poderia
ser exercida por alguém contra quem paira a circunstância impeditiva prevista
no citado art. 86, § 1°, I, da Constituição. Quem tem a possibilidade de
assumir a Presidência da República (em qualquer momento) deve ter sempre
condições constitucionais de assumi-la (sob pena de instabilidade
institucional). O recebimento da denúncia acarreta, pois, o afastamento de
qualquer um que integre a ordem sucessória da Presidência. Isso evita que se
agregue mais uma crise a tantas outras que já se encontram em andamento.
Constitui ônus mínimo de quem ocupa os mais altos cargos do País e que estão na
linha sucessória presidencial não ter processo criminal em andamento. Nunca se
sabe com precisão matemática o momento em que um deles é chamado para o
exercício da Presidência da República. Daí a imperiosa necessidade de não serem
réus em processos criminais.
Presente essa circunstância
indesejada pela Constituição, o afastamento do cargo é medida a ser imposta
seja ao titular seja a qualquer dos seus possíveis sucessores. Tratando-se do
presidente ou do vice-presidente, deve-se operar o afastamento do próprio
mandato eletivo. Em sendo o recebimento da denúncia operado contra o presidente
da Câmara ou do Senado ou do Supremo Tribunal Federal, exige-se apenas o
afastamento da função transitória (a presidência da instituição), de modo a se
suprimir o risco de exercício indevido da Presidência da República pelo réu,
remanescendo o direito ao exercício do cargo de deputado federal ou senador ou
de ministro da Corte Suprema.
“O afastamento automático
decorre do sério risco de o ocupante da posição de chefia, vendo-se ameaçado de
uma condenação criminal, por instinto humano, passar a exercer as prerrogativas
do cargo com abuso de poder, de sorte a não só interferir na instrução
criminal, que se inicia com o recebimento da denúncia, mas também a prejudicar
o adequado funcionamento da instituição que administra. É, enfim, a perigosa
confusão entre o público e o privado, vedada pela Constituição, no art. 37
(princípios da impessoalidade e da moralidade)'' (César Augusto Carvalho de
Figueiredo, Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, em O efeito jurídico de
afastamento do cargo decorrente da decisão do STF que aceita denúncia contra
chefe de Poder da República).
Em suma, se o Supremo
Tribunal Federal, pelo plenário, vem a receber denúncia contra qualquer um dos
chefes de Poder, é mais do que recomendável (e natural) o seu afastamento do
exercício da presidência da instituição que dirige. As razões inspiradoras do
dispositivo constitucional acima mencionado (CF, art. 86, § 1º, I) valem, ipso
facto, não apenas para o ocupante do cargo de presidente da República, sim,
para todos os que estão em posição de assumir (em qualquer momento) interina ou
definitivamente tal função. Se o vice-presidente da República, o presidente da
Câmara ou do Senado e o presidente do STF tiverem contra si denúncia recebida,
naturalmente devem ser afastados das funções respectivas, seja porque estão na
linha sucessória da Presidência da República, seja para preservar a integridade
e honorabilidade exigidas de forma diferenciada dos chefes máximos de cada
Poder. Em termos institucionais é muito sério o recebimento de um processo
criminal contra eles. Daí o mandamento constitucional de afastamento
peremptório previsto no art. 86, § 1º, I, da CF.
http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/08/20/cunha-deve-sair-se-denuncia-for-aceita-dizem-juristas/
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