Ao
sujeito de direito dá-se a denominação de pessoa natural, nomenclatura esta adotada
tanto pelo Código Civil de 1916, quanto pelo Codex de 2002. O nome, no direito
civil brasileiro, é a forma de individualização da pessoa natural.
Desde
o período que o ser humano desenvolveu sua capacidade de verbalizar intenções,
a nomenclatura de coisas e pessoas tornou-se relevante, senão fundamental. E o
nome dado às pessoas evoluiu com o passar do tempo.
De
início, apenas um nome era suficiente para identificar um determinado indivíduo
no seu núcleo de convívio, o que foi se modificando com o crescimento
populacional e a especialização das formas de locomoção.
O
povo hebreu, a princípio, era identificado apenas com um nome seguido da
filiação, como, por exemplo, Jacó filho de Isaac. Essa forma de
individualização para um povo, até então pequeno, era suficiente para o
convívio.
Com
a necessidade de uma melhor forma de denominação que não gerasse tanta
confusão, passou-se a incluir um segundo nome, em referência à profissão ou
localidade ou acidente geográfico de nascimento.
Na
Grécia, o nome de início era único e depois passou a ser composto por três
partes: o prenome, o nome de família e o nome da gens da qual o sujeito
integrava. Já os romanos, por sua vez, possuíam também um nome composto por
prenome, nome, cognome e, certas vezes, acrescido do agnome.
Na
Idade Média, voltou-se ao costume de dar nome único, geralmente nomes
relacionados aos santos e, com o tempo e a confusão gerada pelos nomes
semelhantes, passou-se a adotar um segundo nome que poderia ser relacionado à
filiação, ao local de nascimento, a plantas ou animais.
Essa
forma de individualização iniciou-se entre as classes mais altas até ser
disseminada a todos os integrantes da sociedade. Entre nós, contemporaneamente,
o nome consiste num direito personalíssimo, sendo resguardado pelo Código
Civil, em seu artigo 16: Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.
Os
direitos da personalidade relacionam-se com tudo que é necessário à natureza
humana, como, por exemplo, a vida, a liberdade de pensamento e de expressão, a
integridade, a honra, a moral, a intimidade, a segurança e tudo aquilo que for
relacionado a uma vida humana digna. O direito ao nome está, da mesma maneira,
inserido naquilo que é indispensável para a natureza humana.
O
fato de ser direito personalíssimo suscitaria a dúvida quanto à sua
característica de imutabilidade, porém vastos são os casos de exceção a essa
regra dentre os direitos personalíssimos, além da possibilidade de modificação
do patronímico ser previsto em lei. O princípio da imutabilidade é facilmente
relativizado pela doutrina, jurisprudência e encontra respaldo nos próprios
dispositivos legais, tanto para a alteração do prenome quanto do nome de
família.
Em
verdade, há diversas situações em que é possível e comum a alteração do
patronímico: a) alteração pelo casamento ou união estável; b) divórcio,
nulidade e anulação do casamento ou dissolução da união estável; c) adoção; d)
homonímia; e) alteração motivada por razão fundamentada – nesse caso,
ressalta-se a alteração do nome em virtude do abandono afetivo.
A
forma mais comum de alteração de nome é por ocasião do casamento ou união
estável, em que a os envolvidos tem a opção legal de adotarem ou não o nome de
família do cônjuge ou companheiro. Tal faculdade independe do sexo, podendo o
varão adotar o nome da cônjuge/companheira virago ou o contrário.
A
mudança do patronímico pelo casamento está prevista no artigo 1565, §1º do
Código Civil que dispõe: Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao
seu o sobrenome do outro. Já a Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º,
equiparou o casamento e a união estável. De igual forma, assim procedeu a Lei
de Registros Públicos, em seu artigo 57, §2º, já que permite a adoção do
patronímico do companheiro.
Outra
forma aceita de modificação do nome é através do divórcio, da nulidade ou
anulação do casamento ou, ainda, pela dissolução da união estável. O rompimento
do vínculo matrimonial entre os cônjuges ou o findar da união estável entre os
conviventes não obrigam os envolvidos a retornar ao status quo, no que tange ao
patronímico, uma vez que se trata de uma faculdade dos envolvidos manter ou não
o nome adquirido com a modificação de estado. Isso é pacífico nos divórcios e
dissoluções de uniões estáveis em que há consensualidade entre os envolvidos.
Nos
divórcios litigiosos, a situação não é tão simples. Não adentrando aqui na
seara da continuidade da existência ou não do instituto da separação judicial, fato
incontroverso é que a culpa não consiste mais em requisito para a obtenção do
rompimento do vínculo matrimonial. Porém, diferentemente do posicionamento de
alguns doutrinadores, a culpa continua a ser um ponto de máxima importância
para conseguir um ressarcimento pelos danos morais e materiais causados, bem
como para obstar aquele que adquiriu o patronímico do outro e continua a
utilizá-lo.
Outra
forma, desta vez obrigatória, de alteração do nome é a adoção. Decorre do
princípio constitucional da igualdade o subprincípio denominado “igualdade
entre todos os filhos”, extirpando a diferenciação dada, no passado, entre
filhos consanguíneos havidos no casamento, dos adotados ou oriundos de relações
extraconjugais. Assim, quando se dá a adoção, é obrigatória a mudança do
patronímico do adotado para que se iguale ao dos adotantes.
A
fim de modificar o nome para cessar a confusão com pessoas que detém igual
denominação, é permitido o acréscimo de outro nome ao qual a pessoa faça jus, a
fim de evitar a chamada homonímia. Por fim, a mudança de nome que se encontra
em voga, foco do presente estudo, é a alteração do nome motivado por abandono
afetivo dos genitores e pelo vínculo socioafetivo.
Em
que pese essa espécie de modificação de patronímico não se encontrar expressa
na legislação, a Lei dos Registros Públicos dispõe acerca da possibilidade de
modificação por qualquer motivo justo e fundado. Desta feita, a exclusão do
patronímico do genitor que cometeu o abandono tem sido amplamente aceita tanto
pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria.
O
pensamento contemporâneo das relações familiares acaba por valorizar a visão
principiológica-valorativa dos fatos sociais, com a preponderância do afeto aos
vínculos hereditários. Diante dessa nova ordem de pensamento e da valorização
individual do ser humano trazida pela pós-modernidade, o rigor conservador da
formatação tradicional da família foi deixado para trás e o vínculo pautado no
amor e afeto priorizado.
Nessa
seara, a lei, a doutrina e a jurisprudência caminharam para a aceitação de
ligações familiares não sanguíneas, dando, por exemplo, ao padrasto ou madrasta
o status de pai ou de mãe em todos seus direitos e deveres – inclusive no que
tange ao registro. Da mesma maneira, foram impostas penalidades e até mesmo a
perda do poder familiar aos genitores que deixaram seus papéis, corroborando
para a ocorrência do abandono afetivo.
Fato
é, dado o reconhecimento do abandono afetivo, seria absurdo obrigar aquele que
já sofreu com a ausência daqueles que mais deviam lhes apoiar a carregar
consigo um patronímico que lhes recorda constantemente a relação dolorosa a que
foram submetidos – de maneira ativa ou passiva.
A
questão, aliás, já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça,
a exemplo do Recurso Especial nº 1.304.718-SP, cuja decisão permitiu a
retificação de assento de nascimento de filho abandonado pelo pai na infância
e, assim, viabilizando a supressão do patronímico paterno, sob o argumento de
que o princípio da imutabilidade efetivamente não deve ser considerado absoluto
no sistema jurídico brasileiro.
É
fundamento também, na indigitada decisão do Superior Tribunal de Justiça, que a
possiblidade de alteração de nome, com fulcro no artigo 57 da Lei de Registros
Públicos, seria possível, de maneira excepcional e diante de justo motivo, que
seria justamente o caso do abandono afetivo.
Aliás,
a flexibilidade em relação ao princípio da imutabilidade do nome civil adotada
o Superior Tribunal de Justiça pelo próprio papel que o nome desempenha na formação
e consolidação da personalidade de uma pessoa, como se destacou no julgamento
do Recurso Especial nº 1.412.260-SP, também destacado no retro citado acórdão.
Assim,
deve-se considerar a possibilidade do sujeito alterar o seu nome, a fim de lhe
permitir eliminar a constante lembrança de um relacionamento traumático e que
se consubstancia no que se convencionado denominar como abandono afetivo.
*
Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de
Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona,
UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).
Vivian
Gerstler Zalcman é mestranda em Direito pela PUC-SP, pesquisadora do Grupo de
Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Mato Grosso, professora de Direito Civil e Processo Civil em
diversas Instituições. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela
PUC/SP, em Direito Civil e Processo Civil, bem como em Direito Público pela
Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Sócia-Diretora do Escritório Zalcman
Advogados Associados.
Carlos
Eduardo Silva e Souza é doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito
(Fadisp) e mestre em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Professor dos cursos de Graduação e Mestrado em Direito da Faculdade de Direito
da UFMT e coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da instituição de
ensino. Coordenador Pedagógico da Escola Superior de Advocacia de Mato Grosso e
Líder do Grupo de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo da Faculdade de
Direito da UFMT. Sócio-Diretor do Escritório Silva Neto e Souza Advogados.
http://www.conjur.com.br/2016-mar-28/direito-civil-atual-alteracao-nome-abandono-afetivo-vinculo-socioafetivo
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