domingo, 10 de abril de 2016

A “ENTREVISTA” DE BRIZOLA SOBRE O GOLPE POR MARCEU VIEIRA. Por Fernando Brito

Fiz muitas vezes quando ele estava por aqui; jamais fiz, depois que se foi.

Não me aventuro a falar por Leonel Brizola. Menos por fidelidade ao seu  pensamento e mais porque os 20 anos de convívio diário como seu auxiliar me colocariam numa posição de arrogância pretensiosa.

Mas isso não se aplica aos que conviveram com  Brizola como repórteres e, tanto quanto eu, se acostumaram ao falar pausado, às frases longas, às metáforas mais inesperadas.

Marceu Vieira, ex-Jornal do Brasil, é um dos que podem, como poderiam a Heloísa Tolipan, a Ana Baum, a Valéria Blanc, a Cristina Serra, a Florencia Costa, o Sidney Rezende, o Neri Victor, o Luiz Antonio Ryff, o Fernando Molica, o Wilson Tosta, o PC Guimarães, o Ricardo Osman, o Aziz Filho e os vários outros que não incluo na imensa lista de repórteres que mais intensamente cobriram jornalisticamente o ex-governador. E a Dulce Alves, da Rádio Tupi, a única que, infelizmente, está onde ele está  agora.

E Marceu o faz, com a delicadeza e a correção que todos lhe reconhecemos, sempre.

Na minha opinião, o Brizola de Marceu se expressa, além do linguajar, com o conteúdo muito coerente com o que sei do  seu pensamento e da sua capacidade de superar diferenças quando a questão é o povo brasileiro e a defesa de suas liberdades.

O Brizola de Marceu fala mansamente, como compete a quem não está mais aqui. Se estivesse, haveria mais clarinadas em sua voz.

Como não está, encerro esta apresentação com o que sei que que me diria: “entra em fogo, Brito”.

Brizola ‘fala’ do pedido de impeachment de Dilma

Marceu Vieira, em seu blog

O cronista digital revisitou o arquivo particular do tempo em que atuava como repórter político, sobretudo no “Jornal do Brasil”, e, levado por uma alucinação, reentrevistou Leonel Brizola (1922-2004), o velho trabalhista gaúcho, governador do Rio Grande do Sul uma vez, do Rio de Janeiro duas. No armário reaberto de sua memória, Brizola disse a ele o que pensa do pedido de impeachment de Dilma, das infelicidades do PT, do protagonismo de Eduardo Cunha, de Michel Temer, de Aécio Neves, do juiz Sérgio Moro, do PMDB, da TV Globo, da imprensa em geral, das manifestações pró e contra o governo, do “Big Brother Brasil”, da seleção do Dunga, da novela das oito e de mais um pouco de um pouco mais.

Governador, o senhor tem acompanhado o atual momento do Brasil?

Veja. Devo te dizer que tenho acompanhado com muita preocupação tudo isso que aí está. A rigor, o que se está tentando construir, hoje, no Brasil, é um golpe.

Juristas renomados têm lembrado que o impeachment é previsto na Constituição. Por que, então, seria um golpe?

São vozes contaminadas por conveniências de certos grupos políticos. Pergunte a esses juristas em quem eles votaram em 2014. Veja bem. A presidente Dilma foi eleita com 54,5 milhões de votos. Tirá-la do poder só porque não gostam dela, isso não é um golpe? Aí vem a TV Globo com seus porta-vozes e diz: “Ah, não, não é golpe, não, porque o impeachment está previsto na Constituição.” Mas o que há, de fato, contra Dilma? A rigor, francamente, não há nada! Então, tirá-la é golpe.

O senhor continua em combate com a TV Globo, mesmo daí?

Não diria isso. Depois da minha morte, eles lá me deram uma trégua. Já haviam me dado antes um pouco. Os velhos e os mortos costumam ser contemplados com esses favores, não é verdade? São os favores da idade e, agora eu sei, também os da morte. Mas compreendo que este momento vivido pela presidente Dilma é muito parecido com aqueles dias de perseguição implacável que sofri deste império Globo. A Globo, honestamente, com todos os seus tentáculos, parece cumprir o último quarto de hora de seu domínio. Daqui onde estou, vejo grandes mudanças à vista. Grandes mudanças. Os impérios, todos eles, nascem, prosperam e fenecem. A História tem muitos exemplos.

O senhor não acha que…

Deixe-me concluir. Então, se a Globo diz que não é golpe, só porque ela diz, o povo brasileiro deve acreditar? É como eu sempre disse. Tem rabo de jacaré, tem dente de jacaré, olho de jacaré, cabeça de jacaré, couro de jacaré… mas não é jacaré?! Veja, não conversei com o Roberto Marinho. Porque, também aqui, procuramos nos evitar. É ele lá e eu cá. Mas posso assegurar que nem o Roberto Marinho, nem ele deixaria de classificar este ajuntamento de forças contra um governo democraticamente eleito como uma tentativa de golpe. Digo mais. O Roberto Marinho deve estar descontente com os filhos dele. Como condenar uma pessoa se não há um crime? É como eu vejo.

