Há
praticamente unanimidade contra a desnecessidade da prisão preventiva do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sendo compartilhada, inclusive, por
lideranças da oposição (vide senador Cunha Lima, líder do PSDB), e pela
esmagadora maioria dos especialistas do mundo jurídico. O jornalista Merval
Pereira, por sua vez, rigoroso crítico do atual governo, reconheceu, ao vivo,
que há consenso sobre a denúncia para apurar os fatos imputados a Lula, mas
destacou que a prisão preventiva “invocou motivações políticas, não jurídicas”.
Com efeito, Lula, como qualquer cidadão, não está acima da lei, mas tampouco
pode ser, injustificadamente, vilipendiado ou exposto à execração pública, como
fizeram os promotores que pediram sua prisão, e, posteriormente, em entrevista
coletiva, ao vivo, o acusaram, sem contraditório, em rede nacional de
televisão, por mais de uma hora.
A
prisão preventiva exige prova da existência do crime (materialidade) e indícios
suficientes de autoria. Mas por mais graves que sejam os crimes atribuídos ao
Lula (no caso, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica), somente prova de
materialidade e indícios de autoria, além de serem meros pressupostos, são
insuficientes para justificar a prisão preventiva, não apenas do ex-presidente,
mas de qualquer cidadão. Essa prisão cautelar exige, necessariamente, ao menos
um dos seguintes requisitos: a) garantia da ordem pública ou da ordem
econômica, b) conveniência da instrução criminal, ou c) assegurar da aplicação
da lei penal. Tais requisitos precisam ter sua existência, concretamente,
demonstrada ao juiz. Circunstâncias que, em absoluto, foram satisfeitas pelos
acusadores. Ademais, é indispensável restar demonstrado que nenhuma das
cautelares alternativas indicadas no artigo 319 do Código de Processo Penal são
aptas, no caso concreto, para assegurar a aplicação da lei. Em outros termos, a
prisão preventiva somente se legitima se nenhuma dessas alternativas for
suficiente para garantir o desenrolar seguro da ação penal, nos termos do
artigo 312 do CPP. Não houve nenhuma coisa nem outra, isto é, os promotores não
demonstraram a insuficiência das medidas cautelares alternativas, e tampouco a
necessidade da prisão preventiva.
Na
verdade, o parquet invocou fundamentos para prisão não previstos em lei: (a)
desrespeito às instituições (sobretudo as judiciais); (b) inflamar a população
em entrevista coletiva; (c) impedir as investigações (entrou com medidas
cautelares para isso, como se não fosse direito de qualquer cidadão); (d)
insurgir-se contra sua condução coercitiva, (e) julgar-se acima da lei; (f) risco
de evasão do país e (g) condutas reveladoras de desafio ao Estado Democrático
de Direito. Mas esses argumentos, puramente genéricos e abstratos, não são
jurídicos, e não passam de simples ilações. Tratando-se de grandes
especialistas em matéria penal, não se pode afirmar que o fizeram por
desconhecimento. A rigor, referidos promotores, integrantes do parquet
paulista, estão transformando o cidadão Lula da Silva em verdadeiro mártir
social ao exagerarem em seu pedido de prisão, com argumentos puramente retóricos
e abstratos, deixando clara a motivação política para satisfazer uma ânsia
desenfreada de virarem protagonistas, promovendo-se às custas da notoriedade do
investigado.
Aliás,
esses “fundamentos”, extra-legis, invocados pelo Ministério Público, além de
genéricos, superficiais, abstratos e não previstos em lei, não são jurídicos, e
tampouco comprováveis, mas políticos, como destacou Merval Pereira, não passam
de pura abstração, carregando grande carga de subjetividade, sem qualquer
capacidade de comprovação. Aliás, os “fundamentos” invocados pelos acusadores
são a grande demonstração da inexistência de fundamentos concretos para a
prisão postulada.
Não
se discute, diga-se de passagem, que a sociedade brasileira tem direito e
interesse em ver punidos indivíduos que pratiquem crimes, mas, não se pode
ignorar que sempre se deverá respeitar o devido processo legal, o contraditório
e a ampla defesa. Ou seja, a sociedade (via Estado) deve conviver e respeitar a
liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não pode ser privado,
senão dentro dos limites legais.
Por
fim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em inúmeras decisões, tem
reiterado que a gravidade das condutas criminosas, supostamente praticadas, não
justificam, por si só, a decretação da prisão preventiva. De igual modo, o
Supremo Tribunal Federal tem orientação inquestionável de que, em princípio,
não se pode legitimar a decretação da prisão preventiva unicamente com o
argumento da credibilidade das instituições públicas, “nem a repercussão
nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade” (HC
101.537).
Todos
querem saber a verdade sobre as acusações feitas contra todos os agentes
públicos, especialmente em relação aos bens materiais de Lula e sua família, se
foram adquiridos licitamente ou são produtos de atos de corrupção, mas para
isso existe o devido processo legal sob o amparo do Poder Judiciário. Havendo
provas da materialidade e indícios suficientes de autoria, certamente, será
instaurado o devido processo legal e, ao final, a instrução probatória
esclarecerá se o acusado é culpado ou inocente. Assim funciona o Estado
Democrático de Direito para todos os cidadãos que são levados às barras da
Justiça. Com Lula, certamente, não deve ser diferente. Somente então poder-se-á
afirmar que ele é culpado.
http://www.conjur.com.br/2016-mar-14/cezar-bitencourt-pedido-prisao-lula-foi-acodado-ilegal?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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