O
absoluto maucaratismo, a covardia, a falta de apreço aos fatos e o profundo
desamor pelo Brasil da velha mídia ficam mais do que evidentes neste novo golpe
que perpetram contra a democracia. Nada mais importa a não ser arrancar o PT do
poder. Dane-se que Dilma Rousseff não tenha cometido ilícito; dane-se o
dantesco julgamento de domingo, quando o mundo inteiro pôde ver a classe de
políticos que votou contra ela; dane-se que se está cometendo uma injustiça.
Os
jornais brasileiros ocultam todo o tempo de seus leitores que Dilma é honesta e
que está sendo derrubada do poder por um bando de políticos às voltas com a
Justiça. Em nenhum momento os editoriais dos três maiores jornais, que
expressam a opinião de seus donos, foram capazes de ao menos se indignar com a
realidade de que Dilma não é corrupta e que está sendo deposta por gente
acusada de corrupção. Pelo contrário. A questão agora é fazer o impeachment o
mais rápido possível, defendem a Folha de S.Paulo e o Estadão, em uníssono.
Hoje, o jornal dos Mesquita inclusive zomba da dor da presidenta da República
por se sentir injustiçada.
É
risível, mas a Folha chega a cobrar do
presidente do Senado, Renan Calheiros, “apreço pela verdade”, ao mesmo tempo em
que, cinicamente, adere ao “novo” presidente Michel Temer e lhe apresenta
sugestões de medidas “urgentes” para quando começar a governar –sendo que,
apenas duas semanas atrás, pedia a renúncia dupla do mesmo Temer junto com
Dilma, no mais covarde editorial da história da imprensa brasileira.
Principal
artífice midiático do golpe, O Globo
celebra sem pudor a iminente queda de Dilma e ataca os cidadãos pagadores de
impostos que defendem a presidenta, alcunhando-os “bolivarianos”, como se não
fossem tão brasileiros quanto os que protestam contra ela (e é o PT quem é
acusado de “dividir o país”…). Os jornais anseiam loucamente por escapar da
ideia, já disseminada na opinião pública, de que há um golpe em curso e por
isso utilizam sofismas, exatamente como fizeram em 1964, quando chamava o
movimento militar que destituiu João Goulart de “revolução”. Naquela época, era
a “revolução” sem povo. Hoje é o “impeachment” sem crime.
O
jornal carioca diz que um golpe com apoio do Supremo Tribunal Federal “seria
candidato a entrar no Guinness”, mentindo para seus leitores, já que o golpe de
1964 contou com o beneplácito do STF: no dia 2 de abril de 1964, o presidente
do Supremo, Ribeiro da Costa, participou da posse de Ranieri Mazzilli, então
presidente da Câmara dos Deputados e interino no comando do país; e, em 15 de
abril, saudou o general Castelo Branco, o primeiro de nossos ditadores. Daqui a
50 anos, provavelmente o panfleto dos Marinho pedirá perdão por ter apoiado a
destituição de uma pessoa inocente, como fez dois anos atrás em relação a 1964.
“Foi mal, galera.”
Apegar-se
à desculpa de que Dilma está sendo escorraçada do poder porque não possui
popularidade é uma tentativa de justificar o injustificável. Não está prevista
na Constituição a hipótese de derrubada de uma presidente eleita porque se
considera o governo dela ruim ou péssimo. Se assim fosse, a mídia hegemônica
teria, como fez com Dilma, exigido a renúncia do tucano Fernando Henrique
Cardoso em 1999, quando sua popularidade decaiu para 8% e também havia
multidões nas ruas bradando “fora FHC”. A crise econômica ou o desemprego de
38% no governo de Fernando Henrique (é de 10,3% com Dilma) tampouco levou os
jornais a uma campanha pela destituição do “príncipe da Sociologia”.
Enquanto
a imprensa brasileira age como comandante do golpe, a estrangeira denuncia a
farsa do impeachment de uma presidente que não cometeu crime de
responsabilidade, condição sine qua non para tirá-la do cargo, de acordo com a
Carta Magna do país. O primeiro a sair em defesa de Dilma foi o prestigiado
jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que em 2013 denunciou as escutas do
governo dos EUA ao mundo. Em março, Greenwald apontou, no seu site The Intercept
, que “o Brasil vive uma perigosa subversão da democracia” e criticou o papel
manipulador da mídia. “Acreditar que as figuras políticas agindo para o
impeachment de Dilma estão sendo motivadas por uma autêntica cruzada
anti-corrupção requer extrema ingenuidade ou ignorância”, escreveu, em artigo
assinado com outros dois jornalistas.
Em
seguida, o publicou uma reportagem em que dizia, com todas as letras, que Dilma
é uma presidente honesta que está sendo derrubada por uma gangue. Reforçou a
percepção na terça 19, com um editorial em que critica o processo de
impeachment, dizendo que o argumento das pedaladas é na verdade o pretexto para
“um referendo” sobre a permanência do PT no poder –referendo sem povo, diga-se
de passagem. Rasgando seus manuais de redação, os jornais noticiam estes
reparos ao processo feitos por alguns dos mais importantes veículos de
comunicação do mundo novamente subtraindo aos leitores o ponto principal da
crítica: o fato de Dilma ser inocente e estar sendo condenada por abutres. O
Estadão, por exemplo, preferiu destacar, sob o editorial do New York Times, que
Dilma “terá que mostrar liderança para sobreviver”.
Na
Inglaterra, o The Independent saiu com uma matéria dura contra a imprensa
daqui: “Processo político brasileiro é ‘prejudicado por imprensa partidária'”.
E o The Guardian , também em editorial, apontou a falta de provas contra Dilma,
a sobra de evidências contra a Câmara que votou por seu impeachment e declarou
“temor” pelo futuro do país: “Um escândalo e uma tragédia”. O editorial do
diário espanhol El Pais, “O Brasil diante do abismo”, é um tapa na cara no
jornalismo pseudoimparcial de nossa imprensa: “O processo de destituição de
Dilma Rousseff não resolve nenhuma das crises do país”. Não é à toa a pressa
dos jornais brasileiros pelo impeachment: quanto menos o mundo souber da
injustiça histórica que estão patrocinando, melhor.
O
pior de tudo, para mim, é assistir a mídia se utilizando de um político
fundamentalista, perigoso para os destinos da Nação, sobre quem pesam graves
denúncias de corrupção, réu no STF, para ser o carrasco de Dilma, ao mesmo
tempo que finge indignação contra ele. Para usar uma metáfora bíblica, tão em
voga nos dias atuais, é como se Eduardo Cunha fosse Salomé, com a cabeça de
João Batista/Dilma numa bandeja, enquanto a velha mídia/Herodes Antipas
demonstra “constrangimento” diante da imolação de uma pessoa digna. Mas não
move um dedo para defendê-la. A diferença é que, no Novo Testamento, é Salomé
quem pede e Herodes Antipas quem ordena a decapitação; a situação atual é o
exato oposto: a mídia quis e Cunha executou o serviço sujo.
Não
que Antipas, ops, a imprensa dê a mínima, mas o papel indigno que desempenha
neste momento lamentável e sua responsabilidade direta nas consequências
nefastas para o país serão cobrados pela História. A participação em dois
golpes deixará uma marca indelével na reputação dos jornais brasileiros –isto
é, se eles não falirem antes.
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