Qual a sua análise do papel da imprensa neste momento?

Tu sabes do apreço que tenho pelos jornalistas. Minhas batalhas sempre se deram em outra esfera, em outro plano. Tu sabes também o quanto a Globo e seus satélites, como o seu jornal e suas rádios, me perseguiram. As rádios, menos, é verdade. Mas estas costas aqui ainda me doem de vez em quando por causa das chibatadas que recebi das Organizações Globo. Sobretudo da TV e do jornal, que cresceram e prosperaram e se tornaram um império na ditadura. A Globo, sobretudo, é filhote da ditadura! Mas, sabes?, nem disso guardo mágoa. O que se vê hoje, creia, é menos cruel do que eu suportei. Tudo que o Leonel Brizola fazia… e… tiscs… até o que o Leonel Brizola não fazia… tudo era motivo de contestação desse império. A meu ver, Perseu…

Marceu, governador…

A meu ver, o papel da imprensa é fiscalizar, denunciar. E creia que a História só é escrita porque existem contemporâneos que a relatam. Estes contemporâneos são tu e teus iguais, jornalistas, e eu os respeito. Agora, a manipulação, ou o destaque sem medida e sem propósito que se dá a determinados fatos, isso, francamente, a História trata de dissipar e de dissolver no seu grande caldo. De modo que respeito os jornalistas, mas sempre tive graves ressalvas com seus patrões.

E o papel do juiz Moro?

Veja. Este rapaz, o juiz Moro, é um jovem magistrado, voluntarioso, que tem lá suas boas intenções e as suas convicções. Daqui o assisto. Mas, francamente, percebo algum deslumbramento nos seus procedimentos. Não quero desagradá-lo nem desrespeitá-lo. Mas a divulgação da conversa do Lula com a presidente Dilma, olha, francamente, aquilo foi um inominável excesso. Com todo o respeito ao magistrado Moro, foi sim. Lula, em conversas privadas, é desabrido, não resiste a um k-7. A mim mesmo já me disse coisas que eu não ousaria repetir. Mas, honestamente, na minha convicção, divulgar aquela conversa, olha, foi um sinal de perigo para o que ainda pode vir.

Que coisas foram essas que o Lula disse ao senhor em caráter privado?

Dirceu, veja, ele jamais me disse nada que fizesse uma vaca dar mais leite no pasto, como se dizia lá no campo, ou um cusco caído de mudança se achar. São coisas que morreram comigo. Não tive tempo de acompanhar aí esse programa da Globo, o “Big Brother”. Mas creio que o juiz Moro cedeu à tentação do “Big Brother” ao expor  uma conversa sem consequências da presidente Dilma com o Lula.

O senhor concorda que os pecados do PT comprometeram o governo Dilma?

A rigor, o PT, por si só, já é fruto de um pecado. O PT foi gestado na ditadura com a permissão dos militares para diminuir a nossa força. Nós temos essa compreensão. Nós, que estávamos no exílio, deveríamos ser aniquilados. O plano era esse. Assim imaginavam os feiticeiros, os alquimistas do regime militar, quando permitiram, e até incentivaram, o nascedouro do PT.

O senhor sempre disse isso. Não é um pouco de mágoa pela ascensão do PT nas camadas populares da sua época, nas quais o senhor costumava ser majoritário?

Olha, Marcel…

É Marceu, governador…

Tu me perdoas. Veja que foram tantos anos contigo ali, no teu papel de repórter, sempre ao nosso redor, fazendo as tuas entrevistas, as tuas perguntas, tu bem jovem, eu lembro, e eu nunca acertei teu nome, não é verdade (rindo)? Te peço perdão. Mas veja, Dirceu, o PT, na verdade, era forte na Zona Sul do Rio de Janeiro, em Ipanema, esta mesma Ipanema que hoje se posiciona contra a dona Dilma e acha bonito este Aécio, que é uma espécie de Moreira Franco moderninho. Reconheço que o PT era forte também numa certa intelectualidade paulistana engomada, não é verdade?, que tinha preconceito contra nós, que sempre nos apresentamos com as nossas botinas e bombachas sujas de barro. Mas, creia, não acho que seja sobre isso que devemos falar aqui. Não carrego mágoas no meu coração. Mesmo morto, tenho um coração puro de mágoas.

Continue lendo o “Brizola” no Blog do Marceu, ou Perseu, Dirceu, Marcel ou lá como queiram chamar este querido amigo, que estava meio “exilado” deste Tijolaço por ter andado falando bem de mim…

http://www.tijolaco.com.br/blog/entrevista-de-brizola-sobre-o-golpe-por-marceu-vieira/


Nenhum comentário: