O
dia 17 de abril de 2016 ficará registrado como um dos mais tristes da nossa História.
Ante
a incredulidade do mundo, conduzida por um personagem que é a epítome do que há
de pior na política nacional, a Câmara dos Deputados decidiu autorizar o
processo de afastamento da presidenta honesta, contra a qual não há acusação
jurídica que se sustente.
Deu-se
o que o Secretário-Geral da OEA e a comunidade internacional estão chamando
muito apropriadamente de “o mundo ao contrário”. Políticos ficha-suja, movidos
por vingança política, deram o pontapé inicial no processo do golpe contra a
presidenta ficha-limpa.
Na
realidade, deram um pontapé na democracia brasileira e transformaram o Brasil
numa vergonhosa republiqueta de bananas. Uma república de “fichas-sujas”.
Nessa
ópera-bufa do golpe, os personagens são patéticos. As justificativas para o
injustificável beiram o grotesco. Na votação, muitos dos golpistas falaram em
Deus, família, etc., mas foram incapazes de apresentar um único argumento
sólido para justificar seu crime contra a democracia. Durante muito tempo, as
imagens do espetáculo ridículo percorrerão o mundo provocando risos de escárnio
e de incredulidade.
Nessa
ópera-bufa, o enredo parece puro nonsense. Parece. Porém, por trás desse
espetáculo que aparenta ter saído da imaginação surrealista de um Ionesco
bêbado, há maquiavélica racionalidade.
O
golpe tem intenção, tem propósito. Obviamente, tal propósito não tem nada a ver
com combate à corrupção. Ou melhor: tem relação, sim, com o combate à
corrupção, mas no sentido negativo. O golpe está se dando, entre outras razões,
para tentar assegurar impunidade a seus artífices. Segundo a imprensa, houve
negociações em torno dessa promessa desavergonhada. Uma promessa que incluiria
a transformação da Lava Jato numa operação Banho Maria.
Mas,
para os golpistas, isso é apenas um providencial bônus. O essencial é outra
coisa. É preciso levar em consideração que o golpe está sendo promovido
freneticamente e monetariamente por uma parte considerável das grandes
empresas, inclusive internacionais. Esse pessoal, a chamada “turma da bufunfa”,
não tem interesse real nenhum em combate à corrupção, até mesmo porque eles são
os corruptores históricos do nosso sistema político.
Seu
interesse é outro.
Seu
interesse no golpe tange à revisão ou extinção dos legados sociais de Lula,
Ulysses Guimarães e Getúlio Vargas. Na visão deles, esses legados precisam ser
revistos para que o Brasil consiga “retomar o crescimento”. Na visão deles, a
“cidadania social” criada pela Constituição de 88 não cabe mais no orçamento.
Daí a necessidade de rever os “gastos obrigatórios com saúde e educação”. Daí a
necessidade de “desvincular as receitas”.
Na
visão distorcida deles, o governo estaria promovendo uma “gastança social” e
programas como Minha Casa Minha Visa, Prouni, Fies, Bolsa Família etc.
precisariam ser revistos. Por isso, o nosso grande estadista do 1% dos votos,
nosso candidato a presidente biônico, já fala em “sacrifícios” que teremos de
fazer. O nosso grande estadista, muito leal, muito leal à visão neoliberal do
mundo, acredita que a volta das políticas do Estado mínimo, das privatizações,
da abertura incondicional da economia, do arrocho contra os trabalhadores, que
fracassaram miseravelmente no passado, agora vão nos fazer “superar a crise”.
É
uma ideia totalmente descabida, é claro. Agora, mais descabido ainda é achar
que a dupla Cunha/Temer tem condições de dar legitimidade a essa grande farsa
política e jurídica. Mais descabido ainda é achar que tal dupla tem condições
de assegurar a difícil governabilidade do Brasil em tempos de crise.
Não
há a menor condição disso acontecer. Além da dupla biônica Cunha/Temer não ter
nenhuma credibilidade e legitimidade, o programa socialmente regressivo
apregoado pelo estadista do 1% levará, se implantado, a uma insurgência popular
de proporções épicas.
Todo
esse processo do golpe está ocasionando um fenômeno bastante auspicioso: a
rearticulação das forças democráticas e progressistas, que antes estavam
desarticuladas e desmotivadas. Enquanto as manifestações pelo golpe diminuem
sensivelmente, dado o óbvio e desavergonhado resultado da república dos
“fichas-sujas”, as manifestações contra o golpe e pela manutenção dos direitos
sociais trabalhistas aumentam em número. Enquanto os políticos da oposição
golpista vêm seus índices de popularidade despencarem, Lula aumenta os seus, apesar
de toda a campanha diuturna da mídia golpista contra ele.
Assim,
a triste noite do dia 17 de abril foi apenas uma batalha das muitas que estão
por vir.
Afinal,
o que está em jogo aqui é mais do que o destino de uma presidenta, de um
governo, ou mesmo de um projeto social e político.
O
que está em jogo aqui é o próprio processo civilizatório. Os governos do PT,
seguindo a trilha deixada pela Constituição de 1988, implantaram um processo
econômico, social e político tipicamente socialdemocrata. Lula foi, na
realidade, o grande líder socialdemocrata do início deste século.
Lula,
Dilma, o PT e os seus aliados históricos iniciaram um processo para transformar
nosso vergonhoso capitalismo selvagem num capitalismo minimamente civilizado e
inclusivo. Um processo exitoso que nos deu muito prestígio internacional. Com
ele, começamos a nos livrar de nossa fundamental corrupção: a miséria e a
desigualdade.
Bastou,
no entanto, a crise mundial nos atingir para que nossa elite econômica e
política passasse a apostar de novo num processo de desenvolvimento
concentrador e excludente. Querem a volta, em essência, do “milagre econômico”
da ditadura, muito apropriado ao plano do golpe contra a democracia. Querem de
volta seu capitalismo selvagem. Querem de volta seus privilégios. Querem de
volta a desigualdade. Querem de volta a exclusão. Querem de volta até a mesmo a
impunidade. Até mesmo a impunidade para reprimir o povo e arrochar o
trabalhador.
Em
nome de “Deus e da família” golpeiam democracia, o processo civilizatório e nos
enchem de vergonha aos olhos do mundo.
Em
nome de “Deus e da família”, querem de volta, em suma, a nossa barbárie
histórica. Nossa diabólica desigualdade.
Mas
esse retrocesso à barbárie não tem nenhum futuro. Mais cedo ou mais tarde, será
derrotado. O Brasil só sairá da crise com um grande pacto que contemple os
interesses de todos, inclusive os dos trabalhadores e os dos que são
beneficiados pelas corretas políticas de inclusão. Fora disso, não há salvação;
há barbárie.
O
cínico, baixo e machista “tchau querida”, será logo substituído pelo “fora
fichas-sujas”. Pelo fora Cunha e pelo fora Temer. Não demorará muito para que a
palavra de ordem seja “fora golpistas”.
Assim,
os golpistas não têm nada a comemorar. A triste noite do “tchau querida” dará a
lugar a um dia luminoso, no qual não haverá mais lugar para corruptos,
hipócritas, cínicos e, sobretudo, para golpistas. O cínico “olá golpistas” do
dia 17 terá vida curta.
Irá,
merecidamente, para a lata de lixo da História.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/04/a-luta-de-lixo-da-historia.html?spref=tw
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